Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

De quanta terra precisa um homem?

20/01/2022

                                                                            Imagem ilustrativa: Canva (www.canva.com/pt_br/modelos)

Leonardo Boff

Numa roda, cercado de rústicos peões de sua fazenda Yasnaya Polyana, Léon Tolstói (1828-1910) o grande escritor russo, contou-lhes a seguinte estória que eu me permito resumir para exemplificar como funciona a cabeça de um capitalista.

“Havia um camponês pobre mas muito desejoso de possuir mais a mais terra para cultivar e ficar rico. Pensou: “Vou fazer um pacto com o diabo. Este vai me dar sorte”, disse ele à mulher, que torceu o nariz e advertiu-o: “Meu marido, cuidado com o diabo, nunca sai coisa boa fazendo um pacto com ele; essa sua vontade de ficar rico, vai ainda pô-lo a perder”.

Mas, por insistência do marido, resolveu acompanhá-lo. Com tal que partiram, levando poucos pertences.

Souberam que longe daí havia um grupo de ciganos que vendiam terras baratas. Para aquelas paragens rumou o casal. Chegando lá, eis que o diabo já estava de pé, todo apessoado, dando ares de um influente mercador de terras. O camponês e sua mulher cumprimentaram educadamente os ciganos. Quando iam expressar seu desejo de adquirir terras deles, o diabo, sem cerimônias, logo se antecipou e disse:

“Bom senhor, vejo que veio de longe e é tomado por um grande desejo de fazer fortuna. Tenho uma excelente proposta para você, melhor do que aquela dos ciganos. Faço-lhe a seguinte proposta: você deixa uma quantia razoável de dinheiro numa bolsa aqui onde estou de pé. Se você percorrer um território durante o tempo de um dia, do nascer ao pôr do sol, e estiver de volta antes de o sol se pôr, toda a terra percorrida será sua. Caso contrário perderá as terras percorridas e o dinheiro da bolsa”.

Os olhos do camponês, ávido por riqueza, brilharam de emoção e disse:

“Acho uma excelente proposta. Tenho pernas fortes e aceito. Amanhã bem cedo, ao nascer do sol, ponho-me a correr e todo o território que minhas pernas puderem alcançar, será meu”.

O diabo, sempre malicioso, sorriu todo faceiro.

De fato, bem cedo, mal o sol rompeu a fímbria do horizonte, o camponês, tomado de cobiça, se pôs a correr. Correu e correu muito. Pulou cercas, atravessou riachos e, não contente, sequer parou para descansar. Via diante de si uma ridente planície verde e logo pensou: “aqui vou plantar trigo em abundância”. Olhando à esquerda, se descortinava um vale muito plano e pensou: “aqui posso fazer toda uma plantação de linho para dar e vender”.

Subiu, ofegante, uma pequena colina e eis, que lá em baixo se abria um campo de terra virgem. Logo pensou: “quero também aquela terra. Aí vou criar gado e ovelhas e vou encher as burras com muito dinheiro.

E assim percorreu muitos quilômetros, não satisfeito com o que tinha conquistado, pois os lugares que via, eram atraentes e alimentavam ainda mais seu desejo incontido de também possui-los.

De repente olhou para o céu e se deu conta de que o sol estava se pondo atrás da montanha. Disse de si para consigo mesmo:

“Não há tempo a perder. Tenho que voltar correndo, senão perco todos os terrenos percorridos e, por cima ainda, o dinheiro. “Um dia de dor, uma vida de amor”, pensou como dizia seu avô.

Pôs-se a correr com uma velocidade espantosa para suas pernas cansadas. Mas tinha que correr sem reparar os limites dos músculos retesados. Sempre olhava a posição do sol, já perto do horizonte, enorme e vermelho como sangue. Mas não se havia ainda posto totalmente. Mesmo cansadíssimo, corria mais e mais e já nem sentia as pernas. Pesaroso pensou: “talvez abarquei demais terras e posso perder tudo. Mas vamos em frente”.

Vendo, porém, ao longe o diabo, solenemente, de pé e ao seu lado a sacola de dinheiro, recobrou mais o ânimo, certo de que iria chegar antes do pôr do sol. Reuniu todas as energias que tinha e fez um derradeiro esforço. Pulou uma cerca, atravessou um riacho e corria, quase voando. Não muito longe da chegada, atirou-se para frente, quase perdendo o equilíbrio. Refeito, deu ainda alguns passos longos.

Foi então que, extenuado e já sem nenhuma força, se estatelou no chão. E morreu. A boca sangrava e todo o corpo estava coberto de arranhões e de suor.

O diabo, maldosamente, apenas sorriu e tomou para si a bolsa de dinheiro. Indiferente ao destino do morto, deu-se ainda ao trabalho de fazer uma cova com o tamanho do camponês e ajeitou-o lá dentro. Eram apenas sete palmos de terra, a parte menor que lhe cabia de todos os terrenos andados. Não precisava de mais do que isso. A mulher, petrificada, assistia a tudo, chorando copiosamente”.

Esse conto nos faz lembrar o poeta pernambucano João Cabral de Melo Neto (1920-1999) que nos deixou a comovente obra Morte e Vida Severina (1995). No funeral do lavrador diz:

“Esta cova em que estás, com palmos medida, é a conta menor que tiraste em vida; é a parte que te cabe deste latifúndio”.

A mulher do camponês estava certa em sua advertência: “Cuidado com o diabo, pois, te estimula a ter mais e mais e, por fim, acaba contigo e toma todo o teu dinheiro”. É a lógica do capital. Nele vivemos e sofremos. Avançando sobre as florestas ele nos trouxe o Covid-10. Como nos livraremos dele?


Leonardo Boff é escritor e escreveu: “Habitar a Terra:qual o caminho para a fraternidade universal?” Vozes 2021.

Premium WordPress Themes Download
Download Premium WordPress Themes Free
Download Best WordPress Themes Free Download
Download Nulled WordPress Themes
online free course
download samsung firmware
Free Download WordPress Themes
udemy free download