Frei Hipólito Martendal
1. VIDA É UMA SÓ
É uma só em dois sentidos. No primeiro caso pensamos em nossa própria existência e acreditamos que ela é uma só, que a vida eterna é gerada na vida terrena e dela é continuação. Cremos também que nossa pessoa, com a mesma identidade, continua depois da ressurreição. Num segundo sentido podemos entender que existe um DEUS DA VIDA, que todo ser vivo é criatura sua e é, de alguma forma, expressão desta vida que há em Deus . Assim é importante que tenhamos um respeito religioso, místico por todas as formas de vida e por tudo que as mantém e alimenta: água, terra e ar.
Nas suas diversas manifestações temos vida vegetal que vai de microscópicos fungos unicelulares (com uma só célula) a árvores gigantescas. A vida animal é variadíssima, de unicelulares a baleias descomunais.
O homem encaixa-se na vida animal com sua dimensão biológica. Mas dotado de espírito faz a ponte para a sobrenatural, para o próprio Deus que é “Espírito e Verdade”. O homem foi criado por Deus para ser o cultivador, o guarda e protetor de toda a criação, principalmente de toda criatura viva.
2. A PRAGA DO MANIQUEÍSMO
Seria uma maravilha se todo ser humano fosse capaz de ter fé em seu Criador e compreender seu papel no mundo. Mas não é assim. Muito mais velhas que o Cristianismo são certas doutrinas que ensinaram o desprezo por todas as coisas materiais. A própria criatura humana tinha de livrar-se de toda a sua corporalidade e sexualidade para poder chegar a Deus.
O Cristianismo tem a mais bela das doutrinas sobre o valor de toda a criação e o respeito reverente e religioso que todos nós por ela devemos ter. Ensina-nos que o próprio Deus escolheu encarnar-se, tornar-se matéria, ao fazer-se um de nós, um “Filho do Homem”, como Jesus gostava de identificar-se. Isso devia ser suficiente para varrer como lixo da face da Terra todo maniqueísmo, todo dualismo, todo desprezo por qualquer aspecto da criação. Mas não é assim! Mesmo entre cristãos católicos de nossos dias há os que vivem e pregam aspectos desta praga. Constantemente apontam para elementos que, supostamente, são irreconciliáveis entre nós humanos e Deus. Lembro-me daquela senhora católica à qual eu procurava explicação na boa teologia católica para um problema seu de ordem religiosa. Furiosa, grosseiramente, interrompeu a celebração do Sacramento da Penitência, protestou que ela procurava “doutrina de Deus e não dos homens”. Saiu batendo a porta. Será que para ela o Verbo de Deus se fez carne, sangue, sexualidade, emoções… humanos com todas as suas conseqüências?
3. O ACERTO EM ESCOLHER A ÁGUA
A água para a CF de 2004 é evidente. No artigo anterior deste jornal paroquial afirmava que a água é o mapa da mina da vida. Ela é base indispensável de toda a vida.
Todos sabem também quanta água é desperdiçada e quanta água emporcalhada e inutilizada por toda sorte de poluentes. Sabemos que bilhões de pessoas não têm acesso à água de boa qualidade para beber e preparar seus alimentos. Tragicamente, isso leva uns 2 milhões de crianças do mundo a morrer antes dos 5 anos de idade!
Pelos meus cálculos uns 50 países já experimentam carência acentuada de água para necessidades básicas. Nas próximas décadas vários podem entrar em situação de catástrofe com emigração forçada de populações inteiras. Conflitos e guerras poderão ser inevitáveis.
Até em nosso Brasil, detentor de mais de 12% da água doce disponível no mundo, existem milhões de pessoas sem água suficiente ou adequada para consumo humano, gerando toda sorte de doenças e mortes, sobretudo entre crianças. Boa parte do Nordeste perde periodicamente rebanhos pela sede e não consegue produzir alimentos básicos para sua população. Isso não pode continuar assim.
4. A CRIAÇÃO DE DEUS FORMA um todo que necessita de harmonia em sua interdependência. Dizia acima que o ser humano é o guarda, o protetor e o cultivador da vida em nosso Planeta. Tudo o que é necessário para promover e manter esse equilíbrio e harmonia como a quantidade e a pureza da água, trato correto às nossas terras, não poluição e zelo pela atmosfera que protege o Planeta devem fazer parte dos objetivos de todos.
É dever de todo ser humano decente e consciente a lutar para que a água nunca seja objeto de propriedade de ninguém. No máximo podemos imaginar remuneração justa a concessionários que tratam e distribuem a água. Mas tais empresas devem se rigorosamente fiscalizadas e garantir que ninguém seja privado do uso essencial da água, mesmo por falta de pagamento dos serviços pela pobreza!
5. ÁGUA É VIDA ETERNA.
Podemos pensar em Cristo que promete à samaritana “água que jorra para a vida eterna” (Jô 4,13). O elemento gerador desta água eterna é a Fé em Jesus.
O compromisso e engajamento nesta Fé nasceu em nosso batismo. Então, a mística cristã nos leva a pensar em nossa missão de batizados, sempre que nos servimos da preciosíssima água para qualquer necessidade.
O lava-pés é mais um gesto de Cristo que recorre à água (Jô, 13). Aí descobrimos que nós, os discípulos, precisamos ser e agir como nosso amado e único Mestre e Senhor: solidários e serviçais aos irmãos em todas as situações, ao ponto de arriscar a própria vida para isso.
Então, o elo se fecha. Um círculo virtuoso e auto-alimentado se firma em nós. Da água nascemos para Cristo. Usando corretamente a água, defendendo o direito de todos a ter acesso a ela, a vida de Cristo cresce e fortalece-se em nós. Isto nos torna mais zelosos em proteger a água como nascedouro e sustentáculo de todas as formas de criaturas vivas, expressões perenes de nosso DEUS DA VIDA.