Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Sem espiritualidade não salvaremos a vida na Terra

17/06/2021

                                                       Imagem: Jan Siberechts (Wikimedia Commons, domínio público)

Leonardo Boff

Em momentos de grandes crises, de desastres naturais e agora com a epidemia do Coronavírus, os seres humanos deixam vir à tona aquilo que está na sua essência como humanos: a solidariedade, a cooperação, o cuidado de uns para com os outros e para o seu entorno e a espiritualidade.

Ouvimos da boca de Michail Gorbachev no encontros para a elaboração da Carta da Terra, exatamente dele considerado ateu por ser comunista e chefe de Estado: ou vamos desenvolver uma espiritualidade com novos valores, centrados na vida e na cooperação ou não haverá solução para a vida na Terra.

Esta pandemia significa uma conclamação para esta espiritualidade salvadora. Como diz a Carta da Terra: “Como nunca antes na história, o destino comum nos conclama a um novo começo… Isso requer uma mudança na mente e no coração; requer um novo sentindo de interdependência global e de responsabilidade universal… só assim se chega a um modo sustentável de vida” (Conclusão)

Vivemos uma emergência ecológica planetária. Acertadamente nos alertou a Laudato Si‘ do Papa Francisco: “As previsões catastróficas já não se podem olhar com desprezo e ironia. O ritmo do consumo, desperdício e alteração do ambiente superou de tal maneira as possibilidades do planeta, que o estilo insustentável de vida atual só pode desembocar em catástrofes” (n.161).

Esta advertências reforçam a urgência de uma espiritualidade da Terra. Ela demanda um novo paradigma, apresentado pelo Papa Francisco em sua última encíclica Fratelli tutti (2020): devemos deixar de nos imaginar os donos (dominus) da natureza para sermos de fato irmãos e irmãs (frater, soror). Se não fizermos essa travessia vale esta advertência: “Ou nos salvamos todos ou ninguém se salva” (n. 32).

Em função dessa missão comum se estabeleceu uma colaboração e uma articulação entre duas famílias religiosas com suas tradições espirituais, amigáveis para com a criação, à vida, aos mais destituídos: os franciscanos com o Serviço Inter-franciscano de Justiça, Paz e Ecologia da Conferência da Família Franciscana do Brasil e os jesuítas com o Observatório Luciano Mendes de Almeida, a Rede de Justiça socioambiental dos Jesuítas e o Movimento Católico Global pelo Clima, somando-se ainda como parceiros a MAGIS, a FAJE.

As espiritualidades e os valores de cada uma destas duas tradições nos poderão inspirar novas formas de cuidar da herança sagrada que a evolução e Deus nos entregaram, a Terra, a Magna Mater dos antigos, a Pachamama dos andinos e a Gaia dos modernos.

Em sua encíclica de ecologia integral Laudato Si’, o Papa Francisco apresenta São Francisco “como o exemplo por excelência pelo cuidado pelo que é frágil, vivido com alegria e autenticidade. É o padroeiro de todos os que estudam e trabalham no campo da ecologia, amado também por muitos que não são cristãos”(n.10). Diz mais ainda: “Coração universal, para ele qualquer criatura era uma irmã, unida a ele por laços de carinho; por isso sentia-se chamado a cuidar de tudo o que existe… até das ervas silvestres que deviam ter o seu lugar no horto” de cada convento dos frades (n.11.12).

Para Santo Inácio de Loyola, grande devoto de São Francisco, e para este ser pobre significava mais que um exercício acético, mas um despojamento de tudo para estar mais próximo dos outros e construir com eles fraternidade. Ser pobre para ser mais irmão e irmã.

Para os primeiros companheiros de Santo Inácio a vida em pobreza, individual e comunitária, sempre acompanhou o cuidado com os pobres, parte essencial do carisma jesuítico. E São Francisco vivia estas três paixões: ao Cristo crucificado, aos pobres mais pobres e à natureza. Chamava a todas as criaturas, até ao feroz lobo de Gubbio com o doce nome de irmãos e de irmãs.

Ambos vislumbravam Deus em todas as coisas. Como o expressou belamente Santo Inácio: “Encontrar Deus em todas as coisas e ver que todas as coisas vêm do alto”. E dizia mais, bem na linha do espírito de São Francisco: “Não é o muito saber que sacia e satisfaz a alma, mas o sentir e saborear internamente as coisas”. Só pode saborear internamente todas as coisas se as ama verdadeiramente e e sente unido a elas. Em São Francisco abundam afirmações semelhantes.

Tais modos de vida e de relacionamento são fundamentais se quisermos reinventar uma forma amigável, reverente e cuidadosa para com a Terra e a natureza. Dai nascerá uma civilização biocentrada. Como afirma a Fratelli tutti, fundada numa “política da ternura e da gentileza”, “no amor universal e na fraternidade sem fronteiras”, na interdependência entre todos, na solidariedade, na cooperação e no cuidado para com tudo o que existe e vive, especialmente com os mais desprotegidos.

A Covid-19 é um sinal que a Mãe Terra nos envia para assumirmos nossa missão que o Criador e o universo nos confiaram: de “proteger e cuidar do Jardim do Éden”, isto é, da Mãe Terra (Gn 2,15). Se juntos, estas duas Ordens, dos franciscanos e dos jesuítas, associados a outros, se propuserem realizar este sagrado propósito, darão um sinal de que nem tudo do Paraíso terrenal se perdeu. Ele começa a crescer dentro de nós e se expande para fora de nós, fazendo, de verdade, da Mãe Terra, a verdadeira e única Casa Comum na qual podemos viver juntos na fraternidade, na amorosidade, na justiça, na paz e na alegre celebração da vida. São sonhos? Sim, são os Grandes Sonhos, necessários, que antecipam a realidade futura.


Leonardo Boff, ecoteólogo, da parte da família franciscana.

Download Premium WordPress Themes Free
Download WordPress Themes Free
Download Premium WordPress Themes Free
Download Nulled WordPress Themes
free download udemy course
download lenevo firmware
Download Nulled WordPress Themes
free online course