Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Por que Adão e Eva não existiram e a mulher foi feita da costela? (Gn 2,18-25)

13/02/2025

O texto sobre o qual vamos refletir hoje é tirado do livro de Gn 2,18-25. Trata-se do mito da criação do ser humano. Adão é convocado por Deus a dar nome aos animais. Dar nome significa poder. Ele não encontra um semelhante a ele. Deus, então, o faz dormir, e da sua costela faz a mulher. E eles, nus, vivem tranquilos no jardim, um paraíso chamado Éden.

Para iniciar a nossa reflexão, perguntemo-nos: Por que a mulher foi feita da costela de Adão? O que significa afirmar que eles estavam nus e não se envergonhavam? Essa história é real? Adão e Eva existiram? Quem é Adão? Quem é Eva? Vamos lá! Vou tentar explicar o simbolismo dessa narrativa bíblica.

Primeiramente, uma coisa deve ficar bem clara. Estamos no terreno do mito. Mito é um modo encontrado pelos povos para falar de algo que acontece, mas que não aconteceu. Ele é a tentativa de explicar algo que não entendemos. É como nós, hoje, sempre nos perguntamos sobre que nasceu primeiro, o ovo ou galinha? Você sabe a resposta? Eu não sei. Os mitos em Gênesis querem explicar a nossa origem, de onde viemos.

Havia outros mitos judaicos que afirmavam que Deus fez o ser humano unido pelas costas. Ele pegou um serrote e os cortou ao meio. Por isso, sempre estamos à procura de nossa outra metade. O mito não é mentira, mas um modo de falar uma verdade que não sabemos explicar. No mito da criação, o texto quer nos dizer que viemos de Deus. Ele nos criou. Atente ao fato de que em Gn 2, 4b–3, 24 há um jogo com os substantivos hebraicos: Adam, o “tirado da terra” que é o ser humano; ish, o homem entendido como macho; isha, a mulher, a fêmea; e hawwâ ou hevae, a Eva, mãe dos viventes. O mais usado deles no texto é ser humano, visto como uma criança que ainda não sabe distinguir as diferenças sexuais entre os humanos, bem como entre os animais, aos quais ele apenas nomeia. Quando o ser humano amadurece, ele é capaz de perceber que existe outro ser diferente dele, colocado à sua frente, que é osso do seu osso e carne da sua carne, e, por isso, ele o chama de mulher, uma fêmea que pode ser a sua esposa. Isso quer dizer que, mitologicamente, o ser humano está em outra fase da vida.

O uso diversificado de termos hebraicos tem o objetivo de colocar o leitor no patamar de mito. Mito que explica a sua origem como ser humano, mas também homem e mulher. Adão e Eva juntos representam o ser humano de forma geral. Separados, eles se unem como macho e fêmea para gerar a vida e cuidar dela. Adão e Eva nunca existiram como pessoas individualizadas. Trata-se de um mito. Adão e Eva somos todos nós.

Notório é o fato de a mulher ter o papel decisivo no relato na criação. Contraditório, no entanto, é o fato de ela ser a causa da condição mortal do ser humano por ter comido o fruto da árvore proibida e, ao mesmo tempo, ser agraciada com o nobre título de geradora da vida, Eva, que se translitera hawwâ, o qual vem da forma verbal hwh, que se relaciona com hyh, que significa viver. Daí Javé, no nome de Deus gerador da vida. Eva é colocada na condição de geradora de vida, como Deus. Hay em hebraico é vida, que também é uma saudação em línguas modernas, como o inglês. Outro fato interessante é o de o substantivo homem (ish) ser tirado de mulher (isha). A mulher foi feita da costela de Adão, mas é o homem que é tirado da mulher.

Outro detalhe importante no fim do mito é que Adão e Eva estão nus e não se envergonham. A nudez simbolizava a fertilidade. No mundo antigo, os deuses eram representados nus. Na condição humana, somos assim, nascemos sem saber quem somos nós. A criança, na sua primeira infância, não se preocupa em expor a sua genitália porque ela ainda não está amadurecida o suficiente para se ver em um mundo marcado por diferentes. Com o passar dos anos, ela vai se conhecendo e caminhando para a vida adulta, quando terá que se reproduzir no contato com o outro, o diferente. Nesse contato, eu preciso ser eu mesmo. Um dos grandes conflitos do adolescente é a autoafirmação e consequente anulação do papel dos pais na sua vida. Isso não era diferente na comunidade israelita que produziu esse texto. Adão e Eva tiveram sua primeira experiência de vergonha como pessoas amadurecidas, por isso eles se cobrem. Em uma sociedade na qual o principal meio de controle social é a vergonha, esta primeira experiência de vergonha é crítica para o processo de socialização que acompanha o amadurecimento, e deveria ser vista positivamente.

