Frei Hipólito Martendal
Dentro de nosso assunto geral de Psicologia e Religião vamos abordar um tema realmente atual e preocupante. Tratarei das orações de cura tão propaladas através da mídia religiosa, seja católica ou evangélica, ou os canais de outras religiões orientais, Nova Era etc. Parece que todo mundo sente necessidade de divulgar as maravilhosas práticas de sua religião para resolver os problemas mais comuns e imediatos que afligem o dia-a-dia dos seres humanos. Não vou abordar o antiqüíssimo hábito cristão de recorrer a Deus e suplicar socorro em suas necessidades. Isso está fora de dúvidas.
O que me preocupa é a multiplicação dos prometedores de milagres. Não tenho dados exatos em termos de porcentagens, mas número de pessoas que chegam ao meu consultório com doenças crônicas, carregando os aborrecimentos causados pela própria doença acrescidos de angústias na fé e decepções geradas por esperanças e certezas desfeitas, é muito grande. Estas frustrações podem ser mais perturbadoras do que os males que a pessoa vinha enfrentando.
Existem livros muito divulgados, orações em impressos menores, muitas celebrações específicas voltadas para curas infalíveis para doenças e principalmente para cura de emoções. Aqui temos dois problemas. Em primeiro lugar ninguém pode dizer a ninguém que determinada oração, ou sacramento, vai curar determinada doença em determinada pessoa como uma coisa certa e infalível, pois o mistério da oração é uma espécie de diálogo entre cada pessoa humana específica que ora a Deus. Ninguém tem o controle sobre o exercício do poder de Deus. Estas certezas criadas na mente de uma pessoa sofrida ao extremo e desfeitas pouco depois podem levar algumas delas ao desespero. E quem responderá por suas conseqüências?
O segundo problema está diretamente ligado à “cura das emoções” em especial. Aqui o problema principal está mesmo na mais pura desinformação de muitos escritores e pregadores.
As emoções fazem parte de uma área da Psicologia das mais estudadas e pesquisadas nos últimos dez anos e com resultados surpreendentes. Tudo o que foi dito sobre emoções nos melhores autores da Psicanálise precisa ser revisto. Quase tudo o que foi falado e escrito sobre o assunto pela gente que defende as regressões às primeiras fases da vida do indivíduo, ou até de antepassados nossos, seria melhor jogar simplesmente no lixo. Trazem mais erros e confusões que verdades.
O melhor estudo que conheço sobre emoções é o livro “O Cérebro Emocional”, de Joseph Le Doux, considerado talvez o melhor pesquisador vivo sobre o cérebro e seu funcionamento. A distância entre o que Le Doux escreve e o que nossos pregadores populares dizem sobre emoções é tão grande que a gente tem dificuldades para imaginar que estejam a falar sobre o mesmo tema.
Em primeiro lugar afirmar a necessidade de curar emoções passa a idéia de que elas sejam algo doentio. Em segundo lugar imaginar tantos traumas e sofrimentos atrozes causados por emoções revela pouco conhecimento sobre traumas reais e sobre o papel do sofrimento em nossa vida.
Não me refiro ao papel do sofrimento, mas a sua própria natureza e relação com a psique humana. Conhecer ou não conhecer a natureza e a razão do sofrimento pode mudar completamente nossa postura diante dele. E o que dizer sobre o sentido, o significado, que podemos elaborar ou não sobre o sofrimento em si? Viktor Frankl é mestre nisso, pois sobreviveu e saiu psíquica e espiritualmente ileso e até muito fortalecido de dois campos de concentração.
Emoções não são doenças. Só raramente tornam-se doentias e, então, sim, objeto de cura. Os sofrimentos experimentados nas primeiras fases da vida raramente comprometem o futuro desenvolvimento sadio da pessoa. Alguém gastar tinta e papel para afirmar que o simples corte do cordão umbilical pode causar traumas de rejeição é fruto de uma mente sem a luz da boa religião e da ciência.
Por enquanto, tenho que concluir que muitas orações de cura simplesmente não têm o que curar. Bons autores de espiritualidade falam em cura interior pela oração de contemplação, como fruto de longos anos, de paciente, pertinaz e disciplinado exercício de diálogo com Deus.