Frei Jacir Faria (*)
Certa feita, quando estive no Ceará, no Nordeste do Brasil, eu conheci o Natal. Ele era magro que dava dó. Esquelético, as costelas de Adão sobressaíam como uma boca aberta gritando por piedade. Também era pobre e silencioso, como o sertão que o acolheu. Eu lhe perguntei: “Natal, onde ocorreu seu nascimento?” E ele, com uma voz trêmula, respondeu-me: “Ocê num sabe? Foi aqui em Negras, neste sertão do Ceará”. Então pensei se não seria Belém o lugar do nascimento de Jesus, pois foi por Ele que Deus é e nos dá a Salvação? Não! Bem, mas estou mais inclinado a acreditar que Jesus nasceu mesmo foi em Nazaré, nome que significa ‘Aquela que guarda a encarnação’, que é Jesus. Porém, algo é certo: naquele momento, entendi que o nascimento do Salvador só podia ser ali mesmo, em Negras, lugar onde a luz do sol e as estrelas da noite de 24 de dezembro clareiam sem piedade. Onde não há neve nem o trenó do Papai-Noel do norte do mundo. Enfim, onde não há nada! Eu resolvi chamar esse homem de Natal. Não faz diferença! Conheço tantos homens com esse nome!
Negra e branca vida de quem passa fome e sede, à espera de Baltazar, Melchior e Gaspar, com suas ofertas de ouro, incenso e mirra para os grandes do lugar e alguns vinténs para os tantos Natais, estirados à beira do caminho. Pobre gente, gente pobre que nasceu em Negras, em Belém, nas cavernas e nas grutas escavadas nas rochas, nos morros das cidades violentas. Favelas, em que Deus edificou Sua morada, para anunciar e denunciar a eterna perseguição dos Herodes às crianças, que (coitadas!) nem ainda nasceram e já têm o atestado de óbito pronto. O primeiro escrivão que encontrar uma delas vai lhe entregar esse documento sem titubear.
Após os meios devaneios, arrisquei ainda outra pergunta: “Natal, qual é seu sonho?” E ele, de forma elegante (não sei por que cargas-d’água, em um lugar onde a lembrança da chuva é miúda), respondeu-me: “Eu quero ir para o Sudeste do Brasil”.
Naquele momento, eu me lembrei do também nordestino Luiz Gonzaga (1912-1989), o eterno Rei do Baião. Natural de Exu, no sertão de Pernambuco, quando estava no Sudeste, ele eternizou o sofrimento de seu povo com músicas inesquecíveis como Asa-Branca, ave que bateu asas do sertão porque faltava tudo. Foi também naquele momento que compreendi que o Natal queria renascer, ter a certeza de vida em outro lugar, em que a fartura, embora não sendo tão abundante para a maioria das pessoas, adia a morte das pessoas carentes. Ele queria vida. Mal sabia que esse sonho é também longínquo para tantos Natais que migraram para o Sudeste e continuam sem nascer.
Foi aí que, distante de minha terra, me veio à memória a lembrança de Fernando Sabino (1923-2004), um quase conterrâneo meu das Minas Gerais, do ainda Belo Horizonte. Certa feita, esse poeta disse: “Quando eu era criança, os mais velhos perguntavam: ‘o que você quer ser quando crescer?’ Agora que sou grande e velho, já não me fazem esta pergunta. Se ela me fosse feita novamente, eu responderia que gostaria de ser menino”. É também dele a frase: “Quando eu morrer, quero me encontrar com São Francisco de Assis. Eu serei tão íntimo dele, que ele me chamará de Nandinho e eu o chamarei de Chiquinho”.
Sonha Fernando, sonha Natal de Negras, que um dia o mundo será melhor. O Natal nascerá de novo. São Francisco de Assis (1182-1226), aquele que criou o presépio para perpetuar o Natal de Jesus, continua nos ensinando a arte de viver e conhecer a celebração natalina do mistério e da encarnação. Eterno mistério, perene fascínio. Natal é ser a criança de Sabino, a asa-branca sonhadora de Gonzaga, a quimera impossível do pobre de Negras. Sonha Fernando, sonha Natal de Ne- Também é Jesus renascendo em Belém, em Nazaré, em toda a humanidade, ávida de justiça e fraternidade universal. Enfim, Natal é Natal! Não sei mais o que dizer…