Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Laudato Si’, cuidado da Casa Comum, relação da Misericórdia com a criação…

10/10/2017

 

                                                                                           Imagem ilustrativa: Canva (www.canva.com/pt_br/modelos)

Moema Miranda (*)

Esta reflexão trata do contexto extremamente desafiante em que estamos vivendo, não só no Brasil, mas em todo o mundo. A questão para nós é como conseguiremos construir uma alternativa diante de tais desafios. Além da leitura desta realidade, proponho também uma reflexão sobre que ponto de partida e o que o franciscanismo pode oferecer para alterarmos a realidade em que vivemos.

Claro que toda a leitura da conjuntura, quando olhamos para o mundo, é uma leitura a partir de um ponto e varia de pessoa para pessoa. E qual é o ponto de partida que nós, franciscanos e franciscanas – o Sinfrajupe em particular -, queremos propor para a compreensão do mundo em que vivemos? A partir da Laudato Si’ e da espiritualidade, podemos aprofundar essa compreensão. Mas a compreensão da nossa espiritualidade não é algo que deva ficar restrito ao âmbito da Igreja ou fechado em nosso coração, mas deve nos mover para um compromisso, porque, afinal, o nosso claustro é o mundo.

Em palestra proferida no Instituto Teológico Franciscano (ITF), Leonardo Boff afirmou que temos o dever moral de assumir a situação de risco que estamos vivendo. A Laudato Si’ foi promulgada pelo Papa Francisco em 2015, na véspera da Conferência da Cop21, que aconteceu em Paris. Por quê? Porque o clima da Terra está sendo alterado profundamente e numa rapidez impressionante. Tal movimento não é só de transformação do clima, mas significa também perda da biodiversidade, poluição das águas, destruição das florestas e destruição de vidas no planeta. E não se trata de uma vingança da natureza, mas é resultado de um modo de produção baseado na acumulação, o que é próprio do capitalismo, sistema que hoje abrange todo o nosso planeta. O modo capitalista intensifica a produção e pensa a natureza como recurso que pode ser explorado à exaustão. E, de certa forma, todos nós acabamos coniventes à medida em que consumimos também à exaustão.

Então, o primeiro elemento da conjuntura que estamos vivendo hoje é que de fato, pela primeira vez na história do planeta, uma espécie pode se tornar mortífera para todas as condições de vida do planeta, não só para a humanidade. A nossa forma de estar no mundo hoje ameaça a comunidade da vida e essa não é uma ameaça dos catastrofistas, de quem deseja implantar o medo. Mas temos de ter essa consciência profunda, pois possuímos a informação disponível e não podemos nos furtar dela.

Além deste, existe outro elemento extremamente fundamental no contexto que estamos vivendo no Brasil e no mundo. É que essa forma de produção e consumo não beneficia nem sequer o conjunto de toda a humanidade. Se só beneficiasse a humanidade e fizesse dano ao conjunto da vida, já não seria aceitável. No entanto, nem mesmo a humanidade como um todo se beneficia deste sistema. Nós temos ricos cada vez mais ricos em todo o mundo e a concentração de renda aumenta cada dia. De 2008, quando houve a crise mundial financeira, para cá, os ricos ficaram mais ricos, e os países passaram a dever mais a um conjunto de ricos para salvar o sistema financeiro internacional.

E aí, quando trazemos estes dois aspectos à consciência, chegamos ao terceiro elemento importante na conjuntura que estamos vivendo: parece que a força das nossas instituições políticas para dar respostas a estes desafios é pequena demais. Às vezes ficamos com a sensação que estamos sendo esmagados por um sistema que é maior do que nós. É como se houvesse um abismo entre a dimensão do problema e a nossa capacidade de resolvê-lo. E como podemos lidar com esta realidade?

