Depois de elaborar algumas reflexões teológicas cabe-nos perguntar: Finalmente, qual foi a intenção originária de Jesus? Para além de anunciar o Reino, podemos responder: Foi o Pai nosso.
Dizemos que o Pai nosso e o Pão nosso constituem a ipsissima vox Jesu, quer dizer: a própria voz de Jesus. Por que ousamos afirmar isso?
Porque no Pai nosso não encontramos nada daquilo que para a Igreja posterior é importante: Jesus mesmo como Salvador, sua morte e ressurreição, a Igreja, o credo, os sacramentos e os dogmas. Não se fala nada disso. Para Jesus, isso não é o mais importante. O importante e essencial é: o nosso Deus-Abba e seu Reino, e o Pão nosso de cada dia, que atende às necessidades dos humanos.
Esse é o mínimo do mínimo da mensagem de Jesus. Se alguém perguntar: O que Jesus quis, finalmente? Devemos responder: Ele quis trazer o Reino de Deus, que sentíssemos Deus como um Paizinho querido (Abba) com características de Mãe: portanto, o Pai nosso. E que buscássemos o Pão nosso. Observemos, ele não diz “o meu Pai”, mas o “Pai nosso”. Não diz “o meu Pão”, mas o “nosso Pão”. Com essa formulação Jesus supera todo intimismo e individualismo, colocando no centro a comunidade. Esta é a ipsissima intensio Jesu; traduzindo: esta é a intenção originária de Jesus. Tudo o mais é comentário.
Assim o Pai nosso vem ao encontro das três fomes fundamentais e inarredáveis do ser humano:
- Um encontro com Alguém bom que me acolha como num seio, que lhe significa aconchego e alegria de viver. Esta fome por Alguém é o nosso Paizinho de bondade (Abba).
- A outra é a fome infinita que nunca se sacia, o sonho de um sentido pleno para a vida, para a história e para o universo. Ela vem sob o nome de Reino de Deus, o sonho sonhado e pregado por Jesus de uma revolução absoluta e de um fim bom para todas as coisas.
- Ainda há uma outra fome, uma fome que se sacia, mas sem a qual não podemos viver; é o Pão nosso. Sem essa base material perde-se o sentido de falar do Pai nosso e do Reino, pois um cadáver não tem religião nem invoca o Pai nosso nem espera pelo Reino.
Como se depreende, Jesus formula sua mensagem baseada nas buscas e nos anseios mais profundos do ser humano. Dá-lhes uma resposta por todos compreensível, extremamente humanitária.
Se olharmos bem, a oração articula os dois impulsos radicais do ser humano: o impulso para cima, para o universo e para Aquela Fonte Originária que tudo criou, para o Pai nosso. Ao mesmo tempo, articula o impulso para baixo, para a Terra e para o Pão, sem o qual ninguém vive.
A causa do Pai – o Reino – e a causa humana – o Pão – se convergem. Só se encontra na herança de Jesus quem mantém sempre unido o Pai nosso ao Pão nosso. Então, pode-se dizer Amém.
NOTAS:
- Os grifos/negritos são meus.
- O texto acima foi retirado do livro “Reflexões de um velho teólogo e pensador”, Leonardo Boff, Editora Vozes, 2018.
- O livro mencionado é um balanço/síntese da vida e teologia deste grande mestre quando completou os seus 80 anos.
- Esse texto que eu copiei do livro pode ser compreendido (e aprofundado) num contexto maior onde ele trata de inúmeros temas essenciais da fé cristã. Destaco, sobretudo, o 9º e último capítulo do livro: Espiritualidade, o profundo do ser humano.
Frei Régis G. R. Daher