Não são apenas os pobres que gritam. A Terra também grita, convertida na Grande Pobre, despojada de seus bens e serviços naturais limitados. O Papa Francisco falou recentemente sobre o grito da Terra e dos pobres. A maior agressão que se faz à Terra é não reconhecê-la como a Grande Mãe, Casa Comum e Gaia, um superorganismo vivo que se autorregula e combina todos os elementos necessários para se autogerar continuamente e produzir vidas, especialmente a vida humana, a maior flor do processo evolutivo. A duras penas, ela ainda consegue dissolver os desequilíbrios e manter a capacidade de nos alimentar, assim como toda a comunidade de vida.
Hoje, no entanto, ela está mostrando sinais de enfraquecimento. Trata-se da Sobrecarga da Terra (Earth Overshoot). Ela tem sido explorada excessivamente devido à voracidade de alguns cujo projeto é acumular bens materiais de forma ilimitada, sem qualquer sentido de partilha justa com o restante da humanidade. O pior está acontecendo recentemente: há um retrocesso na redução da emissão de gases de efeito estufa, agravando o aquecimento global e suas consequências já conhecidas.
Não se reconhecem os direitos da natureza e da Terra, reduzida a um baú de recursos para sustentar o projeto ilusório de um crescimento ilimitado, mesmo sabendo dos limites intransponíveis do planeta.
Cresce a consciência a partir do Overview Effect dos astronautas, que observaram a Terra de suas naves espaciais e testemunharam que a Terra e a humanidade formam uma entidade única e complexa. Os seres humanos expressam esse ponto de complexidade no qual a Terra começou a andar, pensar, cantar, se emocionar e, principalmente, amar.
Diante da urgência ecológica, a alternativa que se impõe é esta: ou cuidamos de nossa Mãe Terra ou não haverá uma arca de Noé que possa nos salvar. Como bem disse o Papa Francisco na encíclica Fratelli tutti (Todos irmãos e irmãs), de 2020: “Estamos no mesmo barco, ou nos salvamos todos, ou ninguém se salva”.
Por isso, na opção pelos pobres contra a pobreza, deve-se incluir a Terra como a Grande Pobre. É nossa missão tirá-la da cruz e ressuscitá-la para que mantenha sua vitalidade.
Uma teologia da libertação integral deve ser uma ecoteologia da libertação, como defendo desde os anos 1980 e que foi finalmente oficializada pelo Papa Francisco em sua encíclica Laudato Si’: Sobre o cuidado da Casa Comum (2015).
A ética ecológica fundamental, que sustenta qualquer outro imperativo, exige o seguinte: o que faço para salvaguardar a vida na Terra e permitir que todos os seres continuem existindo e vivendo nela? O segundo imperativo ético é este: o que faço para conservar as condições para que o ser humano possa subsistir e continuar evoluindo como tem feito há milênios?
A Terra fundamenta um princípio estruturador de tudo: a nova centralidade do pensamento e da ação. A questão não é qual futuro o cristianismo ou nossa civilização têm, mas qual futuro a Terra viva tem e em que medida o cristianismo e outros caminhos espirituais, junto com as ciências, colaboram para que o futuro da vida na Terra seja possível.
O alarme ecológico nos exige redobrar o cuidado. Só em 2023 lançamos na atmosfera 40 bilhões de toneladas de dióxido de carbono (CO₂). Metade é absorvida pelas plantas no processo de fotossíntese e pelos oceanos. Mas a outra metade vai para a atmosfera e lá permanece por cerca de cem anos, criando um efeito estufa que agrava o aquecimento global, com efeitos desastrosos como os imensos incêndios na Amazônia, no Pantanal, atualmente na Califórnia e até na fria e úmida Sibéria. Fala-se de uma nova fase da Terra, após o antropoceno, a mais perigosa de todas: o piroceno, ou seja, a irrupção do fogo (pyros em grego), que pode incendiar e incinerar tudo. Isso representaria uma ameaça extrema para a sobrevivência humana e do sistema-vida.
A ciência nos ajuda a prevenir a chegada de eventos extremos e a mitigar seus danos. Mas ela sozinha não é suficiente. Precisamos de uma nova ética e de outra espiritualidade da Terra, que nos inspirem a encontrar uma forma mais benevolente e cuidadosa de estar aqui. Assim, a Terra ainda poderá nos querer sobre seu solo. Caso contrário, a humanidade, ou uma grande parte dela, pode desaparecer.
Certamente isso não representa a vontade do Criador nem o propósito da humanidade. Estamos no limite do perigo extremo e é urgente mudar. Inauguraremos outro rumo e, assim, salvaremos a vida na Mãe Terra e nos salvaremos todos com ela.
Não temos muito tempo. É urgente começar agora, cada um fazendo sua revolução molecular onde vive ou trabalha. Somando todas as forças, daremos o salto necessário para merecer continuar sobre este belo e riquíssimo planeta, nossa única Casa Comum.
Leonardo Boff escreveu: “Ecologia: Grito da Terra – Grito dos Pobres”, Vozes, muitas edições, 2024; “Cuidar da Casa Comum: Pistas para Adiar o Fim do Mundo”, Vozes, 2024.