Pe. Ademir Guedes Azevedo, cp
O Evangelho de São Lucas (16,19-31) apresenta um rico opulento e um pobre, chamado Lázaro, que mendigava à sua porta. O texto diz que o miserável homem alimentava-se das migalhas que caiam da mesa do rico. Sabemos que o nome Lázaro significa “Deus ajudou”. Na verdade, Lázaro representa aqueles que são desfrutados, esquecidos, que não são vistos, que já não têm força para trabalhar (o pobre estava sentado no chão), são aqueles transformados por nós em personagens banais, ou seja, nós os vemos, mas são indiferentes ao nosso olhar. Lázaro neste mundo está realmente sozinho, sem eira nem beira.
No entanto, não podemos dizer o mesmo em relação a preocupação de Deus para com ele. Trata-se de uma outra lógica. Vamos usar nossa imaginação e refletir que toda iniciativa divina consiste em libertar o homem de sua condição lazarenta. Toda a história de salvação segue esta dinâmica. Assim, feito escravo no Egito, ao pobre Lázaro (os hebreus) lhe restou apenas a força para gritar. Seu grito chegou aos ouvidos de Deus, e este desceu para libertá-lo do maldito fardo que pesava sobre os seus ombros, através da guia de Moisés. Tantas vezes na dureza do deserto, Lázaro duvidou desta libertação e buscou outros amores. Mas o Amado o conduziu outra vez ao deserto (Os 2,14) para falar-lhe ao coração, como esposo que não quer ser mais traído por sua esposa.
Lázaro está vulnerável não apenas à fome, à sede, ao sol, à chuva, mas sobretudo à maldade sem limites dos impérios deste mundo. Assim foi em relação a Babilônia, no exílio. Contudo uma coisa é certa: o pobre massacrado pela bota dos grandes aprendeu a colocar a sua esperança na chegada do dia de Deus. Os profetas já o anunciavam. Foi esperado como dia glorioso, onde todos comeriam juntos, sem desigualdades, seria de plena harmonia e, sobretudo, de Justiça e de Paz.
Passaram-se séculos até que todas as profecias se cumprissem. E o próprio Deus, para subverter os sábios e inteligentes deste mundo, escolheu assumir uma vida lazarenta para estar ao lado de todos os lázaros da história. Exatamente, foi pela via da contramão que aconteceu o total aniquilamento e Kénosis divina: Deus feito homem. Mas tudo com um único objetivo: para elevar os Lázaros. Quem podia imaginar isso? Mas foi assim mesmo: não veio pelos palácios nem em berço de ouro, não foi em nenhuma loja com pisca pisca, nem foi trazido por nenhum velhinho de barba branca. O certo é que os pagãos, aqueles que não pertenciam a casta dos doutores religiosos, e um grupo de pastores tidos como homens de mã fama (também lázaros) foram os primeiros a procurá-lo guiados por uma estrela para adorá-lo.
No grande centro do poder estava Herodes preocupadíssimo com toda esta história. Quando não satisfazia seu egocentrismo apelava para a morte violenta e assim muitos morreram sem merecer. Não foi a toa que Flávio Josefo o descreveu como impiedoso também com seus soldados. O mesmo historiador acrescenta que todo seu ódio incontrolável lhe custou um tumor no estômago. Quem diria que Lázaro, fedorento e faminto, poderia incomodar tanto os poderosos que sempre lhe humilharam com os grandes banquetes e com as altas taxas de impostos?
Natal sem Lázaro não passa de um conto de fadas. Deus se aniquilou para redimir toda vida lazarenta da história. Mesmo que não queiramos admitir, mas esta é a pura verdade: o nascimento de Jesus foi primeiramente para os lázaros que estão caídos pelo chão, nos porões escuros da humanidade.
Chegamos a nosso século e, infelizmente, estamos ainda presenciando uma vida lazarenta porque não fomos suficientemente colaboradores fiéis de Deus. Herodes continua com seus herdeiros: fechando as fronteiras para humilhar os imigrantes, propagando ameaças aos povos nativos com a calúnia de serem terroristas. Sem contar a persistência por um discurso de ordem e progresso sem o respeito pelas diferenças lazarentas. A herança de Herodes parece avançar sem piedade. Onde será que Lázaro nascerá primeiro? Quem terá a alegria de escutar seu choro na noite? Seriam os herodes nos seus palácios que vomitam de tanto comer? Seriam os protagonistas de uma religião burguesa que se reúnem para trocar presentinhos, mas não abrem as portas para levantar o pobre Lázaro do chão? Duvido que isso seja Natal!
Chegou o tempo de sermos mais humildes. Reconhecermos nossa condição lazarenta para sermos mais solidários e humanos. Abrir as nossas portas, darmos o melhor espaço a Lázaro e empenharmo-nos por um mundo sem Herodes. Isso sim nos fará rejubilar de esperança quando ouvirmos mais uma vez a Palavra de Deus: “Não tenhais medo! Eu vos anuncio uma grande alegria, que será também a de todo o povo: hoje, na cidade de Davi, nasceu para vós o Salvador, que é o Cristo (Lázaro!) Senhor” (Lc 2,10). Tenhamos todos um feliz natal, mas sem esquecer dos lázaros!
Pe. Ademir Guedes Azevedo é missionário passionista e mestrando em teologia fundamental na Pontifícia Universidade Gregoriana.