Carisma - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

800 anos do Carisma Clariano

Por Frei Vitório Mazzuco

Até inícios do século XX, a vida de Santa Clara era conhecida somente através de biografias cheias de devoção e baseadas em sua Legenda e em certos contos fantásticos. A vida de pessoas santas, sobretudo, aquelas que vêm do mundo medieval, não podem fugir da força legendária, uma narração feita unicamente para a edificação do espírito. Aos poucos, Clara de Assis vai revelando sua atraente vida, sua clara espiritualidade e mística, obra e escritos, sobretudo a partir destas ocasiões celebrativas:

1. Até 1912 o conhecimento de Clara estava mais no espaço fecundo dos Mosteiros e nas 21 mil Clarissas espalhadas pelo mundo todo. Neste ano de 1912, temos os 700 anos da VOCAÇÃO DE CLARA e da FUNDAÇÃO DAS CLARISSAS. Nascem aí estudos aprofundados, crescem as pesquisas e investigações. Lazzeri, entre os anos 1919 e 1920, descobre e publica o PROCESSO DE CANONIZAÇÃO.

2. Em 1953, temos os 700 anos da MORTE DE SANTA CLARA. Surgem as publicações das CARTAS DE SANTA CLARA PARA INÊS DE PRAGA, que passam a ser um marco para a Espiritualidade pessoal de Clara.

3. Em 1965, o Concílio Vaticano II faz a grande convocação para a VOLTA DAS ORIGENS. Conhecer os fundadores e fundadoras, seus Carismas específicos, escritos, biografias, literatura, enfim as FONTES, para colher desta riqueza a autenticidade e o ideal como base da renovação das famílias religiosas. O Franciscanismo na sua vertente Clariana descobre, com este impulso dado pelo Concílio, uma verdadeira e própria espiritualidade.

4. Em 2003, celebramos os 750 anos da MORTE DE SANTA CLARA. Vieram com isto publicações de muitos livros, artigos e muita divulgação da Legenda de Santa Clara.

5. De 2009 a 2012: 800 ANOS DA VOCAÇÃO DE CLARA! Estamos em pleno Tríduo deste grande JUBILEU e este é o motivo dos textos que apresento aos poucos neste blog. O Carisma Franciscano precisa da presença e inspiração de Santa Clara de Assis. Então comecemos a conhecê-la, amá-la e bem pensá-la em nosso coração: No dia 18 de Março de 1212, Clara de Assis sai de sua casa e vai para a igreja de Santa Maria dos Anjos, a Porciúncula, encontrar-se com Francisco de Assis.

De modo que estamos numa caminhada jubilar, para celebrar em 2012 este encontro que marca para sempre a história da Ordem. É um momento privilegiado para, mais uma vez, redescobrir Santa Clara, a mãe, esposa e irmã de toda família franciscana. É muito comovente o reencontro com a mãe! A partir de então, a Ordem tem uma faceta feminina. Clara traz o brilho da personalidade e a força de seu carisma pessoal. Tem a mesma escolha de Francisco: o Evangelho. O que a move é o Amor a Jesus, Pobre e Crucificado. O Deus humilde, simples, despojado. A grandeza de um Deus que se fez servo. Ela também quer ser assim, de grande dama da sociedade assisiense, ser serva e irmã de inumeráveis irmãs. Quando o Amor é grande demais não dá para ser sozinha: arrasta consigo uma família de Irmãs que, assim como Clara, ganha juventude através dos séculos.

Com certeza, podemos dizer que, sem Clara, a experiência de Francisco não seria completa. Ela é uma testemunha excepcional da busca radical da vivência do Evangelho que abalou Assis a partir destes seus dois jovens cidadãos. Entre Francisco e Clara está um protótipo de um ideal, um modelo pleno de humano, uma conversão que mistura radicalidade e ternura, espírito e afeto. Escreve Caetano Esser, um dos grandes estudiosos do Franciscanismo: “Clara seguiu de perto São Francisco na sua nova vida e nas vivências do início da Ordem. Dele assimilou profundamente o Espírito, conservando em si o estado mais puro deste Espírito. O seu testemunho é digno da mais alta consideração” (Origem e Valores Autênticos da Ordem, Milão,1972).

Voltemos ao ponto nº 1 desta série de reflexões, onde situamos os fortes momentos celebrativos da presença de Clara de Assis no mundo. Estamos no Grande Jubileu e, por isso, toda a família franciscana espalhada em todos os cantos da terra e, sobretudo, as Irmãs Clarissas comemoram os 800 anos da Vocação de Santa Clara. Vamos apresentar as linhas mestras deste Grande Jubileu, que serão a base de futuras reflexões aqui neste blog.

