Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Uma espiritualidade cristã em tempos de coronavírus

20/03/2020

 

                                                                                                                                                                Imagem ilustrativa (fonte: Canva)

Pe. Ademir Guedes Azevedo

Sem dúvida estamos vivendo dias difíceis. O pânico põe em risco o autocontrole das emoções. Aos poucos renasce, com novas interfaces, o instinto de sobrevivência darwiniano onde o mais forte e com capacidade de adaptação toma o primeiro lugar. Consequentemente, os idosos e os pobres correm o risco de serem descartados.

Por outro lado, antigas imagens de Deus renascem ao interno da comunidade cristã. Para entendê-las temos que recordar os momentos tristes da história. Na segunda metade do sec. XIV explodiu a Peste Negra (peste bubônica), dizimando um terço da população europeia. Como toda sociedade teocêntrica, acreditava-se que Deus estava revoltado, pregou-se demasiado a ira divina. Para aplacar tal fúria buscaram-se os bodes expiatórios: judeus foram perseguidos e bruxas queimadas. Dizia-se que tudo estava acontecendo porque a gravidade de nossos pecados desagradava a Deus.

Em plena Segunda Guerra Mundial, o ilustre teólogo Dietrich Bonhoeffer deu-se conta que, diante da dor e morte dos inocentes, temos que falar de Deus a partir de uma linguagem não religiosa. Para ele, o vocabulário religioso que insiste numa imagem metafisica de um Deus todo poderoso já não consegue justificar a força do mal na humanidade. Além disso, Bonhoeffer denuncia profeticamente o comportamento de buscar o divino apenas quando tudo vai mal, transformando Deus em um tapa-buraco.

Notemos que a recente epidemia do coronavírus fez explodir uma série de reações religiosas e psicológicas deturpadoras do essencial. Dizia-se que a grande doença do sec. XXI seria a depressão, entendida como a exaustação do próprio eu – o cansaço de si mesmo – ou o infarto psíquico da própria imagem, causado pela corrida frenética de sucesso e bem-estar pessoal. Diante da explosão da epidemia estamos testemunhando, infelizmente, um comportamento de medo em relação ao próximo. Se com a depressão o grande inimigo do homem era a sua própria imagem (o eu), agora com o coronavírus alguns insistem em dizer que o outro é o novo inimigo que devemos evitar. Esse tipo de reação ameaça o valor sagrado da alteridade. No entanto, para sairmos deste labirinto temos que ouvir as autoridades e, sobretudo, as recomendações da OMS que propõe o tempo de quarentena, dando-nos assim a oportunidade de estarmos mais unidos e nutrirmos mais ainda o respeito pela vida do próximo. Aqui reside a verdadeira alteridade.

Do ponto de vista religioso, a situação é ainda mais delicada. Muitos grupos e comunidades intensificam orações, adorações e multiplicam missas. Quero acreditar que tudo isso é realmente para evitar aglomerações, nos apoiarmos mutuamente e aprendermos acerca da solidariedade e da compaixão com o próximo, e não para fazer barganha com Deus. Se jogarmos a culpa em Deus com comentários do tipo: Por que Ele está permitindo isso? Retornaremos aos tempos da peste bubônica e entraremos em campo com a multiplicação de orações para tentarmos aplacar a ira dele. É Justamente isso que devemos refletir a partir de uma ótica que retoma o Evangelho e não a partir de uma tradição medieval.

J. B. Metz, ao ser vítima das barbáries do campo de concentração nazista, levantou a seguinte pergunta: “Ainda é possível crer em Deus depois de Auschwitz?” Para atualizarmos a sua provocação, nestes dias podemos dizer assim: “Como crer em Deus em tempos de coronavírus?”

Pois bem, um antigo rabino, certa vez, afirmou: “É verdade que Deus fala, mas nem sempre Ele responde”. Às vezes, a nossa forma de rezar pretende obrigar a Deus a dar-nos respostas e sinais. Tomados pelo desespero do coronavírus podemos cair na pior de todas as tentações, aquela que tenta a divindade do Pai, ou seja, a exigência da demonstração de seu poder. No deserto, Jesus também foi exposto a isso quando o demônio lhe pedia para transformar as pedras em pães.

Porém, o próprio Jesus nos ensina outra relação com o Pai, a partir de sua fé e obediência absoluta, sobretudo diante das consequências de sua fidelidade ao Reino de Deus. Só o grito de Jesus na cruz pode nos ensinar uma nova espiritualidade libertadora para os nossos dias. O Filho grita e reclama ao Pai de seu abandono. Porém, Deus silencia. No entanto, mesmo que pareça que o Pai abandona o Filho, este por sua vez não abandona jamais ao Pai. Eis aqui a verdadeira fé!

Uma espiritualidade cristã em tempos de coronavírus não exige de Deus nenhum sinal ou a sua proteção, isso para não o tentarmos. O que deveríamos aprender é a fidelidade incondicional a Ele, sobretudo neste momento sombrio de nossa história, como o próprio Jesus que soube perseverar com a sua cruz. Quem se lança nas águas profundas da perseverança aprende que, “quanto mais escura for a noite, mais clara será a madrugada” (Dom Helder Câmara). Que assim seja!


Pe. Ademir Guedes Azevedocp, é missionário passionista e mestre em Teologia Fundamental na Pontifícia Universidade Gregoriana. Atualmente reside em Camaragibe – PE, novo Seminário para a etapa do Postulantado dos Passionistas.

Download Nulled WordPress Themes
Download WordPress Themes
Download WordPress Themes Free
Download Premium WordPress Themes Free
lynda course free download
download redmi firmware
Premium WordPress Themes Download
free online course

Conteúdo Relacionado