Carisma - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Íntegra da homilia de Frei Fidêncio no 2º Dia do Tríduo de Santa Clara

Tema: Clara de Palavra

Palavra de Deus:

Dt 4,32-40: Guardar as leis e mandamentos para que sejas feliz.

Mt 16,24-28: Renúncia para o seguimento de Cristo

Relembrando o tema geral: “Mulher admirável por seu nome, Clara de palavra e virtude, natural de Assis, de família muito preclara, foi concidadã do bem-aventurado Francisco na terra e, depois, foi reinar com ele na glória” (LSC 1).

Ontem, no primeiro dia do Tríduo, procuramos refletir sobre a primeira expressão do Tema do nosso Tríduo: “Mulher admirável por seu nome” (Clara de nome). Nome que nasceu no coração da mãe, D. Hortolana, quando rezava diante do Crucificado pedindo para ter um bom parto. Do Crucificado, ela recebeu este conforto espiritual: “salva, iria dar ao mundo uma luz que vai deixar a própria luz mais clara”.

Clara, segundo as testemunhas das pessoas próximas à casa dos Favarone e que deram seus depoimentos no Processo de sua Canonização, construiu seu nome no berço familiar. Não apenas virtuosa e caridosa, a jovem Clara queria algo maior e mais nobre para si, diferente daquilo que a nobreza familiar lhe prometia. Além dos dotes que recebia, também fazia parte do ritual formativo das filhas das famílias nobres a educação que recebia para ser merecedora de um bom matrimônio, segundo os interesses de terceiros.

Hoje queremos prestar atenção à segunda afirmação que aparece no início da Legenda (Vida) de Santa Clara: “Clara de Palavra”. Clara de Favarone ou Clara de Assis não é apenas o nome próprio de uma mulher, membro da família dos Favarone de Assis. Clara de Assis, além do nome, foi Clara da Palavra.

Por que “Clara de Palavra”?

Esta mulher de família nobre, depois da ousadia de:

>> despojar-se das promessas matrimonias (rompeu com a palavra dada/prometida dos parentes para dá-la em matrimônio) para dar autonomia à sua liberdade enquanto mulher;

>> renunciar às seguranças dos muros da cidade e das certezas da “casa grande” dos nobres para morar com maior liberdade num lugar despojado e pobre à beira da estrada;

>> renunciar às regalias e ao brilho da nobreza para abraçar o encanto da altíssima pobreza, Clara passa a ser Palavra e Eloquência de uma nova modalidade de vida, ousada e inusitada naquele contexto medieval.

Clara de Palavra porque ela, num contexto medieval, onde as mulheres pouco falavam ou pouco podiam falar (não lhes era dada esse possibilidade), assume o profetismo e o protagonismo feminino. Quer ser respeitada na sua decisão, na sua autonomia, na sua liberdade, na sua manifestação de fé, na sociedade e na Igreja.

 Clara é palavra ousadia porque ela, num contexto medieval onde as mulheres pouco falavam ou pouco podiam se pronunciar, assume o protagonismo das mulheres que também sonhavam com outra modalidade de vida, diferente da vida monacal, da vida matrimonial, que era imposta sobre elas.

Clara é Palavra eloquente. Uma mulher que, mesmo tendo pouco estudo, fez-se ouvir e ser ouvida. Conhecemos a Regra de Vida (1ª Regra escrita por uma mulher para mulheres), as cartas que escreveu a Inês de Praga, o Testamento que elaborou no final da vida (releitura da vocação, conversão e coloca em evidência a centralidade da altíssima pobreza).

Clara é palavra na voz da Igreja daquela época. O Cardeal Hugolino era um homem muito importante e vai a Santa Clara quase de joelhos para pedir a Santa Clara que a missão dele vai depender das palavras e orações de Clara. Quando os homens da Igreja viram Clara vivendo na pobreza extrema, queriam dar a ela privilégios e posse. Clara luta e reluta contra a igreja de Deus, contra os pastores. E diz: Senhor Papa, eu quero sim, que o sr. dê o Privilégio da Pobreza. Ela responde não para combater ou brigar com o Papa.

