Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

“Só um Deus nos pode salvar”

20/05/2013

flores

Por Leonardo Boff (*)

A crise de nossa civilização técnico-científica exige mais que explicações históricas e sociológicas. Ela demanda uma reflexão filosófica que desemboca numa questão teológica. Quem o viu claramente foi Martin Heidegger (1889-1976), antes mesmo que tivesse surgido o alarme ecológico.

Numa famosa conferência em 1955 em Munique “Sobre a questão da técnica”, na qual estavam presentes Werner Heisenberg e Ortega y Gasset, ele tornou claro o risco que o mundo natural e a humanidade correm quando se deixam absorver totalmente pela lógica intrínseca deste modo de pensar e de agir que intervem e manipula o mundo natural até as suas últimas camadas para tirar benefícios individuais ou sociais. A cultura técnico-científica penetrou, de tal forma, na nossa autocompreensão que já não podemos entender a nós mesmos nem viver sem essa muleta que introjetamos em nosso próprio ser e estar-no-mundo.

Ela representa a convergência de duas tradições da filosofia ocidental: a platônica de cariz idealista transfigurada pela incorporação cristã e a aristotélica, mais empírica, que está na base da ciência. Elas se fundiram no século XVII, a partir de Descartes e fundaram a moderna tecno-ciência moderna, o paradigma dominante.

O interesse desse modo de ser é como são as coisas, como funcionam e como nos podem ser úteis. Não é o milagre de que as coisas são, confrontadas com o nada. Separamo-nos do mundo natural para entrar profundamente no mundo artificial.  Perdemos a relação orgânica com as coisas, as plantas, os animais, as montanhas e com os próprios seres humanos. Tudo se transforma em instrumento para alguma finalidade. Não vemos o ser humano, como pessoa, portadora de um propósito, mas a sua força de trabalho, seja física seja intelectual, que pode ser explorada.

Se algo pode ser feito, será feito sem qualquer justificação ética. Se podemos desintegrar o átomo não há porque não fazê-lo e construir uma bomba atômica. Se  podemos lançá-la sobre Hiroshima e Nagasaki, quem o impedirá? Se posso manipular o código genético, não há limite moral ou ético que o possa coibir. E fazemos as experiências que acharmos interessantes e úteis para o mercado e para certa qualidade de vida.

Heidegger nos adverte que esta tecno-ciência criou em nós um dispositivo (Gestell), um modo de ver que considera tudo como coisa ao nosso dispor. Colonizou todos os espaços e subjugou todos os saberes. Transformou-se num motor que se acelerou de tal forma que já não sabemos como pará-lo. Tornamo-nos reféns dele. Ele nos dita o que fazer ou deixar de fazer.

Neste ponto, Heidegger aponta o altíssimo risco que corremos como natureza e como espécie. A tecnociência afetou as bases que sustentam a vida e criou tanta força destrutiva que nos pode exterminar a todos. Os meios já foram construídos e estão aí à nossa disposição. Quem segurará a mão para não deslanchar um  armagedon natural e humano? Essa é a questão magna que nos deveria ocupar como pessoas e como humanidade e menos o crescimento e as taxas de juros.

A resposta tentada por Heidegger é uma Kehre, uma ”Volta” que significa uma reviravolta. Este é o propósito final de todo o seu pensamento, como o revelou numa carta a Karl Jaspers: ser um zelador de museu que tira a poeira sobre os objetos para que se deixem ver. Como filósofo se propunha (pena que usa uma linguagem terrivelmente complicada) remover o que encobre o habitual e o cotidiano da vida. Pela sofisticação técnico-científica ele ficou esquecido, abstrato ou enrijecido. Ao fazer isso, o que se revela então? Nada, senão aquilo que nos rodeia e que constitui o nosso ser-no-mundo-com-os outros e com a paisagem, com o azul do céu, com a chuva e com o sol. É deixar ver as coisas assim  como são; elas não nos oprimem mas estão, tranquilas, conosco em casa. Foi buscar inspiração para esse modo de ser nos pré-socráticos particularmente em Heráclito, que viviam o pensamento originário antes de se transformar com Platão e Aristóteles em metafísica, base da tecnociência.

Mas suspeita que seja tarde demais. Estamos tão próximos do abismo que não temos como voltar. Na sua última entrevista ao Spiegel de 1976, publicada post-mortem, diz: “Só um Deus nos pode salvar”. A questão filosófica sobre o destino de nossa cultura se transformou numa questão teológica. Deus vai intervir? Vai permitir a autodestruição da espécie?

Como teólogo cristão direi como São Paulo: “A esperança não nos engana” (Rm 5,5) porque “Deus é o soberano amante da vida” (Sb 11,26). Não sei como. Apenas espero.

(*) Leonardo Boff é autor: Proteger a Terra-cuidar da vida: como escapar do fim do mundo, Record Rio 2010.

Premium WordPress Themes Download
Download Best WordPress Themes Free Download
Download Nulled WordPress Themes
Free Download WordPress Themes
online free course
download lava firmware
Download Best WordPress Themes Free Download
free online course

Conteúdo Relacionado