Santa Clara: Vida religiosa contemplativa
“Como se vissem o Invisível…”
Neste mês de agosto em que comemoramos Santa Clara de Assis, dia 11, podemos nos acercar de textos e reflexões que nos façam compreender a beleza da vida contemplativa. Os contemplativos e as contemplativas não deixam o mundo esfriar. São sentinelas sobre o monte. Gritam: o Senhor existe e o amamos.
- Uma história de amor
Os que se sentem chamados profundamente pelo Altíssimo podem escolher o caminho da vida contemplativa. Vejamos uma palavra do Papa Francisco sobre o assunto.
A vida consagrada é uma história de amor apaixonado pelo Senhor e pela humanidade: na vida contemplativa esta história se constrói, dia após dia, através da busca apaixonada do rosto de Deus na relação íntima com ele (…).
Seguindo o exemplo da Virgem Mãe, o contemplativo é a pessoa centrada em Deus, é aquele para quem Deus é o único necessário, perante o qual tudo se redimensiona, porque visto com olhos novos. A pessoa contemplativa compreende a importância das coisas, mas estas não lhe roubam o coração nem bloqueiam a sua mente; antes pelo contrário servem de escada para chegar a Deus, para ela tudo é portador de significado do Altíssimo. Quem mergulha no mistério da contemplação, vê com olhos espirituais: isto permite contemplar o mundo e as pessoas com o olhar de Deus, diversamente dos outros que têm olhos e não veem, porque contemplam com os olhos da carne.
Papa Francisco – Sobre a vida contemplativa feminina, 9 e 10
2. Oração e conversão
Desobstruindo o caminho…
Assim Thomas Merton define o monge:
O monge é um cristão que, respondendo a um convite especial de Deus, deixa os interesses de caráter mais ativo de uma vida mundana para entregar-se totalmente à Boa Nova do Reino de Deus, à “conversão” (metanoia) num espírito de renúncia e de oração. Em termos positivos, devemos entender a vida monástica sobretudo como vida de oração. Os elementos “negativos”: silêncio, solicitude, jejum, abstinência, penitência, renúncia à propriedade e à ambição, todos têm em vista desobstruir o caminho de maneira que a oração – meditação e contemplação – possa ocupar o espaço criado pelo abandono dos outros interesses.
Thomas Merton, A oração contemplativa, Ecclesiae, p. 29
3. Contemplação de Clara e Francisco
A experiência da pobreza de Cristo invade o coração de Francisco e Clara.
A “predileção” que Francisco e Clara mostram pela pobreza radical, expressa pelo viver sem nada de próprio, não se inspira nas modas da época, mas no amor a Cristo, o Pobre por excelência (cf. Test. Clara, 45). Dele aprenderam o despojamento e abaixamento mais radical e absoluto.
A contemplação do Cristo pobre e crucificado está no centro da experiência espiritual de Francisco e Clara, dá sentido e motiva suas opções concretas, sobretudo as que se referem á pobreza. O caminho indicado por Francisco e Clara é o caminho indicado por Cristo Jesus com seu comportamento e seus sentimentos. “Ele, subsistindo na condição de Deus, não se apegou à sua igualdade com Deus. Mas esvaziou-se a si mesmo, assumindo a condição de escravo, tornando-se solidário com os seres humanos. E apresentando-se como simples homem, humilhou-se, feito obediente até à morte, até a morte numa cruz (Fl 2, 6-8).
A fé permitiu que Clara e Francisco descobrissem que, para a salvação dos pecadores e a redenção dos escravos, o Senhor não escolheu o caminho da riqueza e do poder, mas o da pobreza, da humildade e do serviço: a partir da fé o Pobre de Assis e a Dama Pobre e a redenção podiam ser recebidas na medida em que, pela pobreza, pela humildade e pelo serviço, entravam no caminho de Cristo e seguiam suas pegadas.
Clara de Assis e de hoje, Um coração seduzido e conquistado pelo Senhor – Roma, p.15
4. Mosteiro, lugar de escuta
Irma Pilar Avellaneda Ruiz, Cisterciense de São Bernardo, espanhola, afirma que os contemplativos, mesmo reclusos podem conectar e integrar. Não são estranhos seres isolados.
