Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

A mensagem dos Santuários

02/07/2006

                                                                                                                                                Imagem: Santuário della Verna

Frei Alberto Beckhäuser, OFM 

Em 1968 comecei a refletir sobre o fenômeno dos Santuários e sua Pastoral. Foi publicado na REB (Revista Eclesiàstica Brasileira) um artigo meu com o tìtulo: Os Santuários, Manifestações do Mistério de CristoDe várias maneiras continuei depois este trabalho de assessoria à Pastoral dos Santuários.

Enquanto isso, começou-se a refletir e a escrever sobre o fenômeno das peregrinações a Santuários em nível de Igreja. Foi constituìdo um Conselho Pontifìcio para a Pastoral da mobilidade humana, incluindo o turismo e as peregrinações e santuários. A partir dos anos de 1980 esse Conselho (ou Secretariado) produziu uma série de documentos sobre o fenômeno das Peregrinações e Santuários. Além disso, tem realizado Congressos Internacionais e Regionais sobre o tema. Tive a graça de participar de dois deles, o internacional em Roma e o Reginal em Quito, no Equador. Hoje em dia a Pastoral dos Santuários possui uma boa organizaçào, levando a uma atuação bastante eficaz neste novo campo de evangelização.

Gostaria de deixar aqui algumas considerações sobre a questão dos Santuários, em gratidão pelos meses passados aqui no Eremo delle Carceri, em Assis e, quem sabe, como pequena contribuição para a reflexão sobre o sentido dos diversos Conventos franciscanos dos lugares “santificados” pela passagem de Francisco de Assis na Úmbria e na Itália.

1. Peregrinações e Santuários

Os conceitos peregrinação e santuário andam intimamente unidos. O destino da peregrinação é o santuário. O ser humano é peregrino por natureza. Desde o primeiro passo ao por-se de pé, o homem no quer mais parar de andar. É o homo viator, o homem que caminha, o homem a caminho para o infinito, a caminho para o Absoluto, a caminho até repousar em Deus. O destino que ele busca no seu caminhar é o espaço do Infinito. Este espaço do Absoluto, do Infinito, de Deus é simbolizado pelo Santuário, isto é, o espaço da imortalidade, o espaço do Santo, o espaço de Deus.

O fenômeno do santuário ou do espaço do divino é um fenômeno universal. Está presente nas Religiões naturais primitivas e nas grandes Religiões atuais. Este fenômeno desde as origens tem um caráter religioso.

Assim também na Religião cristã, muito cedo surgiram as peregrinações a lugares considerados santos, os lugares das origens da fé cristã. São três os grandes Santuários e três os caminhos:

– O Sepulcro vazio de Jesus Cristo: – Temos, antes de tudo, o Santo Sepulcro vazio de Jesus Cristo, em Jerusalém, juntamente com outros lugares consagrados pela presença do Filho de Deus sobre a terra. Daí a “peregrinação” a Jerusalém, ao Santo Sepulcro. Peregrinar significa propriamente andar a pé através dos lugares cultivados, os “agri”, atravessar os campos.

– Os túmulos dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo, em Roma: – A visita aos túmulos dos Apóstolos Pedro e Paulo, as duas colunas da Igreja, tornou-se tradicional na Igreja e foi enriquecida com indulgências e bênçãos jubilares. A peregrinação a Roma foi chamada “romaria”.

– O caminho de Santiago: São as peregrinações a São Tiago de Compostela, na Espanha, no “finis orbis”, no Extremo da terra. Esta peregrinação é denominada “o caminho” de Santiago.

Modernamente, a partir da Idade Média, foram surgindo outros lugares de peregrinações, outros lugares de graça, sobretudo, dedicados a Nossa Senhora. No Brasil, temos Santuários de Jesus Cristo, em geral, do Senhor Bom Jesus, de Nossa Senhora (a grande maioria) e dos Santos (o sendo mais notável o Santuário de São Francisco de Canindé, no Cearà). Notáveis são os Santuários de Nossa Senhora de Lourdes, de Nossa Senhora de Guadalupe, de Nossa Senhora de Fátima, de Nossa Senhora Aparecida, no Brasil e de Nossa Senhora da Penha, em Vila Velha, perto de Vitória, no Espírito Santo, também no Brasil.

