Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Como Deus surge dentro da nova visão do universo

25/05/2023

                                                                                     Imagem ilustrativa: Acervo da Província

Esta questão de Deus dentro da moderna visão do mundo (cosmogênese) surge quando nos interrogamos: o que havia antes do antes e antes  do big-bang? Quem deu o impulso inicial para a aparição daquele pontozinho, menor que a cabeça de um alfinete que depois explodiu? Quem sustenta o universo como um todo para continuar a existir e a se expandir, bem como cada um dos seres nele existentes, o ser humano incluído?

O nada? Mas do nada nunca vem  nada. Se apesar disso apareceram seres é sinal de que Alguém ou Algo os chamou à existência e os sustenta permanentemente.

O que podemos sensatamente dizer sem logo formular uma resposta teológica, é: antes do big bang existia o Incognoscível e vigorava o Mistério. Sobre o Mistério e o Incognoscível, por definição, não se pode dizer literalmente nada. Por sua natureza, o Mistério e o Incognoscível são antes das palavras, antes da energia, da matéria, do espaço, do tempo e do pensamento.

Ora, ocorre que o Mistério e o Incognoscível são precisamente os nomes pelos quais as religiões, também o judaico-cristão, significam Deus. Deus é sempre Mistério e Incognoscível. Diante dele mais vale o silêncio que a palavra. Apesar disso, Ele pode ser  intuído pela razão reverente e sentido pelo coração inflamado. Seguindo Pascal diria: crer em Deus não é pensar Deus, mas senti-lo a partir da totalidade de nosso ser. Ele emerge como uma Presença que enche o universo, se mostra como entusiasmo dentro de nós (em grego: ter um Deus dentro) e faz surgir em nós o sentimento de grandeza, de majestade, de respeito e de veneração. Essa percepção é típica dos seres humanos. Ela é inegável, pouco importa se alguém é religioso ou não.

Colocados entre o céu e a terra, vendo as miríades de estrelas, retemos a respiração e nos enchemos de reverência. Naturalmente nos surgem as perguntas:

Quem fez tudo isso? Quem se esconde atrás da Via-Lactea e comanda a expansão do universo ainda em curso? Em nossos escritórios refrigerados ou entre quatro paredes brancas de uma sala de aula ou numa roda de conversa solta, podemos dizer qualquer coisa e duvidar de tudo. Mas inseridos na complexidade da natureza e imbuídos de sua beleza, não podemos calar. É impossível desprezar o irromper da aurora, ficar indiferentes diante do desabrochar de uma flor ou não quedar-se pasmados ao contemplar uma criança recém-nascida. Ela nos convence de que, sempre que nasce uma criança, Deus ainda acredita na humanidade. Quase que espontaneamente dizemos: foi Deus  quem colocou tudo em marcha e é Deus quem tudo sustenta. Ele é a Fonte originária e o Abismo alimentador de tudo, como dizem alguns cosmólogos.Eu diria: Ele é aquele Ser que faz ser todos os seres.

Outra questão importante vem simultaneamente suscitada: por que exatamente existe este universo e não outro e nós somos colocados nele? O que Deus quis expressar com a criação? Responder a isso não é preocupação apenas da consciência religiosa, mas da própria ciência.

Sirva de ilustração Stephen Hawking, um dos maiores físicos e matemáticos, em seu conhecido livro Breve história do tempo (1992): “Se encontrarmos a resposta de por que nós e o universo existimos, teremos o triunfo definitivo da razão humana; porque, então, teremos atingido o conhecimento da mente de Deus” (p. 238). Ocorre que até hoje os cientistas e sábios estão ainda se interrogando e buscando o desígnio escondido de Deus.

As religiões e o judaico-cristão ousaram uma resposta, dando,com reverência, um nome ao Mistério chamando-o por mil nomes, todos insuficientes: Javé, Alá, Tao, Olorum e principalmente Deus.

O universo e toda a criação constituem um como que espelho no qual Deus mesmo se vê a si mesmo. São expansão de seu amor, pois quis companheiros e companheiras junto de si.Ele não é solidão, mas comunhão dos divinos Três – Pai, Filho, Espírito Santo – e quer incluir nesta comunhão toda natureza e o homem e a mulher, criados à sua imagem e semelhança.

Dizendo isso, descansa o nosso cansado perguntar; mas face ao Mistério de Deus e de todas as coisas, continua o nosso perguntar, sempre aberto a novas respostas.


Leonardo Boff escreveu junto com o cosmólogo canadense Mark Hathaway, “O Tao da libertação:explorando a ecologia da transformação”, Vozes 2012; A nova visão do universo, Petrópolis 2022.

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