O mosteiro, em meio à realidade à sua volta, não é espaço impassível. É voz que educa no silêncio, descobrindo ao homem a necessidade que tem de “conectar-se”, a partir do coração, à sua origem, a Deus, fonte da vida, para crescer como ser humano, sabendo de onde vem para onde vai e não apenas converter-se num computador programado e eficaz.
A comunidade monástica não se isola do mundo, nem pode dobrar-se sobre si mesma . O Espírito de Deus faz com que ela continuamente se movimente, sem cair num ativismo insensato, mas numa atenção amante ao outro, num contínuo êxodo de si mesmo. A beleza de tirar as sandálias diante do outro, descentrando-se de seu ego com a delicada arte de escutar e dar hospitalidade, primeiramente aos irmãos e irmãs da comunidade – e depois tanto na liturgia como na acolhida dos hóspedes – a todos, é parte da pedagogia na beleza claustral.
Pilar Avellaneda Ruiz,ccsb
Mistagogia de la Belleza de Dios
El valor del silencio creativo
In Vida Religiosa, monográfico 2, 2017, p. 63-64
- Vocação à solidão
Mais uma vez a palavra é dada a Thomas Merton, “o monge”. Aqui ele descreve a vida desse “solitário”, do que é chamado à solidão.
Vocação à solidão – entregar-se, dar-se, confiar-se completamente ao silêncio de uma paisagem de bosque e montes ou do mar ou do deserto; ficar sentado, imóvel, enquanto o sol desponta sobre a terra e enche de luz o silêncio. Orar e trabalhar pela manhã e dar-se ao labor e ao repouso à tarde, e, novamente ao entardecer sentar-se quieto, meditando, quando cai a noite sobre a terra e quando o silêncio se enche de escuridão e de estrelas.
Essa é uma verdadeira e particular vocação. Poucos há que estejam prontos a pertencer inteiramente a um tal silêncio, a deixa-lo penetrar em seus ossos, a nada respirar a não ser em silêncio, a se nutrir de silêncio e a transformar a própria substância de sua vida em um silêncio vivo e vigilante.
Thomas Merton, Na liberdade da solidão –Vozes, p. 79
- O coração contemplativo
Giacomo Bini, OFM, foi Ministro da Ordem dos Frades Menores e teve ocasião de se dirigir inúmeras vezes às clarissas. Aqui ele descreve o que entende por um coração contemplativo.
O termo contemplação é composto de três palavras: cum templum e actio. Parto da última palavra para definir a contemplação como ação de estar com alguém no templo. É a ação por excelência, porque forma o coração. O Evangelho diz que é do coração que saem as ações boas e más (cf. Mt 15, 19). As ações visíveis das mãos, dos pés, da palavra têm significado se são expressão de um coração formado na contemplação.
Francisco, a propósito, afirma que nada devemos desejar, nada nos agrade e nos deleite senão o Criador e Redentor nosso. Se vocês lerem cinquenta vezes esta frase, saboreando-a, então vocês entenderão o que significa a centralidade da experiência de Deus.
No mundo de hoje, onde todo prazer é reduzido a um hedonismo corpóreo, a vida religiosa se apresenta como antítese deste fato. O franciscano, a franciscana são pessoas feridas pelo profundo desejo de ser possuído por Deus. Gosto do termo “feridas”, porque creio que, quando a ferida permanece aberta é autêntica, não se tem medo dos próprios pecados, das faltas, das fraquezas, da indignidade. Não tenham medo, deixem aberta esta ferida e recomecem. Santo Agostinho diz que também o pecado pode ser como uma mola que empurra para andar ainda mais longe. Eu, pessoalmente, prefiro uma pessoa frágil e ferida, a outra “certinha”, que não é quente nem fria. Uma pessoa que não se sente ferida, não caminha, é uma pessoa que se mantém em pé pela estrutura, incapaz de autonomia. Para mim a ferida é algo de profundo, é presença do Espírito que nós, às vezes, sufocamos com tantas coisas que nos preocupam. Para mim, estar “ferido” significa deixar espaço ao Espirito que habita em nós, para sermos dele, para que vivamos radicalmente expropriados.
Giacomo Bini, OFM – Ouvi, Irmãs, Federação das Clarissas do Brasil, p. 28-29
Frei Almir Guimarães