Os que permanecem e os que se afastam
Presenças e ausências na Ordem Franciscana Secular
Frei Almir Ribeiro Guimarães, OFM (*)
1. Terminado o tempo da formação inicial numa fraternidade OFS, o candidato pede ao Ministro da Fraternidade Local para emitir a profissão. Este é um ato eclesial pelo qual o dito candidato, lembrado do chamamento recebido de Cristo, renova as promessas batismais e afirma publicamente o compromisso de viver o Evangelho no mundo. Essa profissão que incorpora o candidato à Ordem é um compromisso perpétuo (cf. CCGG OFS, art. 41-42). Não pode, sem mais, ser deixada de lado. Sublinhamos a palavra compromisso.
2. Na vida é importante escolher, saber escolher, escolher bem. Há escolhas pequenas e outras que constituem orientações fundamentais de vida, projetos existenciais que resolvemos assumir. Assim, uma pessoa escolhe o casamento e a vida familiar. As melhores energias que pulsam na vida de um homem e de uma mulher se dirigem para esse projeto, assumido interiormente e, exteriormente celebrado com uma palavra dada, um sim proferido, primeiro no coração e depois diante de outros. Importante essa palavra dada. Alguém assume, como médico por exemplo, a missão de curar, sanar os doentes. A quebra desse compromisso implica no aparecimento de um profundo mal-estar interior. Não houve fidelidade a uma promessa livremente assumida e o desrespeito à palavra dada provoca desorganização interior quase sempre grave.
3. Muitos irmãos e irmãs da OFS são de uma fidelidade exemplar, modelar. Fazem-se presentes nas reuniões, justificam suas ausências devido a compromissos familiares e sociais ou por questão de caridade familiar. Encantam-nos esses irmãos que aceitam os serviços e trabalhos no Conselho das Fraternidades, até com dificuldades e sacrificando parte do tempo que poderia consagrar à pastoral, à família ou simplesmente a um merecido descanso. Muitos irmãos, mesmo não pertencendo ao Conselho, fazem-se presentes na vida dos doentes e se interessam pelos ausentes. Mais importante do que tudo é sua simples presença. Quando chegam, os outros irmãos experimentam alegria. Sua ausência é sentida. Sua presença fala, grita, anima, entusiasma, encoraja.
4. Na realidade, o que conta mesmo é a qualidade da presença. De que adianta estar com os irmãos, quando alguém não se exprime, não colabora, não inventa a caridade. Tristezas, decepções e aborrecimentos fiquem de lado quando estivermos na Fraternidade. Francisco queria os frades tristes se retirassem para a cela e só voltassem à presença dos outros quando tivessem expulsado de suas vidas o demônio da tristeza.
5. Há os irmãos que se tornam ausentes devido a uma certa desmotivação, mas conservam laços com a Fraternidade. Precisam fazer um retiro, buscar nova motivação, reencontrar a fonte de onde brotara sua vocação. Ministros e Assistentes existem para animar e buscar esses seres bons, mas fragilizados. Em principio não correm o risco de abandonar o caminho encetado. Precisam ser corrigidos fraternalmente. Há certos irmãos e irmãs que “são afastados” devido a injunções de ordem moral. Penso aqui nos casos previstos pelo Artigo 84 das CCGG. Nesta reflexão não me refiro nem a uns nem a outros.
6. Muitas vezes ouvimos dizer que irmãos ou irmãs, através de uma carta, “pedem afastamento” da Fraternidade. O que significa isso? Os que professam fazem um compromisso perpétuo. Circunstâncias da vida podem fazer com que um irmão, devido a compromissos profissionais, passe a viver numa cidade onde não há Fraternidade da OFS. Compreende-se um tal “afastamento”. Não está ele desligado, desvinculado da Ordem, não rompeu a promessa. Vive uma situação de impossibilidade de viver as reuniões e a prática da vida de uma Fraternidade, mas continua franciscano. Sofre por não poderem se encontrar. Sente, no coração, uma saudade. Continua, mesmo sem o respaldo de uma fraternidade concreta, compromissado com a Regra e a vivência do Evangelho, franciscanamente, no dia-a-dia. Não se trata de um afastamento radical.
7. Compreende-se que alguém, devido a uma viagem mais prolongada, escreva uma carta justificando previamente suas ausências, dando as razões de um afastamento temporário. Quando tiver terminado o tempo da viagem, ele volta a viver com os irmãos. Não houve rigorosamente um afastamento. Uma pessoa que precisa cuidar de um parente doente não tem condições de estar sempre presente. Ela faz saber o fato. Não tem sentido pedir afastamento. Tal pessoa comparecerá quando puder. Uma coisa é justificar a ausência, expor as razões pelas quais não pode aceitar um serviço no Conselho e outra o fugir…
8. Sim, pode ser que muitas dessas cartas de pedido de afastamento sejam simplesmente um atestado de desmotivação, fuga de situações conflitivas na Fraternidade, desculpa para não fazer o esforço que deveria ser feito para viver o Evangelho. Essa questão do “afastamento” não pode ser olhada somente sob o ângulo jurídico. Há situações em que vidas humana votadas a Deus tiram parte da oferenda feita com ardor.
9. Por que alguém pode chegar a essa situação de pedir o “afastamento” , que neste caso seria uma demissão?
- talvez a pessoa não tenha vocação para esse caminho e assim mesmo tenha feito a profissão;
- nem sempre os formadores são pessoas preparadas para preparar história para o passo tão nobre da profissão;
- ressentimentos vividos na Fraternidade, falta de empenho de buscar a reconciliação, desavenças com membros do conselho, susceptibilidades levam alguns a pedirem afastamento;
- em sua biografia pessoal não houve uma busca sincera do Senhor e nunca aprendeu a administrar o negativo da vida e, consequentemente, não soube carregar com Cristo a cruz de todos os dias.
10. Muitos dos problemas vividos em nossas Fraternidades têm sua origem no tempo da formação. As orientações oferecidas pelas Constituições Gerais para o tempo da formação valem para todos os tempos da vida. “Os candidatos sejam orientados para a leitura e para a mediação das Sagradas Escrituras, para o conhecimento da pessoa e dos escritos de São Francisco e para a espiritualidade franciscana, para o estudo da Regra e das Constituições. Sejam educados no amor à Igreja e na aceitação de seu magistério. Os leigos exercitem-se a viver numa forma evangélica o compromisso temporal no mundo.
(*) Frei Almir Ribeiro Guimarães, OFM
Assistente Nacional da OFS pela OFM e Assistente Regional do Sudeste III