Clara foi mulher de Palavra na vida de Francisco de Assis. Se Clara recebeu de Francisco uma Forma de Vida e um pequeno poema, “Audite Poverelle”: “Ouvi, pobrezinhas do Senhor eleitas”,mas ela também foi conselheira de Francisco de Assis, particularmente num momento de dúvida. A palavra de Clara foi decisiva ao dizer que Francisco devia ir pelo mundo a pregar, segundo a forma do Santo Evangelho.

Clara é Palavra porque, como Francisco, colocou-se por inteira na escuta da Palavra de Deus. “O Filho de Deus se fez para nós Caminho”. Colocou-se, como a sua mãe, diante do Crucificado, vivo e glorioso. Custodiou a Cruz de São Damião!

Colocou-se diante do Espelho como enamorada, mulher apaixonada e encantada. Colocou-se por inteira diante desse espelho para enfeitar-se das virtudes todas, particularmente a pobreza (encarnação), a humildade e a caridade. Por isso, nenhuma outra palavra persuasiva a fez abandonar o caminho da Altíssima Pobreza.

Clara é Palavra no testemunho das irmãs que com ela viveram no mosteiro de São Damião:

É a Regra de Vida: Clara foi a primeira entre os pobres, a comandante dos humildes, mestra dos continentes, abadessa dos penitentes. Governou com solicitude e prudência no temor do senhor; Vigilante no cuidado, esforçada no serviço, atenta na exortação; diligente para admoestar; prestimosa para se compadecer; discreta para se calar, madura no silêncio; Sua vida era instrução e doutrina para as outras. (BulC 10)

Regra:

Visitava e exortava suas irmãs, não como uma abadessa que manda de cima, mas ela exortava com, falava como mãe se dirigia às filhas.  Era servidora das Irmãs (RSC 10,1-5)

– Exortava às irmãs para se guardarem de toda soberba, vanglória, inveja, avareza, cuidado e solicitude deste mundo, da detração e da murmuração. Pedia que as irmãs fossem solícitas em conservar, uma com as outras, a unidade do amor mútuo (RSC 10, 6-7)

Mãe para as Irmãs: Amava não só as almas de suas irmãs, mas também seus corpos; cobria as irmãs que dormiam; misericordiosa com as necessitadas; ajoelhava-se aos pés das que sofriam para aliviá-las com carinho materno (LSC 38); lavava os pés das irmãs que voltavam cansadas depois de pedir esmolas;

Clara era formadora: As irmãs acolhiam o carinho afetuoso da mãe; respeitavam na mestra o cargo de governo; acompanhavam o procedimento correto da formadora; admiravam na esposa de Deus a prerrogativa de uma santidade tão completa (LSC 38 c).

– Perdão: Não se irritar e nem se perturbar pelo pecado de alguém, porque a ira e a perturbação impedem a caridade em si e nos outros … perdoar generosamente sua irmã por toda a ofensa que lhe tenha feito” (RSC 9,S-10) .

Admoestava: Tagarelice a evitar: “Não trazer boatos do mundo para dentro do mosteiro” (RSC 9, lS).

Partilha fraterna e comunitária: “Não reter nada para si … e se ganhar algo, e perceber que outra necessite mais, “que o dê com caridade à irmã que precise” (RSC 8,8ss)

Respeito: Trazia do fogo do altar do Senhor palavras ardentes que acendiam também os corações das irmãs …. Em seu convento não havia lugar para a tibieza, nem desídia, pois a preguiça era atacada por forte estímulo para orar e servir o Senhor (LSC 20).

Poderíamos pegar muitos e muitos testemunhos onde as próprias irmãs dizem: Clara não foi apenas um nome próprio. Clara era acima de tudo Palavra. Por isso a bula de canonização vai dizer: “Ó admirável clareza da vem aventurada Clara …. Brilhou no século e resplandeceu na religião. Em casa foi luminosa como um raio, no claustro teve o clarão de um relâmpago. Brilhou na vida, irradia depois da morte. Foi clara na terra e reluz no céu” (BC 8-10).

Frei Fidêncio Vanboemmel

São Paulo, Convento São Francisco  (09 de agosto)

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