Carta aberta às Irmãs de Santa Clara
Clara, sublime invenção do Deus Altíssimo
Bem, queridas irmãs pobres de Santa Clara, Paz e todos os bens!
Quem lhes escreve é um frade menor já com mais de cinquenta anos de profissão. Não posso esconder minha satisfação e meu júbilo em dirigir-lhes umas palavras pela passagem da festa dos oitocentos do carisma de nossa irmã Clara. Insisto no possessivo nossa… Constituímos uma só família, que conta com mais de oitocentos anos. Vocês nasceram antes de nós. Quando Francisco refazia São Damião, ele dizia, vocês sabem muito bem, que ali iriam viver mulher que enfeitariam o mundo e a Igreja… com sua bela vida. Naquele tempo, Francisco não tinha ainda irmãos… Nossas histórias e nossos destinos são entrelaçados desde os começos. Nos sonhos de nosso Pai comum, vocês nasceram antes.
Experimento alegria de poder ter conhecido Clara a partir da década de oitenta. Pena que nossos mestres do passado não tenham tido a graça de conhecer esta admirável mulher, essa sublime invenção do Deus Altíssimo. Assim, para mim Clara não é uma santa a mais. Sinto-me hoje vinculado a ela como quero estar ligado a Francisco. Nunca podemos nos esquecer que, depois da morte de Francisco, Clara conservou durante anos o autêntico perfume que Francisco havia derramado na terra. Ela tomou distância de querelas e, no relicário de seu coração, conservou o presente que Deus deu ao mundo em nosso caro e forte Francesco. A leitura das cartas, de biografias sólidas, a visita aos espaços de São Damião fazem com que frequentemos espaços do coração, tempos de uma história que está vinculada à nossa história.
Vivemos na Igreja e na vida consagrada um delicadíssimo momento de transição. Não é aqui o lugar de abordar tema tão delicado. Tenho certeza que vocês, nos espaços exíguos em que vivem, quem sabe com algumas dificuldades, são mulheres plenamente convencidas de estarem vivendo uma inteireza de entrega ao Fascinante. Vocês sabem muito bem que o papel dos consagrados e das consagradas vai bem além da rentabilidade pastoral. Vocês oferecem à Igreja uma contribuição única, sobretudo vocês clarissas contemplativas: com modéstia e humildade, vocês dão à Igreja local a alegria serena de uma vida em que Deus basta. Vocês, prezadas clarissas, precisam mostrar ao mundo uma humanidade reconciliada e em paz. Os mosteiros das clarissas, na simplicidade e aparente insignificância, são luzeiros que orientam os viandantes…
Sei que vocês com sua vida sustentam os membros frágeis da Igreja. Creio que sua intimidade com o Senhor, que essas horas passadas diante do Senhor no ardor e na secura, no gozo e na aridez, chegam até o coração do Senhor e voltam em forma de coragem para os bispos tomarem decisões ousadas, para que os sacerdotes, mesmo com os tempos desafiantes e desafiadores, sejam outros Cristo, pastores indômitos e não simples administradores, que celebrem na piedade e na pureza total os mistérios do Cristo pobre e ressuscitado. Queria que vocês colocassem duas intenções especiais: os pais e esposos, fragilizados por não serem discípulos de Cristo e os agentes de pastoral, que perplexos ou talvez sem senso crítico, não preparam como João Batista os caminhos do Senhor. Essas pessoas são “membros frágeis”. As suas preces precisam sustentar essas causas. Precisam elas, com a força de vocês, acelerar a obra de recriação que o Espírito anda pedindo, recriação do casamento e da família, recriação de um pastoral do pastor que vê as ovelhas errando…
Penso que junto de seu mosteiros, à sombra da vida admiravelmente bela que vivem, deveriam haver espaços de crescimento dos fiéis na oração. Auxiliadas por leigos maduros, muitas de vocês, irmãs, poderiam fazer exposições sobre os temas clarianos, franciscanos e de modo particular levar as pessoas desejosas de crescimento espiritual a descobrirem a oração contemplativa e a beleza da Liturgia das Horas. Os mosteiros das irmãs necessariamente precisam ser “missionários” mesmo dentro da clausura.