6. 1212 – 2012: 800 ANOS DA VOCAÇÃO DE SANTA CLARA. Todo Jubileu, bem preparado e fortemente vivido, torna-se um privilegiado tempo de vivência espiritual. A história de uma alma santa nos santifica. Comemorações externas provocam festas dentro de nós. Detalhes de uma vida santa molda em nós um encantamento único pelo Carisma, pela vida das Clarissas, um aprofundamento na vida, história e presença das três Ordens, interiorização, novos textos, novos livros, artigos, preces, canções e liturgias. Afloram os dons das Irmãs de ontem e de hoje, há uma imensa partilha fraterna em toda a Família Franciscana e Clariana. Com quais conteúdos o Grande Jubileu está sendo celebrado? Vejamos:

2009 – A VOCAÇÃO – Identidade e Relação com a Primeira Ordem. Redescoberta das Fontes.

2010 – A CONTEMPLAÇÃO – Vida Espiritual e Vida em Cristo. Escuta, Silêncio, Conversão.

2011- EM ALTÍSSIMA POBREZA – Pobreza, Minoridade, Despojamento, Restituição.

2012- A SANTA UNIDADE

Como é bom celebrar e ter o que celebrar! Este Grande Jubileu é um reencantamento do Carisma, é, mais uma vez, apresentar ao mundo a Identidade das Clarissas, revelar o seu Projeto Pessoal e Comunitário.

Quantos estudos, reflexões, retiros todos focados na fontal espiritualidade de Clara e Francisco. Um jubileu traz a Palavra de Deus nas Escrituras, na Teologia, na Eclesiologia, no Franciscanismo, e como isto é importante para a Espiritualidade geral!

Pessoas são convidadas, há solenes e simples momentos de memória, partilha e celebração, há leituras de textos fontais, a Regra e o Testamento são revisitados, os Escritos e Preces de Clara são alvos de fecundas releituras. Isto dá brilho às escolhas, aos Votos e à vida fraterna. O povo vem, benfeitores são convidados, a Folhinha do Sagrado Coração de Jesus registra em suas míticas pagelas, as paróquias anunciam, os encontros acontecem, novos documentos surgem, preces e poesias; a federação de Mosteiros vibra e se organiza, a Família Franciscana faz documentos, subsídios e Jornadas. O Serviço de Animação Vocacional fala de Clara, boletins e blogs, sites, internet e assessorias, enfim os meios de comunicação social publicam e, assim, Santa Clara, cada vez mais é conhecida.

Uma data move a criatividade de todos e a consciência. Há 800 anos Clara saiu de sua casa paterna, encontrou-se com Francisco em Santa Maria dos Anjos e ficou para sempre em nossa lembrança. Hoje, Clara não é só das Clarissas; é a Clara da Televisão, Clara do tempo bom, Clara das Congregações Femininas, Clara do Ramo de Oliveira, Clara dos Filmes, Clara dos Musicais, Clara dos Centros de estudos de Franciscanismo, Clara do Frei José Carlos Pedroso, Clara em muitas obras, Clara em muitos nomes de mulheres, Clara nas Cartas dos Ministros Gerais, Clara no samba de Jorge Benjor, Clara nos Cds e nas Cantatas, Clara em vídeo, Clara encarnada em cada Irmã Clarissa espalhada nos silenciosos e alegres Mosteiros, Clara como a Luz! Que beleza de Jubileu é este!

A VOCAÇÃO

O jubileu de Clara de Assis começou a ser preparado em 2009 com o tema: A VOCAÇÃO. Como podemos refletir sobre a vocação de Clara de Assis? Há certo momento da vida que uma convocação bate na alma e a pessoa começa um processo de mudança de pensar, mudança de jeito e de lugar. Não dá para permanecer o mesmo quando uma inspiração começa a tomar conta. Mesmo num contexto diferente de Francisco de Assis, Clara de Assis fez um itinerário espiritual de penitente. Percorrer um verdadeiro caminho penitencial significa mudar de lugar. Clara sai do palácio e vai ao mosteiro. Sai do brilho da nobreza e vai para a transparente simplicidade da pobreza. Sai das etiquetas da nobreza e abraça uma Regra de Vida com forte expressão do Evangelho. Sai da vontade da família biológica e acolhe os desígnios de Deus que a envia a uma família espiritual de Irmãs. Do convívio com Damas Nobres vai ser a mãe e irmã espiritual de Damas Pobres.