2. Surgimento de um Santuário

A existência de um Santuário não acontece por decreto. Ele acontece por iniciativa dos fiéis, ao descobrirem a presença e a ação especial de Deus, de Jesus Cristo, de Virgem Maria ou de outros santos, por obra de Deus.

O que desperta a peregrinação a lugares determinados de especial presença de Deus, são elementos topográficos capazes de simbolizar a presença do Absoluto, do Santo, do Sagrado, como montanhas, rios, grutas, igrejas e, sobretudo, túmulos dos pais e mães da fé. Além dos elementos topográficos temos também fatos de manifestação do Sagrado, do Santo. Podem ser milagres, fatos maravilhosos como aparições ou visões. Muitas vezes, se trata de meras visões subjetivas, mas que com o tempo despertam a frequência ao lugar. Tornam-se lugares de peregrinação ou “romaria”. Temos um exemplo típico no Santuário Nacional de Nossa Senhora Aparecida, no Brasil. No fundo verificamos um fato maravilhoso, milagre ou não, não importa. O povo começa a rezar, a se reunir. Torna-se lugar de conversão, de obtenção de graças, transforma-se em lugar de peregrinação, em Santuário. Depois, a Igreja o declara como tal. Existem santuários que nunca foram declarados ou reconhecidos como tais, mas que o são de fato.

3. Mensagem do Santuário

Deus fala, Deus revela sua mensagem não só pela Palavra ou pelos ministros da Igreja. Deus tem muitas maneiras de falar à humanidade. Fala através da criação, fala através de acontecimentos e fala através de lugares, onde sua presença e ação se manifestam intensamente.

Dupla é a mensagem de cada Santuàrio:

 3.1. A mensagem de todo Santuário: – Na mensagem comum a todos os Santuários podemos descobrir vários aspectos.
Assim, certos aspectos do mistério de Cristo e da Igreja não se expressam com facilidade na vida ordinária do cristão em sua comunidade paroquial, como por exemplo, o mistério do homem peregrino, do homem a caminho para o caso do Pai, o Cristo peregrino no próprio mistério da Encarnação, a Igreja peregrina. Depois, a Igreja como Igreja universal que se estende por todo o mundo, que vai além da Comunidade paroquial, da Igreja local. A peregrinação a um santuário leva o ser humano a viver a dimensão escatológica da própria vida, da Igreja e de toda a humanidade. O Santuário manifesta de modo intenso o lugar do Divino, o lugar do Sagrado, o espaço de Deus. Um quarto aspecto é o da penitência ou da conversão. Peregrinar exige o sair de si, a renúncia a si mesmo, exige disciplina, esforço. Peregrinar exige partir, exige deixar, exige uma atitude de êxodo. Depois, realiza-se o confronto com o Divino, com o Sagrado simbolizado no Santuário. Pela experiência do espaço do sagrado, do santuário, acontece normalmente a conversão. E quantas conversões não acontecem nas peregrinações aos santuários!

3.2. A mensagem própria de cada Santuário: Além da mensagem comum a todo santuário, cada santuário apresenta uma mensagem própria. Tal mensagem pode ser marcada por elementos topográficos e\ou acontecimentos históricos. Terão uma mensagem própria, conforme forem santuários ligados a Deus (por exemplo, o Santuário do Divino Pai Eterno, em Trindade, perto de Goiânia, Brasil), ou revelarem mistérios de Cristo, de Maria ou de algum Santo (Os Príncipes dos Apostolos, Pedro e Paulo, São Tiago, São Judas Tadeu, São Francisco, Santo Antônio, Santa Rita de Cássia).

Nos Santuários de Nossa Senhora temos ainda a mensagem específica, conforme as diversas Invocações à Mãe de Deus. O que vale também em relação aos Santos, particularmente, a São Francisco de Assis.