 

Na Encíclica Laudato Si’, o Papa Francisco destaca pontos que são extremamente importantes para nós: como tudo está interligado, tudo é parte do mesmo processo, não temos como resolver tal situação sem reconhecer que esse sistema produz vencedores e vencidos. E temos necessariamente de escolher de que lado que nós estamos, porque é muito fácil ficar do lado dos vencedores. Mesmo que não sejamos capitalistas, este sistema nos proporciona a ilusão de que um dia chegaremos a ser vencedores. No entanto, quando fazemos a reflexão do contexto que estamos vivendo, precisamos começar a transformar a realidade.

No Brasil, estamos chegando ao limite de um ciclo que começou durante a ditadura militar, em 1964. Naquela época, a Igreja vivia o impulso de toda a transformação proposta pelo Concílio Vaticano II, que a lançou para a opção preferencial pelos pobres. E esta opção implicou, na América Latina e no Brasil, numa Igreja que se envolveu nos movimentos populares em todos os lugares do nosso país: nas cidades, no campo, nas vilas. E assim, com a Palavra de Deus iluminando a vida, a Igreja promoveu uma consciência política crescente do nosso povo.

Desta base potente que foi a Igreja comprometida com os pobres, emergiu a maioria dos movimentos sociais que conhecemos no Brasil: os movimentos sindicais, os movimentos pela Terra, os movimentos urbanos de luta pelos direitos na cidade etc. Todo esse conjunto levou a elegermos, em 2002, um governo que, com todas as limitações, com todos os percalços daquele momento, comprometia-se com esses movimentos populares. Portanto, não foi uma benesse, não foi um governo que “caiu do céu”. Foi resultado da luta, do envolvimento e do compromisso popular e do nosso compromisso.

Durante o governo Lula e o governo Dilma, que foram governos cheios de contradições – não podemos negar -, aconteceu ao mesmo tempo o boom das commodities. O preço da soja e o do minério no mercado internacional quase que quintuplicou, o que levou o governo a fazer a opção de intensificar a produção do agronegócio e da mineração. E assim construímos uma economia fortemente primário-exportadora. Quer dizer, recolonizamos um pouco a nossa história. É claro que esta escolha teve uma qualidade particular, afinal o crescimento econômico desta época beneficiou também diversas políticas públicas que nós vimos realizadas no país. De fato, pessoas pobres tiveram acesso a um conjunto de melhorias em sua condição de vida, mas a um custo extremamente alto. Essa inclusão pelo consumo não foi acompanhada pelo amadurecimento de uma consciência política que reconheça no compromisso popular um elemento indispensável para a construção dessas políticas.

 

Apenas como exemplo, recordo que, ainda durante o governo Dilma, foi realizada uma pesquisa entre os jovens beneficiados pelo programa Prouni. É sabido que o número de universidades federais e também o número de vagas para os jovens negros no Ensino Superior aumentaram enormemente no governo Lula. Tais conquistas resultaram da luta popular, que contou também com empenho de muitos franciscanos e franciscanas. Na pesquisa, diante da pergunta “a que você atribui o fato de estar agora na universidade?”, esses jovens, em sua imensa maioria, 87%, não identificavam a existência de uma política pública que lhes permitiu acesso ao Ensino Superior. Responderam “pelo meu esforço pessoal” e “graças a Deus”. É claro que é importante reconhecer o esforço pessoal, é claro que tudo é graças a Deus, mas é também graças ao trabalho do povo durante muito anos que foi sendo invisibilizado.

Por que foi um governo de contradição? Claro que houve um avanço na qualidade de vida do povo, mas também, nos estados de Goiás, Mato Grosso, Maranhão, vimos o avanço do agronegócio. Vimos também a destruição da agricultura familiar. A crise ecológica começa quando olhamos para o nosso prato. Somos o país no mundo que mais usa pesticida, que destrói, e esse avanço foi destruindo as formas e condições de vida das mulheres quebradeiras de coco, dos povos indígenas e das populações que defendem fortemente a natureza.

