Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Trump: uma nova etapa da história?

27/01/2017

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Leonardo Boff (*)

Já há anos se notava, um pouco em todas as partes do mundo, a ascensão de um pensamento conservador e de movimentos que se definiam como de direita. Com isso se sinalizava um tipo de sociedade na qual a ordem prevalecia sobre a liberdade, os valores tradicionais se impunham aos modernos, e a supremacia da autoridade se sobrepunha à liberdade democrática.

Esse fenômeno se deriva de muitos fatores, mas principalmente pela erosão das referências de valor que conferiam coesão a uma sociedade e forneciam um sentido coletivo de convivência. O predomínio da cultura do capital com seu propósito ligado ao individualismo, à acumulação ilimitada de bens materiais e principalmente à competição deixando praticamente parco espaço para a cooperação, contaminou praticamente toda a humanidade, gerando confusão ético-espiritual e perda de sentimento de pertença a uma única humanidade, habitando uma Casa Comum. Emergiu a sociedade líquida, na linguagem de Bauman, na qual nada é sólido, acrescido com o espírito pós-moderno do every thing goes do vale tudo, na medida em que conta é o que realiza um objetivo buscado por cada um, consoante suas preferências.

Estamos, pois, diante de uma profunda crise de civilização. Diluíram-se as estrelas-guias e surgiu seu oposto dialético: a busca de segurança, de ordem, de autoridade, de normas claras e de caminhos bem definidos. Na base do conservadorismo e da direita em política, em ética e em religião se encontra este tipo de percepção das coisas. Ela está a um passo do fascismo como se verificou na Alemanha de Hitler e na Itália de Mussolini.

Na Europa, na América Latina e nos Estados Unidos estas tendências foram ganhando força social e política. No Brasil foi este espírito conservador e direitista que projetou o golpe de classe jurídico-parlamentar que destituíu a presidenta Dilma Rousseff. O que se seguiu foi a implantação de políticas claramente de direita, antipovo, negadoras de direitos sociais e retrogradas em termos culturais.

Mas essa tendência conservadora alcançou sua dimensão mais expressiva na potência central do sistema-mundo: os Estados Unidos, confirmada pela eleição de Donald Trump à presidência daquele país. Aqui, o conservadorismo e a política de direita se mostram sem metáforas e de forma deslavada e até rude como ocorreu na quebra de relação por parte de Tump com o presidente do México que foi grosseiramente humilhado.

Trump, em seus primeiros atos, começou a desmontar as conquistas sociais alcaçadas por Obama. Populismo, nacionalismo, patriotismo, conservadorismo, isolacionismo são suas características mais claras.

Seu discurso inaugural é aterrador: “De hoje em diante uma nova visão governará a nossa terra. A partir deste momento, só os Estados Unidos serão o primeiro”. O “primeiro” (first) aqui deve ser entendido como “só (only) os Estados Unidos vão contar”. Radicaliza sua visão ao término de seu discurso com evidente arrogância: “Juntos faremos que os Estados Unidos voltem a ser fortes. Faremos que os Estados Unidos voltem a ser prósperos. Faremos que os Estados Unidos voltem a ser orgulhosos. Faremos que os Estados Unidos voltem a ser seguros de novo. E juntos faremos que os Estados Unidos sejam grande de novo”.

Subjacente a estas palavras funciona a ideologia do “destino manifesto”, da excepcionalidade dos Estados Unidos, sempre presente nos presidentes anteriores, inclusive em Obama. Quer dizer, os Estados Unidos presumem possuir uma missão única e divina no mundo, a de levar seus valores de direitos, da propriedade privada e da democracia liberal para o resto da humanidade.

Para ele, o mundo praticamente não existe. E se existe é visto de forma negativa. Quebrou os laços de solidariedade para com os aliados tradicionais como a União Européia e retirou-se da cena internacional deixando cada país livre para eventuais aventuras contra seus contendores históricos e abrindo espaço para o expancionismo de potências regionais eventualmente incluindo guerras letais.

Da personalidade de Trump se pode esperar tudo. Habituado a negócios tenebrosos como são, de modo geral, os empreendimentos imobiliários novaiorquinos, sem qualquer experiência política, pode deslanchar crises para a sociedade norte-americana e altamente ameaçadoras para o resto da humanidade, como por exemplo, uma eventual guerra contra China ou a Coreia do Norte, onde não se exclui a utilização de armas nucleares.

Sua personalidade denota características psicológicas desviantes; é narcisista, com um ego superinflacionado, maior que seu própro país.

A frase que nos assusta é esta: “De hoje em diante uma nova visão governará a terra”. Não sei se está pensando apenas nos Estados Unidos ou no planeta Terra. Provavelmente as duas coisas para ele se identificam. Se for verdade, teremos que rezar para que o pior não aconteça para o futuro da civilização.

(*) Leonardo Boff é articulista do JB on line e escreveu, Convivência, respeito e tolerância, Vozes 2006.

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