Leonardo Boff (*)
Na compreensão dos grandes cosmólogos que estudam o processo da cosmogênese e da biogênese, a culminância desse processo não se realiza no ser humano. A grande emergência é a vida em sua imensa diversidade e àquilo que lhe pertence essencialmente que é o cuidado. Sem o cuidado necessário, nenhuma forma de vida subsistirá (cf. Boff, L., O cuidado necessário, Vozes, Petrópolis 2012).
É imperioso enfatizar: a culminância do processo cosmogênico não se dá no antropocentrismo, como se o ser humano fosse o centro de tudo e os demais seres só ganhariam significado quando ordenados a ele e ao seu uso e desfrute. O maior evento da evolução é a irrupção da vida em todas as suas formas, também na forma humana.
O conhecido cosmólogo da Califórnia, Brian Swimme, afirma em seu livro The Universe Story: “Somos incapazes de nos libertar da convicção de que, como humanos, nós somos a glória e a coroa da comunidade terrestre e perceber que somos, isso sim, o componente mais destrutivo e perigoso dessa comunidade”. Esta constatação aponta para a atual crise ecológica generalizada afetando o inteiro planeta, a Terra.
Os biólogos descrevem as condições dentro das quais a vida surgiu, a partir de um alto grau de complexidade e, quando esta complexidade se encontra fora de seu equilíbrio, impera o caos. Mas o caos não é apenas caótico. É também generativo. Gera novas ordens e várias outras complexidades.
Os cientistas não sabem definir o que seja a vida. Ela é a emergência mais surpreendente e misteriosa de todo o processo cosmogênico. A vida humana é um subcapítulo do capítulo da vida. Vale enfatizar: a centralidade cabe à vida. A ela se ordena a infra-estrutura físico-química e ecológica da evolução que permite a imensa biodiversidade, dentre ela, a vida humana, consciente, falante e cuidante.
A vida é entendida aqui como auto-organização da matéria em altíssimo grau de interação com o universo e com o tudo que se encontra à sua volta. Cosmólogos e biólogos sustentam: a vida comparece como a suprema expressão da “Fonte Originária de todo o ser” que para nós é outro nome, o mais adequado, para Deus. Ela não vem de fora mas emerge do bojo do processo cosmogênico ao atingir um altíssimo grau de complexidade.
O prêmio Nobel de biologia, Christian de Duve, chega a afirmar que, em qualquer lugar do universo, quando ocorre tal nível de complexidade, a vida emerge como imperativo cósmico (Poiera vital, Rio de Janeiro 1997). Nesse sentido, o universo está repleto de vida.
A vida mostra uma unidade sagrada na diversidade de suas manifestações pois todos os seres vivos carregam o mesmo código genético de base que são os 20 aminoácidos e as quatro bases fosfatadas, o que nos torna a todos parentes e irmãos e irmãs uns dos outros. Cuidar da vida, fazer expandir a vida, entrar em comunhão e sinergia com toda a cadeia de vida e celebrar a vida: eis o sentido do viver dos seres humanos sobre a Terra, também entendida como Gaia, superorganismo vivo e nós, humanos, como a porção de Gaia que sente, pensa, ama, fala e venera.
A centralidade da vida implica concretamente assegurar os meios de vida como: alimentação, saúde, trabalho, moradia, segurança, educação e lazer. Se “estandartizássemos” a toda a humanidade, com os avanços da tecnociência já alcançados, teríamos os meios para todos gozarem dos serviços com qualidade que hoje somente setores privilegiados e opulentos têm acesso.
Até hoje o saber foi entendido com poder a serviço da acumulação de indivíduos ou de grupos que criam desigualdades, portanto, a serviço do sistema imperante, injusto e desumano. Postulamos um poder a serviço da vida e das mudanças necessárias e exigidas pela vida. Por que não fazer uma moratória de investigação e de invenção em favor da democratização do saber e das invenções já acumuladas pela civilização para beneficiar os milhões e milhões destituídos da humanidade?
Enquanto isso não ocorrer, viveremos tempos de grande barbárie e de sacrifícios do sistema-vida, seja na natureza seja na sociedade mundial.
Este constitui o grande desafio para o século XXI. Ou podemos nos autodestruir, levando junto grande parte da biosfera, pois construímos já os meios para isso ou podemos também começar, finalmente, a criar uma sociedade verdadeiramente justa e fraternal junto com toda a comunidade de vida.
(*) Leonardo Boff é teólogo e filósofo e escreveu: Ecologia: grito da Terra-grito dos pobres, Vozes 2015.