A vocação de Clara é conversão, isto é, deixar-se moldar por Deus numa mudança radical dos rumos de sua vida. Ela passa a ser uma mediação humana do projeto divino. Sempre a mediação passa por algo ou alguém. Francisco passou pelos leprosos para chegar até Deus; Clara passou por Francisco para chegar ao Evangelho vivido em seu modo mais límpido.

“Depois que o Altíssimo Pai celestial, por sua misericórdia e
graça, se dignou iluminar meu coração para fazer penitência
segundo o exemplo e ensino de nosso bem-aventurado pai
Francisco, pouco depois de sua conversão, com algumas
Irmãs que Deus me dera logo após a minha conversão, eu lhe
prometi obediência voluntariamente, como o Senhor nos
concedera pela luz de sua graça através da vida admirável e
do ensinamento dele”. (Testamento de Clara 24.25)

Clara não tem um rompimento com seu passado, mas sublima sua vida anterior. Não é uma vida de pecado, como de muitos convertidos, mas sim uma vida sadia vivida na infância e adolescência, na juventude e nos cuidados de uma família que sempre a quis bem nascida e bem educada nos mais nobres costumes da corte. Ela não precisou libertar-se das vaidades do mundo, pois já era livre em dividir em obras de caridade e atendimento aos necessitados os bens que possuía, e ser serva entre as servas. Não há vaidade para quem exercita caridade. Vocação é fazer valer o coração e direcionar o centro dos sentimentos para algo maior.

Vocação é ter encontros com modelos vivos. Clara encontrou-se algumas vezes com Francisco de um modo discreto e secreto. Vocação tem este jeito de não fazer barulho; deixar tudo crescer quietinho antes que a opção apareça bem nítida. Depois sim, quanto tudo está evidente começar a dizer. Os dois descobriram que vocação é abrir o coração para um amor sem reservas. Vocação é atração. O que atraiu Clara? O Amado! O mesmo Amado de Francisco, o Deus de Nosso Senhor Jesus Cristo! Francisco apenas mostrou para ela que o Amado é real, próximo, pobre e simples. Ele mostrou para ela que o Amado se fez carne no despojamento total da Senhora Dama Pobreza. Ela revelou para ele que o Amado é o Espelho, reflexo da Beleza Maior. Os dois viveram um cristianismo de sedução, de encantamento, de seguimento apaixonado. Assim como para Francisco, também não foi fácil para Clara os passos da ruptura; foram passos decididos e corajosos. A atração foi tão grande que foi um pulo: fugir de casa, arriscar a reputação, abalar a família e a cidade de Assis, e criar um novo modo de viver uma clausura plena da liberdade e realização de quem ama. Escreveu até uma carta à princesa amiga e santa, Inês de Praga , dizendo assim:

“Que troca maior e mais louvável: deixar as coisas
temporais pelas eternas, merecer os bens celestes
em vez dos terrestres, e possuir a vida feliz para
sempre! ” ( 1CtIn 30 )

Vocação é perceber que a convocação é divina inspiração, é preciosa predileção, é acolhimento que vai purificando e guiando a escolha. Mudar de lugar é real para Clara: de seu palácio para a Porciúncula; dali até as beneditinas de Bastia, uma hospedaria de aconchego e proteção; dizer para o tio Monaldo e seus cavaleiros que não voltará mais para a casa, pois agora é uma mulher devotada; depois a vida simples em Santo Ângelo de Panzo. Atrair e reunir a irmã Inês, uma amiga de juventude, o incentivo dos frades, o primo Rufino, que também foi seguir o Evangelho; as preces do pai Francisco, a irmã Beatriz, a mãe Hortolana, as outras Irmãs…e estava aberto o definitivo caminho de São Damião. Enfim chegou aos pés do expressivo Amado, grudado no Amor e na Cruz. Ali Clara cuidou para sempre do lugar da inspiração, o lugar da Vocação, abraçou o Cristo Pobre como uma fecunda virgem pobre.

Em São Damião o recolhimento, o silêncio, a prece, a convivência, o discernimento, a luz para sua nova Ordem e a Ordem dos Mendicantes. Um encontro entre a ação e a contemplação só podia dar conversas de fogo a incendiar a ceia no bosque. O futuro das duas Ordens depende da direção espiritual segura do pai Francisco e do ardente e apaixonado amor da mãe Clara. O futuro das Ordens está na junção da missão e da oração, e nos corações abrasados de tanto amor!

Em São Damião uma vida elevada na Transcendência tem a austeridade na imanência. Não é apenas o escondimento no claustro, mas a imersão no útero de um novo nascimento. Nascer para o um novo Amor, nascer para a Boa Nova, nascer para um novo modo de fazer o chamado sempre ser escutado e não sair mais do lugar do encantamento.

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