A utopia da Fraternidade
Frei Almir Guimarães
1. Espalhados pela face da terra estão os humanos. Cada um deles é um poço de desejos e uma urdidura de sonhos. Há, é verdade, os que, devido à crueza da vida, atravessam o tempo de existir sem conseguir pensar, embrutecidos, comendo, cantando, dormindo, inconscientemente, vivendo as coisas sem vivê-las. Há, com efeito, os que vivem sem viver. Lá no fundo, lá onde começa o ser gente de cada um de nós, há um sonho: viver, sem romantismo ingênuo, a utopia da fraternidade, nos encontros e desencontros, no interior de um grupo pequeno, ou então desfraldando em praças públicas a bandeira da justiça e da paz, com coragem, responsabilidade e coerência, sem busca de irritantes protagonismos de toda sorte.
2. Cristãos que somos nunca sai de nossas cabeças aquela observação feita a respeito dos primeiros cristãos: “Vede como eles se amam!” A primeira e fundamental pregação da Boa Nova passa pela “amostra grátis” de pessoas que são capazes de viver pensando nos outros, vivendo com os outros, dando a vida pelos outros. Congar dizia que a comunidade religiosa dos consagrados constitui uma parábola do reino. Apesar de todas as dificuldades não desistimos. Há em nosso interior e no interior daqueles que vivem à nossa volta Abel e Caim. Por vezes somos esse Caim que se desinteressa pelo irmão. Perdemos a coragem de olhar nos olhos de Deus quem nos cerca aqui e ali. As correntes de vento, o mundo de nossos dias foi se tornando uma terra de relacionamentos quentes quando esses massageiam e satisfazem nosso ego. Respiramos, por aí, o ar do indiferentismo. Há belos discursos sobre fraternidade, mas poucas vezes chegamos perto de alguém com esta simples pergunta: “Como vai você? Que caminhos anda percorrendo? Sente-se aqui e vamos conversar! Posso ajudá-lo a dar um passo à frente? Quais são as feridas que posso ajudar a cicatrizar antes de que seja tarde”. Não precisamos insistir na problemática anti-fraternidade: violência, indiferença, individualismo, busca doida de seus interesses, do lucro, do prestígios, de cargos e os irmãos da vida ficam jogados à beira do caminho esperando que Deus mande outros Vicente de Paulo ou Teresa de Calcutá para recolher os moribundos caídos à beira do caminho. Há casais que não precisavam serem desfeitos, há padres que podiam continuar sacerdotes se tivessem tido a experiências profunda da fraternidade. Culpa dos que não quiseram buscar fraternidade. Culpa daqueles que preocupados demais com o êxito de suas tarefas deixaram os outros de lado.
3. Nada de romantismo. Nada de fraternidades idílicas. Nada de ninho quente. Nada de grupamento de “sócios”. “A fraternidade supõe homens e mulheres que dão e recebem. Se num casal, numa comunidade, numa vida coletiva local, nacional ou internacional são sempre os mesmo que dão e os mesmo que recebem não há fraternidade. O paternalismo gera sempre seres infantis ou assistidos. Francisco percebeu a alta complexidades dos relacionamentos humanos. Estes serão criativos na medida que as trocas são respeitosas, onde existe reciprocidade e confiança. Assim cresce uma fraternidade sadia” (Michel Hubaut).
4. O antigo Itinerário Franciscano (publicado pelo Cefepal e Vozes estampava:
• O acolhimento consistirá mais em ouvir do que em falar. Saberemos descobrir e admirar o bem que Deus diz e realiza em nossos irmãos e, por eles, vivendo simplesmente nossa vida fraterna, sem nos preocupar demais em edificar e influir.
• A simplicidade de coração pedida pelo Senhor, e que responde às exigências naturais de justiça, de lealdade e de caridade, excluem todo calculo, toda hipocrisia e dissimulação. Ela supõe o culto da verdade em nossas relações humanas, a equidade conosco mesmo e com os outros.
5. Nossas casas franciscanas são espaço de mútuo e alegre serviço. Evidente que não se trata de um ficar roçando no outro, mas de cultivar um amor maduro. Algumas manifestações de serviço: – O Manual para Assistência da OFS diz:
• Bom exemplo – “O bom exemplo está sempre em conexão e dependência da metanoia, que pede a transformação de si mesmo, reagindo contra as próprias paixões e más inclinações. A vida fraterna não se constrói com discursos, nem é fruto de uma apologia da fraternidade. Fundamenta-se no exemplo de quem está disposto ao sacrifício; de quem supera a relutância da própria natureza em realizar atividades que comportem renúncia, esforço e sofrimento; de quem não se deixa desencorajar pela oposição de uma mediocridade para a qual o “bom exemplo” é censurável. A vida fraterna é resultado de um testemunho humilde e simples e depende da disponibilidade pessoal de morrer como o grão de trigo; é a protelação, nunca definitivamente atingida, de um constante heroísmo cotidiano.
• Serviço do diálogo – O diálogo não é uma conversa banal, exibicionismo dialético, nem mera troca de opiniões. É atitude interior, modo como a pessoa se coloca diante dos outros, caracterizado pelo desejo de compreender e fazer-se compreender para chegar à mutua aceitação na caridade e, se possível, do encontro na verdade.
• Serviço da confiança e estima – Sem essas qualidades não há fraternismo. Elas devem brotar do valor do irmão. Pensar no outro como “sacramentum Christi”.
• Serviço da confidência – O serviço fraterno fundamenta-se na consciência da recíproca dependência, da mútua necessidade e da superação da autossuficiência individualista. Para tanto, se faz necessário confidenciar as próprias experiências e necessidades.
6. A vida fraterna se realiza quando deixamos de ser indivíduos e passamos a ser pessoas, ou seja, quando se entra em relação, porque a pessoa nasce e se desenvolve nos relacionamentos, na consciência do próprio valor e do valor dos outros, na reciprocidade do dar e receber, no ter cuidados e no confiar-se, na partilha e na gratidão.
7. Ainda uma palavra do Itinerário Franciscano: “Nossa fraternidade não se fechando em si mesma, prefigura e anuncia, apesar de nossas fraquezas, o dia em que o Povo de Deus, reunido na Unidade, será por Cristo, apresentado ao Pai”.