4. Mensagem dos Santuários Franciscanos

Penso aqui nos lugares por onde passou São Francisco de Assis, o “alter Christus”, o homem evangélico, particularmente na Itália.

Podemos enumerar alguns lugares franciscanos que no decorrer da história se transformaram em verdadeiros santuários:

Parece-me que o santuário mais rico e forte, na expressão da totalidade do carismo franciscano sejaSanta Maria dos Anjos, a Porciúncula.
Depois:

São Damião, em Assis;
– O Eremo delle Carceri, em Assis;

Os quatro Santuários no Vale de Rietti:

– Greccio;
– Fonte Colombo;
– La Foresta
– Poggio Bustone.

Cada um desses lugares franciscanos no Vale de Rietti lembra e, por isso mesmo, recorda ou celebra um aspecto da mensagem ou da Forma de Vida de São Francisco:

Greccio, o mistério da Encarnação;
Fonte Colombo, a Forma de Vida Evangélica, Francisco, o novo Legislador;
La Foresta parece que está ligada à certeza da salvação;
Poggio Bustone, estaria ligado à dimensão missionária da Forma de vida franciscana.
O Alverne, o mistério da Cruz.
Entre os santuários franciscanos vale a pena lembrar ainda:
A Basílica de São Francisco sobre o tùmulo de São Francsico, em Assis.
Il Sacro Specco, di Narni.

           5. Topografia franciscana

Para compreendermos a riqueza da mensagem de São Francisco de Assis precisamos entrar no sentido da topografia da espiritualidade de São Francisco:

– a planície, significando a sociedade, o mundo a ser evangelizado, a promoção de uma sociedade sempre mais justa e fraterna; é também símbolo do amor fraterno, da fraternidade e do não-casamento pelo Reino de Deus (castidade celibatária que gera a fraternidade).

– a montanha, o ideal a buscar, Deus, a busca do sentido de toda a existência; é também símbolo da obediência na busca da vontade de Deus na oração.

– a caverna encrustada na montanha, o encontro com Deus em si mesmo e não com um Deus distante. A caverna é como que o seio de Deus, Deus que nos quer envolver no seu ser. Também é símbolo da pobreza, do “sem nada de próprio”, do estar vazio de si mesmo para ser espaço para Deus e o próximo no amor.

Nos diversos santuários podemos descobrir também o caminho de conversão de Francisco:

Eremo delle Carceri – a busca de Deus, da própria vocação: “Senhor, quem sois vós e quem sou eu”?

São Damião – “Francisco, vai, reconstrói a minha Igreja”.

Porciúncula – Reconstruir a Igreja de Cristo, vivendo segundo o Santo Evangelho como irmão menor (Frades Menores).

Os Santuários do Vale de Rietti – A caminhada concreta como Irmão Menor entre os frades e os homens.

Alverne – A identificação com Cristo no amor.

Podemos ainda descobrir as grandes paixões de Francisco na contemplação e na vivência do mistério da pobreza:

Greccio – no mistério da Encarnação – o presépio e, depois, a devoção do Angelus;

Alverne – no mistério da Paixão e Morte de Cristo – o Ofício da Paixão e, depois, a devoção da Via-sacra;

Nossa Senhora dos Anjos da Porciúncula – O Cristo que para o nosso bem toma a humilde aparência de pão, a Eucaristia. Vida fraterna expressa, sobretudo, na vida litúrgica e, particularmente, na Vida eucarística: o cuidado pelo Corpo do Senhor, e a Liturgia das Horas.

Eremo delle Carceri: Este Santuário franciscano apresenta uma mensagem especial muito forte: a centralidade de Deus e da oração na vida do ser humano. Meu Deus e Tudo! Aqui, a natureza fala de Deus; as pedras falam de Deus, a montanha fala de Deus, as cavernas falam de Deus, os abismos falam da profundeza do mistério de Deus. Transparece também o mistério da pobreza, do sem nada de próprio, nem casa nem qualquer outra coisa. As cavernas simbolizam o vazio, o vazio de si mesmo, fazendo espaço para Deus em seu ser.

