Ali Zoghbi*
Em fevereiro deste ano, o Papa Francisco fez uma visita histórica aos Emirados Árabes Unidos – um país de minoria católica, predominantemente muçulmano. Pelo Twitter, o Pontífice, antes de embarcar, declarou: “Vou (aos Emirados Árabes Unidos) como um irmão para escrever em conjunto uma página de diálogo e percorrer juntos os caminhos da paz. Rezem por nós!”.
Como muçulmano, celebrei muito esta visita e compartilhei da mesma expectativa do Papa: todas as iniciativas para promover o diálogo inter-religioso são urgentes e bem-vindas. Este gesto, com certeza, foi um importante passo para a construção da paz.
Durante a visita, o Papa Francisco e o Grande Imã de Al-Azhar, Ahmed Al-Tayyeb, autoridade religiosa muçulmana, assinaram o documento “Fraternidade Humana para a Paz Mundial e a Convivência Comum” que, em resumo, expressa o desejo de ambas as religiões, católica e muçulmana, pela rejeição à violência deplorável e o extremismo cego; pela valorização da tolerância e da fraternidade; e pela aproximação do Ocidente e do Oriente em defesa da paz universal.
Referência para teólogos de todo o mundo, o Grande Imã de Al-Azhar, Ahmed Al-Tayyeb, tem excelente relação com a Igreja Católica. Se mostra contrário às interpretações mais radicais do Islã, condena o terrorismo em nome da religião islâmica e se coloca sempre a favor do diálogo inter-religioso e das boas relações com o cristianismo.
Neste segundo semestre, vivenciei outro momento marcante: a comunidade muçulmana recebeu a visita dos irmãos franciscanos para celebrar o primeiro gesto de tolerância religiosa registrado pela história. Este encontro envolveu um outro Francisco, o santo de Assis, e o Sultão do Egito, Al-Malik al Kâmil al Ayoubi, em Damieta, no ano de 1219.
Francisco de Assis navegou rumo ao Egito numa época em que cristãos e muçulmanos se viam como inimigos e o clima era de total animosidade. Contrariando as previsões pessimistas, o santo católico foi recebido pelo líder religioso muçulmano com benevolência e hospitalidade. E a partir desta visita, Francisco fez importantes reflexões sobre a missão dos Frades Menores.
Na Mesquita de Santo Amaro, não só recordamos este encontro por meio de vídeos, depoimentos e uma encenação teatral, como também plantamos uma árvore pela paz, inauguramos um marco comemorativo do encontro, ouvimos lideranças de ambas religiões e celebramos, sempre como irmãos, apenas o que nos une. Clamamos pela paz e pela fraternidade!
Vivemos tempos difíceis, marcados por intolerância religiosa, discursos de ódio e xenofobia. Vamos deixar que este mal predomine ou vamos juntar forças, por meio das religiões, para tornar o mundo mais humano, fraterno e justo? Que Francisco de Assis, o Sultão do Egito, Al-Malik al Kâmil al Ayoubi, o Papa Francisco e o Grande Imã de Al-Azhar, Ahmed Al-Tayyeb, por meio de seus gestos, sejam sempre uma inspiração para católicos e muçulmanos. Que saibamos enxergar riquezas em nossas eventuais diferenças, sem deixar de valorizar o que temos em comum. E que jamais nos esqueçamos que o diálogo é sempre o primeiro passo na construção da paz.
*Jornalista, economista e pedagogo, Ali Zoghbi é vice-presidente da FAMBRAS,
a Federação das Associações Muçulmanas do Brasil. Criada há 40 anos,
a entidade atua nos âmbitos religioso, social, cultural, econômico e diplomático.
Desenvolve projetos que contemplam a divulgação do Islam e ações educacionais,
culturais e assistenciais – tanto em benefício dos muçulmanos como das
comunidades carentes do Brasil.