Carisma - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Sensibilidade e ternura na carta de Francisco a Frei Leão

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Irmão Leão, teu irmão Francisco te envia saúde e paz. Estou a falar-te, meu filho, como faria uma mãe. Toda conversa que tivemos no caminho a resumo aqui numa palavra de decisão e conselho. E, se depois te for preciso vir a mim, a tomar conselho, eis o que te recomendo:
Do modo que melhor te parecer agradar ao Senhor Deus, e seguir seus passos e sua pobreza, assim farás com a bênção do Senhor Deus e a minha obediência.

E se, por motivo de tua alma ou de outra tua consolação, precisares e quiseres vir ter comigo, ó Leão, vem.

• Estamos diante de um pequena maravilha. Este escrito é conhecido como a sétima carta redigida por São Francisco, simplesmente como Carta a Frei Leão e distinta de outro escrito chamado de Bilhete e Bênção a Frei Leão.

• O manuscrito que contém esta Carta é conservado na Catedral de Espoleto e muito provavelmente foi escrito pelo próprio punho de Francisco. Tudo indica que o Poverello estava separado de seus primeiros companheiros. Assim, o escrito pode ser situado em torno de 1220. Trata-se de uma carta que concede um privilégio e é marcada por ternura e sensibilidade. Há um tom carismático em suas linhas. Uma autora diz que lhe fosse pedido que levasse um escrito de Francisco para uma ilha deserta hesitar-se-ia talvez entre esta pequena joia e o Cântico do Irmão Sol.

• No que se refere à autenticidade do texto, os especialistas afirmam que o pensamento aí expresso é certamente de Francisco. De outro lado, a carta é escrita num latim incorreto com italianismos. Além disso uma comparação grafológica com a autografia indubitável da Bênção a Frei Leão mostra que se trata da mesma caligrafia.

• Um relacionamento bem equilibrado entre Francisco e Leão aparece no texto. Leão, a “ovelhinha de Deus”, era, por assim dizer, o preferido. Francisco conferiu-se o direito de estar entre seus preferidos (os da primeira hora). As Considerações sobre os Estigmas, sobretudo a segunda, desenvolverá longamente o relacionamento entre os dois. Tudo leva a crer que apenas Leão era capaz de preservar e proteger a intimidade de Francisco e por isso foi o único a estar perto do encontro chagado e ardente ao mesmo tempo entre Francisco e seu Deus no monte La Verna.

• Desde o começo da Carta há uma distância fraterna entre os dois: “Irmão Leão, teu irmão Francisco te envia saúde e paz”. Francisco não se apropria de Leão precisamente porque o designa de irmão. Coloca-se fraternalmente à disposição de Leão. A fraternidade não significa posse do outro, mas dar ao outro direitos sobre si. Leão, irmão, tem direito de receber exortações e conselhos. A imagem da mãe é que norteia os relacionamentos entre guardião e irmãos e entre os irmãos entre si. De maneira curiosa para um homem, Francisco sempre discorre sobre a fraternidade em termos de maternidade. Vale a pena ler estas duas passagens: “E cada um dos irmãos, segundo a graça que Deus lhe der, ame e sustente a seu irmão, como a mãe ama e alimenta seu filho” (Regra não bulada 9, 11), e: “Os irmãos que quiserem religiosamente viver nos eremitérios, nem menos de três, nem mais de quatro. Dois deles façam o ofício de mães, e tratem o outro ou os outros dois como se foram seus filhos” (Regra para os eremitérios, 1). Desde a primeira frase, na Carta a Leão, Francisco diz: “Estou a falar-te, meu filho, como o faria uma mãe”.

• Os dois haviam trocado ideias pelo caminho. Esse que fala como uma mãe deve ter abordado assuntos de delicadezas do coração. De que falaram? Propostas de maior seguimento de Jesus? Não se sabe. Mas Leão pode vir a Francisco para se aconselhar. Sempre será para agradar a Deus e melhor seguir seus passos. Talvez o teor da conversa fosse como agradar a Deus e melhor seguir a Jesus. Lá a questão de sempre: como seguir os passos de Jesus e sua pobreza.

• Talvez ele tenha vindo depois a Francisco, já que as portas estavam abertas, para pedir que lhe desse um escrito num pedaço de não sei o que. Mais tarde ele ganhou o pergaminho com os Louvores de Deus e famoso tau. “Tal como Blaise Pascal que conservou em seu corpo um papel amarelado pelo tempo e pela transpiração que continha a lembrança da noite de fogo de sua conversão, Leão apreciava os sinais concretos da benevolência de seu irmão e pai. A concretização do desejo de Leão tornou-se com carne” (Claude-Madeleine Oudot).

• O mais emocionante se encontra no final: “Vem”. Uma mãe sabe muito bem que uma carta, por mais afetuosa que seja, não substitui o contacto caloroso. É esta a proposta de Francisco: “E se, por motivo de tua alma ou de outra tu consolação, precisares e quiseres vir ter comigo, ó Leão, vem”. Há necessidades da alma que reconciliam desejo e vontade, e necessidades de reconforto que pedem transgressão e expressam urgência.

• “Vem, irmão, se quiseres”.

Nota: Estas páginas foram inspiradas em “La lettre à frère Léon”, de Claude Madeleine Oudot, Évangile Aujourd’hui, n. 210, p. 47-49

FREI ALMIR GUIMARÃES

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