6. Santuário e Comunidade de fé local

Deve existir uma recíproca relação complementar entre a vida no Santuário e na Comunidade de fé local, seja a Paróquia, seja a Comunidade religiosa. Uma enriquece e completa a outra.

Vida própria da Comunidade local: São expressões próprias da Comunidade local: a vida sacramental ordinária, inclusive, o Batismo, a penitência ordinária, o cuidado dos enfermos, particularmente, a Unção dos Enfermos, o Matrimônio. No centro de tudo está a Eucaristia que leva à ação da caridade. Fazem parte também da vida da Comunidade de fé local, a Oração comunitária, sobretudo, a Liturgia das Horas.

Vida própria dos Santuários: 
O que resta então para os santuários? Em primeiro lugar, aquelas expressões próprias reveladas pela mensagem de todo e qualquer santuário: a celebração da Igreja peregrina, do homem peregrino sobre a terra, a dimensão universal e escatológica da Igreja. Depois, a vivência intensa daquela mensagem própria do Santuário visitado.

Além disso, temos o aspecto da penitência e da conversão. A peregrinação tem caráter penitencial.

Podemos verificar ainda o aspecto do extraordinário da vida cristã. A retomada da vida cristã; celebrações de Jubileus, renovação de Profissão religiosa, renovação do Sacramento da Ordem, renovação de Promessas matrimoniais.

Por isso, é expressão própria da vida dos Santuários tudo aquilo que favorece uma renovação da vida cristã, tudo aquilo que seja uma retomada, uma conversão ou um afervoramento da vida cristã: a oração, o sacramento da Reconciliação, a escuta da Palavra de Deus, explicada pelos ministros do santuário à luz da mensagem própria de todo santuário e do santuário visitado, em particular. A Eucaristia, como expressão de conversão permanente e como ação de graças pelas graças alcançadas, pode sempre ser uma expressão da vida do Santuário.

7. Os agentes da Pastoral dos Santuários ou os ministros do Santuário

Os agentes da Pastoral dos Santuários têm uma função muito importante. São chamados a acolher os peregrinos e levá-los a beber nas fontes da salvação, sobretudo a Palavra de Deus, a Reconciliação e a Eucaristia. Compete a eles servir-lhes o Pão da Palavra de Deus, ajudá-los na prática da oração, primeira e mais intensa forma de conversão. Eles serão ministros da reconciliação quando solicitada. Favorecerão a vida eucarística e ajudarão os peregrinos a fazerem o confronto da própria vida com a mensagem do Santuário.

Deverão estar sempre atentos à mensagem e à linguagem do Santuário. Nele fala a natureza, fala o espaço, fala o numinoso, fala o silêncio, falam, muitas vezes, as pedras, as cavernas, a água. Portanto, os agentes procurarão, com todo o carinho, acolher, alimentar, abençoar e reenviar reconciliados e contentes os peregrinos para a Comunidade local, a fim de que abençoados possam abençoar, ser bênção, fonte de bem, para os outros.

Nos Santuários franciscanos, parece muito importante acolher, conduzir o visitante e abençoar, revestidos do hábito franciscano. Em outras palavras, que os peregrinos percebam que o frade se esforça por ser um bom frade menor, por levar uma vida segundo o Santo Evangelho, a exemplo de São Francisco. Que são homens de Deus, homens orantes, homens penitentes como Francisco de Assis.

Desta forma, muitas vezes, as pessoas chegam aos santuários como turistas, como curiosos, como visitantes e acabam transformando-se em peregrinos e voltam para suas casas e suas Comunidades, mais cristãos e testemunhas do mistério pascal. Tornam-se missionários, evangelizadores.

No Eremo delle Carceri, os que o visitam desejam sentir que os frades creem realmente em Deus, que se esforçam por levar uma intensa vida de oração. Acabam fazendo a experiência de Deus a exemplo dos Apóstolos no Tabor e voltam transfigurados para suas casas.

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