1. Nas primeiras sextas-feiras de cada mês, sempre consagradas ao Coração sacratíssimo do Redentor, temos o costume de nos deter num aspecto particular da trajetória de Cristo Jesus em seu amor pelos homens. A contemplação dos mistérios do Salvador, mormente de seu coração aberto, fonte de vida, nos leva ao agradecimento reconhecido e, ao mesmo tempo, somos convidados a não perder o zelo pastoral. Trabalhamos para que esse que nos amou até o fim, seja por todos reconhecido e amado. Diante de nossos olhos temos um texto belíssimo de João Crisóstomo, que descreve tudo aquilo que sofreu o Deus livre, bom e belo quando quis nos tirar do abismo: “A paz do céu é entregue pelo beijo de um traidor, prende-se aquele que rege o universo, algema-se o elo de toda a criação, arrasta-se aquele que atrai o mundo inteiro, a verdade é acusada pela mentira, faz-se comparecer a juízo aquele diante de quem todas as coisas se curvam. Os judeus o entregam aos pagãos, os pagãos o devolvem aos judeus; Pilatos o envia a Herodes, Herodes o devolve a Pilatos. A piedade torna-se um comércio de impiedade, a santidade é objeto de negócio cruel. A bondade é flagelada, o perdão condenado, a majestade escarnecida, a virtude ridicularizada. Sobre o dispensador das chuvas, chovem os escarros. Pregos de ferro cravam aquele que estende os céus. Aquele que dá mel é alimentado pelo fel; o que faz correr as fontes é saciado com vinagre e, ao se esgotarem todas as penas, a morte se afasta, a morte tarda, por compreender que aí não há nada para ela”.
2. Belíssima descrição dos últimos momentos da vida do condenado de Nazaré, daquele que chamamos de Mártir do Calvário! Ali, suspenso entre o céu e a terra, confiante no Pai, entregando-se ao Pai, temos um “trapo”, mas um ser que guarda sua dignidade até o fim. Um dos seus o trai com um beijo, aquele que é liberdade é preso com pregos, a verdade é acusada pela mentira, a bondade é machucada, o belo e digno ridicularizado. Nunca é demais meditar e refletir no abaixamento a que submeteu aquele que é nosso Mestre, esse que, ressuscitado, vive na Igreja, nos fala através das Escrituras, nos alimenta pela Eucaristia. Nunca é demais nos deter nesta cena de total aniquilamento e tanto amor tão bem descrita pelo Crisóstomo. O resultado só pode ser o do nascimento de uma compunção em nosso coração e o desejo de fazer com que nosso serviço de apostolado não seja medíocre, meramente funcional e friamente burocrático, mas cheio de ardor agradecido. Esta a finalidade de insistirmos tanto na contemplação do Coração do Senhor. A Igreja não pode ser outra coisa senão a reunião daqueles que contemplam até onde foi o amor do Crucificado.
3. João Crisóstomo fala daquele que faz correr as fontes, sendo que no momento de sua paixão tem sua sede saciada com o vinagre. E, depois de todos os passos da paixão, depois de tudo consumado, aquele que veio saciar nossas sedes mais profundas permitiu que o soldado lhe abrisse o lado e desse lado jorrou uma fonte nova: águia e sangue, alimento e bebida de vida, de vida eterna. A água que lava e o sangue que alimenta. A água na qual se afoga o homem velho e o sangue que nutre a vida mais profunda. Batismo e Eucaristia estão simbolizados nas águas do peito do Senhor, Aquele que na sua sede recebeu vinagre, morrendo, deu-nos as fontes de vida que nos saciam a sede e alimentam em nossa caminhada. O Deus que fez a terra e as águas, aquele que inventou um jardim bem irrigado, aquele que louco de sede recebeu uma esponja ensopada em vinagre abriu as comportas do Coração e cobriu de bens e graças os que contemplam seu peito dilacerado.
Frei Almir Ribeiro Guimarães