A Igreja católica concluiu o Sínodo para a Amazônia. As divergências foram muitas. Alguns atacaram o evento insistindo em manter o status quo, retomando antigas doutrinas estranhas ao nosso tempo. Há por outro lado, aqueles que não se deixaram sufocar por manifestações ideológicas e que se puseram em atenta escuta e discernimento para dialogar com os desafios que provocam a comunidade cristã a ser fiel ao Evangelho, o qual renova todas as coisas e nos oferece o frescor do Reino de Deus.
A Igreja não pode ser refém de uma visão única da realidade. Ela exerce sua diaconia a partir de uma hermenêutica histórica. Descobre a verdade não como algo já preestabelecido, mas como um percurso de desvelamento, o qual depende do ponto de vista cultural no qual se insere. Neste sentido, a verdade se clareia à medida que se cria momentos de interação e diálogo com os mais diversos processos culturais. Foi isso que tentou fazer este Sínodo.
O teólogo uruguaio Juan Luis Segundo afirma que a humanidade é maior que a Igreja, ou seja, esta nasceu para servir o mundo, por isso não pode ter a pretensão de dobrar a realidade aos seus pés. Trata-se de uma comunidade que vive ao interno da história e contribui para o progresso da vida a partir de uma proposta de salvação, mas sem a tentação do proselitismo.
O Sínodo denunciou a aliança com os colonialismos. Infelizmente, essa prática representou um dos mais tristes capítulos da história eclesial. Diante das novas culturas com os seus diversos modos de ser, criou-se um forte sentimento de domínio, controle e submissão. A própria teologia, geralmente separada do contexto, trabalhou a serviço de uma casta de intelectuais que conservavam a relação entre Igreja e poder temporal. As grandes nações colonizadoras, como Portugal, acreditavam que eram escolhidas por Deus para difundir a sua mensagem por todos os recantos da terra, mas tudo às custas do sacrifício das culturas recém-“descobertas”. A teologia que justificava este colonialismo baseava-se num sistema de proposições religiosas abstratas, formuladas de modo a garantir uma visão única, aquela eurocêntrica. Qualquer tentativa de representação das razões locais, ou seja, que partissem das bases, eram reprimidas pela força do braço do Estado que trabalhava para garantir a reta ordem religiosa.
No entanto, com o advento da modernidade e das grandes conquistas em torno dos direitos humanos e com a independência das nações colonizadas, assiste-se o emergir das razões locais, caracterizadas por uma visão plural que interpreta a realidade não através de conceitos dogmáticos (imutáveis), mas baseado numa visão poliédrica, na qual as minorias tomam a palavra e se expressam. Neste Sínodo, foi emocionante ver irmãos (as) leigos (as) e povos indígenas tomando a palavra de modo igual.
O filósofo Gianni Vattimo chama a este fenômeno histórico de debilitação da tradição metafísica. O poder que antes era assegurado pelos grandes discursos metafísicos, diante das conquistas da história, feitas pelo esforço de minorias que lutam para empreender um processo de libertação, aos poucos perde a hegemonia política. Basta constatar a queda das grandes monarquias e ditaduras. A verdade passa a ser uma construção histórica e parcial, pois sempre vista a partir de determinado ângulo. Vale ressaltar que esta forma de verdade que considera o tecido das relações humanas não tem nada a ver com as ideologias que trabalham a serviço de grupos elitistas que afirmam um tipo de economia de mercado que não considera a pessoa em sua visão integral, mas sempre como um objeto de manipulação para os interesses dos poderosos.
É justamente aqui que entra a visão de uma Igreja à serviço das culturas. A partir do Concilio vaticano II, a comunidade cristã se recusa a fazer prosélitos e abraça uma forma de vida baseada no testemunho silencioso e profético daqueles que estão evangelizando na periferia do mundo.
Terminou o Sínodo em Roma, mas a esperança de ver uma Igreja samaritana, louca pelo estilo de Jesus, está pulsando nas nossas veias. Por isso, queremos ser de fato uma comunidade sinodal, aprender a caminhar juntos.
Pe. Ademir Guedes Azevedo, cp, é missionário passionista e mestre em Teologia Fundamental na Pontifícia Universidade Gregoriana. Atualmente colabora com a missão passionista de Montevidéu, no Uruguai.
Montevidéu, 28 de outubro de 2019