Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Papa Francisco fala com um não crente de homem para homem

19/09/2013

 

Leonardo Boff (*)

Francisco, bispo de Roma, se despojou de todos os títulos e símbolos de poder que não fazem outra coisa que distanciar as pessoas umas das outras. Publicou uma carta no principal jornal de Roma La Reppubblica respondendo ao ex-diretor e conhecido intelectual não crente Eugênio Scalfari. Este publicamente colocou algumas questões ao bispo de Roma, Francisco. Este realizou um ato de extraordinária importância. Não apenas porque o fez de uma forma sem precedentes mas principalmente porque se mostrou como um homem que fala a outro homem, num contexto de diálogo aberto, colocando-se no mesmo nível que seu interlocutor.

Efetivamente Francisco que, como sabemos, prefere chamar-se bispo de Roma e não de Papa, respondeu a Eugênio Scalfari de um modo cordial, com a inteligência calorosa do coração antes que com a inteligência fria das doutrinas. Atualmente, na filosofia, se procura regatar a “inteligência sensível” que enriquece e alarga a “intelegiência intelectual”, pois aquela fala diretamente ao outro, ao seu profundo. Não se esconde atrás de doutrinas, dogmas e instituições.

Nesse sentido, para Francisco não é relevante o fato de Scalfari se confessar crente ou não, pois cada um possui a sua história pessoal e seu percurso existencial que devem ser respeitados. O relevante mesmo é a capacidade de ambos estarem abertos à escuta mútua. Para dizê-lo na linguagem do grande poeta espanhol António Machado: “A tua verdade? Não. A Verdade. Venha comigo buscá-la. A tua, guarde-a para ti”. Mais importante que saber é nunca perder a capacidade de aprender. Este é o sentido do diálogo.

Com sua carta, Francisco mostrou que todos buscamos uma verdade mais plena e mais ampla, uma verdade que ainda não possuimos. Para encontrá-la não servem os dogmas tomados em si mesmos, nem as doutrinas abstratamente formuladas. O pressuposto geral é que existem ainda respostas a serem buscadas e que tudo é cercado de mistério. Esta busca coloca a todos sobre o mesmo chão, crentes e não crentes também os fiéis das diversas Igrejas. Cada qual tem o direito de expressar a sua visão das coisas.

Todos vivem uma contradição terrível que envolve crentes e ateus: por que Deus permite as grandes injustiças no mundo? É a questão que com profundo abatimento também o Papa Bento XVI colocou quando visitou o campo de extermínio nazista em Auschwitz. Despojou-se, por um momento, de seu papel de Papa e falou somente como um homem com o coração aberto: “Deus, onde estavas quando aconteceram estas atrocidades? Por que te calaste?”

Todos nós, cristãos, devemos admitir que não há uma resposta e que a pergunta permanece ainda aberta. Consola-nos apenas a ideia de que Deus pode ser aquilo que nossa razão não compreende. A inteligência intelectual sozinha se cala porque não tem uma resposta para tudo. O Gênesis, como dizia o filósofo Ernst Bloch, não se encontra no começo mas no fim. As coisas, assim pensam os crentes, se desenrolam na direção de um desfecho feliz. Somente no fim, de alguma maneira, nos é dado comprender o sentido da existência. Unicamente no fim poderemos dizer: “E tudo é bom!” e podemos exclamar um “Amém” definitivo. Mas enquanto vivemos, nem tudo é bom.

Verdades absolutas e verdades relativas? Prefiro responder com o grande poeta, místico e pastor, o bispo Dom Pedro Casaldáliga, lá do fundo da Amazônia: “O absoluto? Só Deus e a fome”.

Nutro grande confiança de que Francisco com seu diálogo poderá conseguir grandes coisas para o bem da humanidade. Começou fazendo importante reforma do Papado. Dentro de pouco fará a reforma da Cúria romana. Através de vários discursos acenou que todos os temas podem ser discutidos, uma afirmação impensável tempos atrás. Temas como o celibato dos padres, o sacerdócio da mulher, a moral sexual e a existência dos homoafetivos. Até recente data, tais temas eram simplesmente proibidos de serem  suscitados por teólogos e bispos.

Creio que este Papa seja o primeiro a não querer um governo monárquico e absolutista, o “poder” como dizia Scalfari. Ao contrário, quer estar o mais possível próximo ao Evangelho que apresenta os princípios da misericórdia e da compaixão, tendo como centro de referência a humanidade.

Seguramente seu diálogo com os não crentes pode verdadeiramente ampliar-se e abrir uma nova janela à modernidade ética que não considera apenas a tecnologia, a ciência e a política mas que pode também levar a superar um comportamento de exclusão, típico da Igreja Católica, em outras palavras, a arrogância de se entender a única herdeira verdadeira da mensagem de Jesus. Cabe sempre recordar que Deus enviou seu Filho ao mundo e não apenas aos batizados. Ele ilumina cada pessoa que vem a este mundo, como o recorda São João no prólogo de seu evangelho e não apenas os crentes.

Neste sentido, pessoalmente tenho sugerido em carta ao Papa Francisco um Concílio Ecumênico de toda a cristandade, de todas as Igrejas, incluindo até a presença de ateus que possam, por sua sabedoria e ética, ajudar a analisar as ameaças que pesam sobre o planeta e como enfrentá-las. Em primeiro lugar as mulheres, geradoras de vida, pois a vida mesma está sendo ameaçada.

O Cristianismo comparece como um fenômeno ocidental. Ele deve encontrar o seu lugar no interior da nova fase da humanidade, a fase planetária. Somente assim será para todos e de todos.

Em Francisco, como já o mostrou na Argentina, não vejo a vontade de conquistar e de fazer proselitismo, mas antes a disposição de testemunhar e andar, como o reafirmou a Scalfari, um pedaço do caminho junto com outros. O Cristianismo antes que instituição é um movimento, o movimento de Jesus e dos Apóstolos. Nesta compreensão, viver a dimensão da dignidade humana, da ética e dos direitos fundamentais é mais importante do que filiar-se simplesmente a uma Igreja. Este é o caso de Eugênio Scalfari. Importa olhar mais a dimensão de luz da história do que sua dimensão de sombras, viver como irmãos e irmãs, na mesma Casa Comum, a Mãe Terra, respeitando as opções de cada um, sob o grande arco-íris, símbolo da transcendência do ser humano.

O longo inverno eclesial terminou. Esperamos uma primavera solar, cheia de flores e de frutos, na qual vale a pena ser humano também  na forma cristã desta palavra.

(Entrevista dada por telefone a Vera Schiavazzi no dia 15 de setembro último, de Romano Canavese, Turim). Foto: Vatican News.


(*) Leonardo Boff, teólogo e filósofo.

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