Frei Hipólito Martendal
Dificilmente você encontra alguém que nunca tenha perguntado a si próprio: “Para que viver”? “Quem é que determina se devo viver e como viver”?
Claro, para nós cristãos praticantes é relativamente fácil nos convencer de que Deus está por trás de nossa existência. Mas isso pode parecer às vezes uma ideia um tanto vaga e pouco prática em situações muito difíceis ou aparentemente absurdas.
Isso se observa especialmente em pessoas que são acometidas por sofrimentos muito intensos, prolongados e injustos. Afinal, fomos educados a pensar que Deus recompensa o bem e castiga o mal. Mas vemos tantas pessoas inocentes sofrerem tanto e morrerem tão precoce e estupidamente! Ouvimos dizer que Deus nos ensina a sermos desapegados das coisas materiais, mas vemos os ricos viver tão bem e nossos pobres a carregarem o fardo tão pesado de uma existência sem horizontes e destituída de esperança… Um rabino judeu de nossos dias – não me recordo do primeiro nome – Kushner, duramente atingido pela dor, escreveu um livrinho magnífico com o título: “Quando coisas ruins acontecem às pessoas boas”.
Nós, cristãos, podemos aprender muito com este patrício de Jesus. O que estou tentando dizer é que nem sempre encontramos uma resposta pronta e suficiente para certas situações da vida em nossas crenças religiosas. Às vezes é necessário entender com a cabeça, racionalmente, para o coração poder aceitar. Nossa PAZ pode depender isso. E mais, até para não cairmos na tentação de desistir de viver, ou entregar-nos à amargura e à revolta, podemos necessitar de uma resposta nossa. Por outro lado, não podemos esquecer que constantemente somos levados a identificar sinais que possam indicar que a vida deste ou daquele vale a pena. Esses sinais quase sempre vão na direção do sucesso, do bem-estar, das realizações de projetos e sonhos, da vida rica de bons laços de amor e amizade. .. Mas, quando tudo isso nos faltar? Já disse que nem sempre a religião nos dá respostas suficientes. Mesmo assim preciso reafirmar que o sentido das coisas importantes da vida é tão importante e fundamental que dele pode depender eu conseguir viver ou entregar-me à morte.
E onde é que vamos encontrar resposta para tantas perguntas tão angustiantes? Vamos encontrá-la justamente em Deus. Acontece, contudo, que estamos mais ou menos acostumados a procurar respostas na Palavra de Deus dirigida aos profetas, apóstolos ou ao próprio Jesus. Acabamos nos esquecendo que Deus, como acontece conosco, os seres humanos, muitas vezes fala mais por atitudes do que por palavras. De todas as atitudes que Deus poderia tomar em relação a nós, a mais fantástica é a de se encarnar. Este é um gesto histórico, definitivo, eterno. Nosso PAI ETERNO quer que nós o chamemos pelo nome de EMANUEL, ou seja, DEUS -CONOSCO.
Meus caros leitores, isto faz com que os homens sejam realmente nivelados, mas nivelados por cima. A partir desta descoberta fundamental, todas as circunstâncias, todos os pontos de referência tornam-se relativos e sem significado. O PAI ETERNO ama qualquer ser humano em qualquer situação, pobre, ou rico; com pós-doutorado nas melhores universidades, ou ignorante; e, pasmem, santo ou pecador. No Natal de Jesus descobrimos que vale a pena viver como humanos em qualquer situação. Se não conseguirmos realizar grandes coisas, “Deus faz menós maravilhas”; se não conseguirmos conquistar glórias na terra, Deus conquista para nós o CÉU; se não conseguirmos amar todas as pessoas que gostaríamos, Deus ama a elas por nós; se não conseguirmos nos santificar – por nossas fraquezas e pecados – Deus nos santifica graciosamente…
Por isso, os antigos diziam que o AMOR é como o fogo que destrói ou separa toda a sujeira do ouro que aspira sempre ser puro.