Por fim, qual o sentido da criação da mulher a partir da costela de Adão? Por se tratar de uma parte do corpo que fica ao lado, ela representa o fato de que a mulher foi feita para ser companheira do homem e não sua escrava. Deus faz o homem dormir, lhe tira uma de suas tantas costelas, recoloca carne no lugar, de modo que ele continue perfeito; e modela uma mulher que será reconhecida como “osso do seu osso e carne da sua carne” (Gn 2, 23). Agora, homem e mulher se uniram para constituir família, gerar outros seres humanos à imagem e semelhança de Deus, o criador. O fato de o ser humano (Adam) ter dormido significa que ele voltou para a terra (adamáh) de onde ele veio. Ele morre para dele renascer outra vida, agora de sua costela, a qual representa também a solidez da nova edificação feita por Deus[4]. De forma mítica, Gn 2, 22-23 está reafirmando a igualdade dos seres humanos.

Historicamente, os homens usaram equivocadamente o mito de Gênesis para justificar a sua supremacia sobre a mulher. O fato de o homem ser criado primeiro que a mulher não implica superioridade. Interpretações alegóricas, fantasiosas, de Gn 2, 21-25, como a primeira Carta aos Coríntios 11,7-12, justificou o machismo judaico e uso do véu para a mulher, ao afirmar que o homem não deve cobrir a cabeça, porque é a imagem e a glória de Deus, mas a mulher é a glória do homem. Pois o homem não foi tirado da mulher: mas a mulher, do homem. E o homem não foi criado para a mulher, mas mulher para o homem.

Ainda hoje, culturas, como o islamismo, insistem em subjugar a mulher, em apedrejá-la por um simples ato de adultério. Para os padres da Igreja, a mulher teria o homem como modelo para seguir. O filósofo Aristóteles (384-322 a.E.C.) afirma: “A mulher é como se fosse um homem frustrado, um macho defeituoso. Considerando em relação com a natureza particular, a mulher é algo imperfeito e ocasional. Ela nasceu de um espermatozoide constipado”.

O teólogo Tomás de Aquino (1225-1274 E.C.) rebate Aristóteles, autor em voga na Idade Média, quando afirma: “No entanto, se considerarmos a mulher em relação com toda a natureza, não é algo ocasional, mas algo estabelecido pela natureza para a geração. A intenção de toda a natureza depende de Deus, autor mesmo, que ao produzi-la, fez o homem e a mulher”. Tomás de Aquino situa Aristóteles no seu contexto e não concorda que a mulher é um macho defeituoso. Para ele, a criação da mulher não depende da ação do sêmen, mas da natureza divina. A mulher planejada e criada por Deus no início do mundo e não pode ser defeituosa. Ademais, explicando a criação da mulher a partir da costela de Adão, Tomás de Aquino diz que a mulher não foi formada da cabeça do homem, porque ela não deve dominá-lo. Tampouco não foi formada de seus pés, para que ela não fosse desprezada pelo homem, como se fosse sua serva.

Conclusão de tudo isso. Adão e Eva somos todos nós, criados à imagem e semelhança de Deus. Somos chamados por Deus a dizer não à discriminação da mulher e à orientação de gênero do ser humano.  Todos nós somos ossos de nossos osso e carne de nossas carnes, a divindade de Deus encarnada na melhor das relações entre seres humanos e natureza, todos criados por Deus.


Frei Jacir de Freitas Faria

Referências bibliográficas:

BRENNER, Athalya (Org.). Gênesis a partir de uma leitura de gênero. São Paulo: Paulinas, 2000,  p. 96.

BRENNER, Athalya (Org.). Gênesis a partir de uma leitura de gênero, São Paulo: Paulinas, 2000, p.95.

CROATTO, Severino. Crear y amar en libertad. Buenos Aires: La Aurora, 1986, p. 83.

FARIA, Jacir de Freitas. As mais belas e eternas histórias de nossas origens em Gn 1-11: mitos e contramitos. Petrópolis: Vozes, 2015. p.36.

AQUINO, Tomás. Summa Theológica, Tratado do homem, artigo 1, Sobre a questão da mulher, questão 92.

AQUINO, Tomás. Summa Theológica, Tratado do homem, artigo 1, Sobre a questão da mulher, questão 92,3.

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