Frei Hipólito Martendal
Isaías e João Batista
O profeta Isaías sonhava apenas com uma restauração do Reino de Israel que teria para sempre um chefe segundo o coração de Javé. Como uma grande luz, esse Rei-Messias exerceria uma positiva influência sobre todos os povos da Terra. Imaginava uma grande paz, uma ordem universal que atingiria a natureza como um todo. Até os animais selvagens teriam seus hábitos e instintos modificados. Não haveria mais animais carnívoros e predadores. Ursos e leões virariam vegetarianos (Is 11, 1-9).
João Batista vê no sonho de Isaías começar sua concretização em Jesus (Lc 3, 4-6; Mt 3, 1-12). Proclama: “O Reino de Deus está próximo”.
Então, Jesus seria simplesmente a encarnação desse Messias (= o Enviado) e inauguraria esse novo período, esse novo tempo da História? Claro, isso por si só já seria uma grande alegria para toda gente (Lc 2, 10-14). Pois, um Reinado de alguém que organizasse e governasse a convivência e as relações entre todas as pessoas, conforme o coração de nosso Pai do Céu, já seria uma indiscutível felicidade para toda a humanidade, principalmente para os mais sofridos e marginalizados.
Por isso, Jesus se apresenta a si próprio como aquele que encarna outra visão de Isaías (Is 61,1). Começa exatamente anunciando a esperança aos pobres, aos doentes, aos presos! É a restauração da humanidade a começar da periferia para o centro. Ninguém deve se perder. “Nenhuma ovelha perdida da Casa de Israel deve perecer!”
O projeto do Reino de Deus abraçado por Jesus supera de longe o de Isaías. Ele quer que o Reinado de seu Pai deite raízes por todo o orbe e transforme toda a humanidade, num processo comparável à ação do fermento, transformador de toda a massa do pão (Mt 13,33).
O Reinado de Deus entre os humanos se caracteriza principalmente pela solidariedade de todos para com todos. Assim, nenhum membro da espécie humana pode ficar excluído ou marginalizado, a não ser que ele se auto-exclua e não queira participar. Contudo, mesmo que não queira entrar para o banquete, move o coração do Pai que, deixando todos os convidados, vai ao encontro do filho turrão, queixoso e acusador para convencê-lo a entrar (Lc 15, 25-32).
Aqui está o verdadeiro espírito de NATAL, acessível a todos.
Natal, vôos mais altos
Uma “simples” presença atuante e transformadora do Reino de Deus entre os homens já é algo tão extraordinário, que é impensável para quase toda gente. Sociedades humanas, lideradas por homens e mulheres de Deus, líderes messiânicos a exercer sua liderança-serviço, segundo o coração de Deus, gerariam já um homem novo real “imagem e semelhança de Deus”.
Mas Deus quer mais! Não se contenta em reinar sobre os humanos através desses líderes-messias e contemplar “lá do alto dos céus” a obra maravilhosa de seus filhos humanos, em tudo fazedores de sua divina vontade. Por isso, desde a eternidade, determina que “o Verbo se faça carne e habite entre nós” (Jo 1,14). O Pai não se contenta com um Amor-Salvação exercido sobre o ser humano à distância. Seu próprio Filho assume o papel de Messias, aceitando tornar-se um “Filho de Homem”. Para amar os humanos completamente, renunciou à sua condição divina (Fls, 5-7) e assumiu viver a experiência humana, igual a nós em tudo, sem qualquer outra vantagem, a não ser a de não se sujeitar ao pecado.
Aqui está a grandeza, o supra-sumo do NATAL. Deus não salva à distância. Seu Filho se insere como um enxerto preciosíssimo na velha cepa humana e gera o homem novo que vive segundo o coração do Pai Celeste.
Entre os mais belos exemplos da geração destes novos homens sobressai São Francisco, “o mais santo dos humanos e o mais humano dos santos”, no dizer de alguém. Seus biógrafos têm dificuldades para encontrar palavras adequadas que descrevam a alegria de São Francisco ao celebrar o NATAL. Ele sentia-se alguém gerado pelo enxerto-Cristo na cepa humana. Para Francisco nada mais no mundo podia ter qualquer valor, comparado a esse fato radical e básico, ser um com Cristo.
Enquanto a civilização do homem velho, não-crístico, prega a conquista da grandeza, da riqueza, fama e poder, Francisco a tudo renuncia e se põe a serviço dos mais pobres e miseráveis e deles se faz o menor e irmão, para recupera-los para Cristo e para realização da verdadeira dignidade de sua humanidade. Na verdade, Francisco intui que esses deserdados dos bens humanos estão mais próximos de Jesus, o “deserdado” da condição divina. Por isso é que Jesus e Francisco identificam-se mais a eles e os amam com loucura.
Caminhando pelo deserto em preparação para mais um NATAL, de alma leve e coração em festa, vamos cantarolando no silêncio: “Não quero gloriar-me a não ser no Senhor, que me deu a graça de segui-lo poder. Loucura aos olhos do mundo, pode ser.”