Em tudo o que leio sobre nossa Clara há, entre tantos aspectos, um que me encanta: sua vida de oração, as reflexões que ela dirige a Inês de Praga, seu exemplo de intimidade com o Senhor. Espero que em suas casas, no silêncio e talvez do cansaço, na Liturgia das Horas sempre bela, com cantos lindos, com pausas silenciosas, com mística, vocês possam fazer profundíssimas experiências de contemplação, que se sintam arrastadas para o Esposo. Como frades menores, precisamos dessa qualidade de oração contemplativa e mística. Nunca, queridas irmãs, nivelem por baixo. Elevem-se e, por favor, nos elevem nesse movimento de Clara, nossa irmã. Gostaria de obter por intermédio de Clara a graça de uma paixão pelo Cristo pobre… e este é o desejo dos frades. Pela sua oração, pelo seu testemunho de vida vocês têm a obrigação de nos ajudar…
Muitos de seus mosteiros contam com poucas vocações novas. Nós também, aliás. Não se trata, vocês sabem melhor do que eu, de colocar propaganda na internet ou de fazer muito alarido. Vocês e nós frades, sabemos que é questão de voltar ao primeiro amor, de reavivar as brasas meio apagadas, mas, sobretudo, ou com isso, ter a audácia de inventar o novo, sem perder o essencial: o novo na oração, o novo da tentativa de nos abeirarmos de um mundo indiferente, o novo de dar aos nossos irmãos e nossas irmãs oportunidades de fazer eclodir talentos que Deus a eles deu para que pudessem reavivar o carisma de Francisco e o carisma de Clara.
Não podemos viver separados. Somos membros de uma mesma família. Vocês necessitam de nossa presença de frades que as estimulem. Somos, em suas vidas, a lembrança de Francisco. Nós precisamos da delicadeza feminina de vocês, desse ar de esposas de Cristo que por vezes vejo nos rostos das irmãs.
Gostaria de terminar estas linhas que escrevo com o coração para vocês, admiráveis mulheres e minhas irmãs, com um texto de um confrade francês que aprendi a admirar em seus escritos Michel Hubaut, prefaciando um saboroso livro escrito por uma clarissa, como se ela fossa Clara (Claire Pascal Jeannet, Sainte Claire d’Assise): “Hoje como ontem, as irmãs de Clara optam por um vida de sobriedade. Sem dúvida, muitas contam com um pequeno jardim (ou espaço de terra) que lhes possibilitem colher alguns legumes e ter um cantinho de silêncio para o gênero de vida das irmãs. Quero testemunhar que em todos os cantos, à mesa, no mobiliário das casas, ou nos locais comunitários a simplicidade é sempre honrada. Quantas vezes em minhas visitas à sóbria beleza de seus mosteiros floridos me passaram a impressão de serem “terras de paz”. Essa graça franciscana de fazer com que a criação cante não deve fazer com que as irmãos vivam vida artificial. Por que a pobreza evangélica tem que ser feia? O próprio Francisco não recomendava ao frade hortelão que reservassem um espaço para as flores que sempre lembram a magnificência e a gratuidade de seu Criador.”
Sim, sinto falta de beleza. Nossas casas, nossas ruas, os muros e as paredes, os grafites hediondos… tudo feio… nossas capelas internas com imagens sem beleza, flores de plástico aqui e ali… por vezes uma amontoado de imagens… Sonho com espaços simples e bonitos, refeitório, capela, corredores… Nada de luxo, tudo feito de beleza simples… com flores, se possível com flores e plantas… Beleza simples, sem pompa na recitação dos salmos, silêncio denso após as leitura, entre um salmo e outro, beleza na velas que ardem ao lado do altar… mas, sobretudo, beleza da vida de vocês, filhas da luminosa Clara e que espargem luminosidade com suas vidas.
Sinto-me feliz em abraçar a todas por esta ocasião. Faço em meu nome pessoal e em nome de tantos textos e reflexões que fiz com vocês nesse site. Como o estudo desses textos me ajudaram! Sinto-me, hoje, mais do que nunca, contente em ser clariano e clariano.
Clara foi uma prodigiosa e encantadora invenção de Deus para enfeitar a terra dos homens.
Somos irmãos e irmãs de um mesmo destino,
Frei Almir Ribeiro Guimarães