Então, essas contradições talvez expliquem por que, num determinado momento, quando o preço de determinadas commodities começa a baixar, e essa possibilidade de um jogo de ganha-ganha que beneficia os ricos e os pobres começa a diminuir, aí os ricos dizem: “Galera, estava muito bom, mas farinha pouca, meu pirão primeiro!”. E foi aí que não conseguimos ter uma reação popular suficientemente forte para conter esse avanço de destruição dos direitos e das garantias que nós levamos anos para construir.

Importante também lembrar que não estamos apenas diante do interesse de uma elite espúria nacional, mas que há um interesse internacional de acesso aos bens e recursos que existem no Brasil. É claro que o ataque à Previdência é seríssimo, a Reforma Trabalhista é um acinte, mas muitas vezes nós não damos conta do que está acontecendo em relação à legislação ambiental, em relação à perda dos direitos dos povos indígenas, em relação à abertura do Brasil para a mineração de empresas internacionais. Diante de tais ameaças, temos que reconstruir um forte movimento social, que seja a um só tempo muito embasado na solidariedade entre os povos, mas que tenha uma consciência ambiental mais radical do que tínhamos antes.

O Papa Francisco propõe uma profunda conversão ecológica como alternativa a este modo destrutivo em que estamos vivendo. Esta conversa precisa necessariamente mudar os nossos padrões de consumo e nossos desejos nesta área, esta nossa ânsia por consumir demais. Quando minha avó se casou – e eu já sou avó – ela ganhou uma geladeira que durou quarenta anos. A geladeira pifava, meu avô consertava; quando ele não conseguia, chamava um técnico que a consertava e assim a geladeira durava. Quando tinha um problema no sapato, levávamos para o sapateiro. Quando a roupa furava, a gente pedia para minha avó, que é costureira, arrumar. Hoje, quando um computador, quando uma máquina de lavar pifa, na maioria das vezes, a gente troca ou joga fora. Metais que levaram bilhões de anos para serem formados que foram extraídos da terra com esforço imenso, descartamos com facilidade. Isso ocorre porque a indústria cria o que chamamos de “obsolescência programada” e também a cria em nossa cabeça. Você acabou de comprar o Iphone 5 e já começa a ter desejo de comprar o 6. Então, tem um desejo insaciável de consumo, que é predatório e que desperdiça.

Precisamos urgentemente de uma consciência e uma conversão profundamente ecológicas, que nos reconciliem como seres humanos na Fraternidade Universal de São Francisco, que nos levem a reencontrar nosso lugar na Fraternidade da Vida, como irmãos e como irmãs. Então, o nosso cuidado, a nossa reverência, o nosso amor profundo pela presença da bondade de Deus em cada elemento da criação nos farão reconhecer que tomar um copo de água, presente e dom do Criador, seja muito mais prazeroso, muito mais importante, muito mais valioso do que termos o último modelo do Iphone.

Este artigo foi extraído da palestra proferida por Moema no Capítulo das Esteiras da Família Franciscana do Brasil, em agosto passado, em Aparecida.

(*) QUEM É MOEMA MIRANDA

artigo-moemaFranciscana secular, Moema Miranda é antropóloga, com mestrado e pós-graduação em Antropologia Social (UERJ). Integra a direção colegiada do Ibase e participou do Comitê Facilitador da Sociedade Civil Brasileira para a Rio+20. É membro do Conselho Internacional do Fórum Social Mundial; e coordena o projeto “Diálogo dos Povos – Uma articulação Sul-Sul”, com a participação de entidades e redes da América Latina e da África.
Em julho de 2015, participou da conferência sobre a Encíclica Laudato Si’, intitulada “As pessoas e o Planeta em primeiro lugar: imperativo a mudar de rumo”. O encontro realizado no Vaticano foi promovido pelo Pontifício Conselho da Justiça e da Paz junto com a Aliança Internacional das Organizações Católicas para o Desenvolvimento – CIDSE.

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