Trata-se de aprofundar a ideia de que em nosso Deus podemos construir uma vida mais cheia de sentido, mais humana e mais feliz. Lá, eu dizia que no Natal descobrimos que Deus quer ser gente com a gente e viver com a gente, cooperar com a gente, preencher e suprir tudo o que nos falta por nossas limitações e fraquezas. Dizia também que as atitudes que Deus toma conosco podem ensinar-nos ainda mais que suas palavras. Vamos agora, na mesma linha de pensamento, ver o que podemos aprender de Deus na Quaresma e Páscoa. Na Quaresma, temos a lição mais difícil.
Todo ser humano adora a ideia de grandeza, de conquistas e grandes realizações. Se ele pessoalmente não tem tão grandes aspirações por saber que é pequeno, fraco e pertencer à classe do povão, pelo menos imagina que seus heróis devem ser grandiosos e fantásticos. Ora Jesus começara sua vida pública, embora como alguém do povo, com dois traços de grandeza. Era detentor de um poder pessoal impressionante e realizava milagres com uma facilidade estonteante. Isto incendiou de tal forma as fantasias e as esperanças do povo, a ponto de Jesus ter de fugir, pois queriam agarrá-lo e fazê-lo Rei à força (Jo 6,15). Aí, vem a difícil lição. Para chegar à grandeza é preciso antes fazer-se pequeno, servir e passar até pela cruz, se o amor ao irmão e a justiça assim o exigirem. E Jesus toma resoluto o caminho de Jerusalém.
E nós chegamos à Quinta-Feira Santa. Aí vem a lição do serviço falada e vivida por Ele no Lava-pés. Ele, o Mestre e Senhor lava os pés até de Judas. É fácil a gente prestar serviços até humildes à pessoa pela qual estamos apaixonados. Mas, lavar os pés de um Judas… Serviços prestados, havia agora condições para a comunhão de irmão com irmão em Cristo-Pão e por Cristo-Amor. E a Ceia é realizada. Laços de amor fecham-se. Mas no grupo, um não se sente bem. “Quanto a Judas, tendo tomado o bocado, saiu imediatamente: era noite” (Jo 13,30). Serviço, comunhão e amor exigem coerência. Não existe espaço para mentiras, falsidades ou segundas intenções. Jesus não precisou expulsar Judas, como estou convencido que Deus não tem necessidade de excluir ou castigar ninguém. A experiência de comunhão e a descoberta do amor de Deus colocam o homem no seu devido lugar.
Comunhão supõe convergência de qualidades básicas: pureza de intenções, limpidez do olhar, autenticidade em cada gesto, em cada contato. Por isso, os antigos diziam que o AMOR é como o fogo que destrói ou separa toda a sujeira do ouro que aspira sempre ser puro. Tendo vivido profundamente estes momentos tão fortes, Jesus começa a falar em sua glorificação e a do Pai. Para nós parece loucura, pois quando a cruz se torna uma certeza já palpável, Jesus fala em glória. Só o herói, só o vencedor é glorificado. Passado por esses momentos mágicos de serviço-amor-comunhão-fraternidade, Jesus podia intuir o verdadeiro objetivo, o significado único e inquestionável de sua existência e do viver de cada um de nós: amar e dar até a vida pelo amado. “Ninguém tem maior amor do que dar a vida por seus amigos”, disse Ele.
E, então, Jesus encontrou sentido para seu drama: paixão e morte para o AMOR triunfar. A lenda diz que Prometeu conquistou o fogo para o uso dos humanos e que Hércules realizou doze tarefas impossíveis para nós. Gengis Khan conquistou o maior império de todos os tempos. Poderíamos citar muitos outros nomes de heróis que produzimos. Mas Jesus realizou obra infinitamente maior. Tornou o Amor acessível a cada um de nós. Mostrou que só o Amor dá sentido à nossa existência. Revelou que seu Pai e nosso Pai e o AMOR são da mesma natureza. Por isso podia afirmar: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vai ao Pai a não ser por mim” (Jo 14,6). Vida sem amor não é vida. Vida com amor torna-se imortal como o AMOR é imortal e eterno como o próprio Deus. Isto é Páscoa, é ressurreição, é o Homem novo de Jesus. Unidos a Ele no serviço, na comunhão fraterna e na cruz somos mulheres novas, homens novos, imortais.