Pe. Ademir Guedes Azevedo, cp
A vida cristã necessita de um novo pentecostes. Deve passar por um processo de conversão para reconciliar-se com o essencial de sua fé. Para isso, terá que confrontar-se com uma tradição fortíssima que se consolidou ao longo dos séculos. Desde que fez pacto com Constantino, mesmo pensando que estava crescendo e ficando frondosa porque ocupou os mais diversos territórios e fronteiras, não desconfiava que caminhava para o seu declínio e falta de credibilidade. Aos poucos foi esquecendo-se do que possuía de mais genuíno: o Evangelho da Liberdade. Só esse será a bússola para descobrirmos o movimento do Espírito e mergulharmos na Tradição de Jesus.
A nova era do Espírito emergirá de modo fantástico quando os escravos se derem conta que são chamados à liberdade. E nós somos estes escravos. Pensávamos que seriamos livres com a política, mas essa se corrompeu e não levou a cabo os nossos sonhos. Acreditávamos que a tecnologia nos daria asas de águia, mas essa roubou nosso livre-arbítrio com os seus ritos que seguimos piedosamente, dia após dia, e não sabemos mais como sair desse labirinto.
O mais assustador é que nos tornamos escravos de nós mesmos: das contínuas exigências que nos impomos com a ideia de que devemos produzir. Não conseguimos mais parar e estamos cansados de nós mesmos. Ao final do dia o homem pós-moderno atormenta-se com os seus próprios pensamentos de desempenho e, quando dar-se conta que seu vizinho logrou êxito primeiro do que ele, então entra em depressão e pânico, sentindo-se um fracassado.
Aquelas velhas respostas religiosas da grande tradição parecem não serem mais o suficiente para darem conta do problema da vida do homem de hoje. São eruditas, metafisicamente e logicamente bem articuladas, mas quem as entenderá? O novo movimento do Espírito parece partir de uma forma mais simples de razão. Sem metarrelatos e sem deduções invasivas que atropelam as formas de vidas locais, o novo sopro do Espírito ressoa por outros recantos e só aqueles que almejam ser livres podem de fato detectá-lo.
Na encantadora obra Vocação para a liberdade, Comblin defende que o Evangelho da Liberdade, ou seja, toda a vida de Jesus, é a única luz que poderá iluminar-nos nesta jornada. Temos que entender como Jesus o viveu e, para ilustrar isso, Comblin parte de uma premissa fundamental: “os atos de Jesus não eram políticos, mas sim messiânicos.” Aquele jovem galileu não pensou sua vida a partir da política de seu tempo, pois sabia que essa sempre triunfava quando vencia um outro poder. Não valeu-se do poder. Sua vida se desenvolveu a partir de um universo messiânico e não político. Ele não queria um exército, nem pretendia massacrar ninguém para cumprir a sua missão.
O que significa então dizer que os atos de Jesus não eram políticos, mas sim messiânicos? Ele conhecia bem a história de Israel, a lei e os profetas. Deu-se conta que nenhum personagem anterior a Ele, conseguiu alcançar a mais perfeita de todas as maravilhas: a liberdade. Justo aqui, Jesus não almejou outra coisa senão ser livre. E ele empenhou toda a sua vida nisso, por isso nem mesmo os preceitos da lei conseguiam barrar essa sua paixão. Ele foi tão intenso que em seus três anos de ministério entregou-se a vida e a vida o levou à morte tão depressa que nem sequer teve tempo para pensar. Sua liberdade estava no serviço ao próximo. Ele abriu seu coração ao grito dos escravos: doentes, endemoninhados, rejeitados, leprosos (não somos nós também feitos escravos hoje?). Sendo livre em ajudá-los e amá-los, pois não conseguia pensar em outra coisa, entrou em conflito com as autoridades. Onde a lei colocava um limite, ele era ousado em transgredi-la em nome da vida. Sua liberdade foi até onde o amor podia ir. Sua liberdade não vencia um poder e inaugurava um outro, pelo contrário, subvertia o poder e instalava a compaixão. Jesus não anunciava uma doutrina metafísica forte em seus lábios, como fazem as grandes tradições religiosas. Ele era dócil e acolhedor. Sua razão cordial não feria ninguém, mas oferecia aconchego e esperança a todas as pessoas cuja condição dava testemunho do estado de escravo.
Jesus, liberdade e libertação, lançou um apelo para que cada um se converta e mergulhe no Evangelho da Liberdade. Ele chamou os discípulos a serem livres e tal liberdade só se alcança se, diante do sofrimento dos escravos, nós nos sentimos atraídos para ajudá-los e amá-los. Jesus quis exatamente isso: cada um deve ser autônomo na compaixão que não deixa ninguém passar despercebido. O sacerdote e o levita da parábola não eram livres, deixaram-se conduzir pelas leis da religião. Mas o samaritano, esse sim entendeu o Evangelho da Liberdade, pois era atraído pelo sofrimento dos escravos.
O Evangelho da Liberdade, sinal da nova era do Espírito (novo pentecostes), abre as novas veredas por onde a vida cristã deverá percorrer, se ainda almeja ser uma mensagem relevante para o mundo de hoje.
Pe. Ademir Guedes Azevedo, cp, é missionário passionista e mestre em Teologia Fundamental na Pontifícia Universidade Gregoriana. Atualmente reside em Camaragibe – PE, no Seminário para a etapa do Postulantado dos Passionistas.