São Francisco de Assis, um pobre que canta
Frei Almir Guimarães
Senhor,
quando tivermos a tentação
de sermos donos e senhores de nós mesmos,
quando pensarmos sermos proprietários da verdade,
ensina-nos que somos pobres,
profundamente pobres,
mas pobres que cantam
porque tudo recebemos de tuas mãos:
a vida, o pão e o leite,
os companheiros de viagem, a coragem de viver,
o Evangelho de teu Filho.
Somos pobres: cantamos de alegria. Amém.
Num de seus livros, Michel Hubaut, OFM, no momento em que escreve sobre a pobreza de Francisco, intitula o capítulo com estas belas palavras: Um pobre que canta. O pobre é alguém livre que pode abrir os braços e cantar, que vive nas mãos de Deus, desse Deus que cuida da veste dos lírios e da roupagem sedosa dos pássaros. Nunca é demais refletir sobre esta característica tão importante da vida segundo o Evangelho que Francisco escolheu, a dama pobreza.
O Poverello não é um teórico. Desde que o Cristo de São Damião como que incendiou seu coração passou ele a ter uma compreensão profunda da Encarnação. Jesus é um peregrino, não tem pedra para reclinar a cabeça. Morre como um pobre, desprezado, crucificado, abandonado. Deus escolhe o não-poder, não hesita em tomar a condição de servo para enriquecer o homem. Nunca haver-se-á de banalizar a encarnação. “Esta é a fonte fundamental de seu amor pela pobreza e a maneira como concebe sua missão e a de seus irmãos. Anunciar o Evangelho não é em primeiro lugar pregar uma doutrina, mas participar de um movimento permanente do Amor que se encarna para libertar os homens, que se faz “pequeno” para fazer com que o homem cresça. Ele se humaniza para divinizar o homem” (Chemins d’intériorité avec saint François, Ed. Franciscaines, p. 183-184).
Ser pobre é, antes de tudo, reconhecer que não somos proprietários de nada, que tudo nos é oferecido liberalmente, tudo nos é dado para o uso no tempo da peregrinação e não para um usufruir definitivo. Agora somos andarilhos. O que vive pobremente tem a certeza da Presença de Deus como seu sustento. Tudo nos é dado de empréstimo e para ser partilhado.
Uma reflexão de Bernard Forthomme aponta na direção de afirmar que ser pobre é reencontrar a raiz paradisíaca, o principio do júbilo, a proximidade e intimidade com Deus. O homem estava nu antes e com o passar do tempo cobre-se de hábitos, vestes, ações, de bens e de ações. Palavras literais de Bernard: “A nudez significa esta simplicidade que nos torna objeto de uma visita de Deus em pessoa, inclusive na forma de Cristo na nudez de uma criança que nasce e de um supliciado a morrer no alto da cruz. Nudez, pobreza. Francisco, o pobre, vai querer morrer nu na terra nua. A nudez nas mãos de Deus não provoca vergonha. Os que estão “nus” diante de Deus são os pobres que não necessitam se esconder quando o Senhor passeia pelo paraíso no fim da tarde.
Ser pobre é reconhecer em todas as partes a marca do Criador e do Salvador, sem viver na angústia da falta e da perda. A própria morte não é uma inimiga, mas como uma irmã, porque nem a própria vida é propriedade minha. Trata-se de insigne bem que experimento como sendo uma benção, sem ser proprietário. Não terei inveja dos que parecem gozar de melhor saúde, ter mais cultura, inteligência mais arguta. O tempo de viver é sempre tempo de louvar aquele que me dispensa tais dons. Esta experiência paradisíaca faz a alegria, o canto de Francisco. Forthomme literalmente escreve que assim se explica “a importância da poesia, do canto e da teologia musical em Francisco”.
O pobre não recebe herança alguma a não ser os elementos do cosmos (a luz da lua e do sol, o fogo, a chuva, os ventos, a pedra, a terra) e os dons da graça. Não há garantia para o futuro e por isso é preciso trabalhar e trabalhar com as próprias mãos como fazia Francisco. Bernardo de Claraval já havia insistido no trabalho. Os pobres da era dos medicantes não dispunham da segurança dos mosteiros, mas do trabalho de suas mãos para viver e não com o propósito de acumular dinheiro e bens. Quando não há o que comer o frade menor se torna pedinte, como os frades pediam a comida para as irmãs pobres de São Damião. Os que não têm o que comer recorrem à mesa do Senhor.
Obs.: Os textos de Bernard Forthomme que inspiraram estavam em cópias sem indicação da fonte.