Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

A face apócrifa do cristianismo – Poder e heresias!

08/01/2012

Por Frei Jacir de Freitas Faria, OFM (*)

A propósito do que escrevi no meu livro: Apócrifos aberrantes, complementares e cristianismos alternativos – Poder e heresias! (Vozes), na complexidade que o tema nos impõe, gostaria de salientar alguns pontos da trajetória histórica do cristianismo em seus sete primeiros séculos, a partir dos oitenta e oito apócrifos do Segundo Testamento, classificados por nós de aberrantes, complementares ou alternativos. Todos eles são formas de cristianismos e refletem a luta árdua que tiveram com aquele que se consolidou como hegemônico. Alguns deles exageraram na criatividade de textos ou práticas comoliturgia sexual; outros simplesmente complementaram – ainda que de forma conservadora – a versão oficial; outros, por serem tão alternativos, foram relegados ao ostracismo.

O cristianismo conviveu até o século terceiro com diversas teorias e teologias. O cristianismo apócrifo gnóstico, principal opositor daquele se tornou hegemônico, era também multiforme. E, por isso mesmo, se enfraqueceu e foi vencido. No cristianismo hegemônico, a trajetória foi diversa. Ele conseguiu agregar vários modos de pensar teológico, até mesmo apócrifo, num único ramo que se tornou oficial e hegemônico, no quarto século. Os outros foram subjugados a ele, expulsos e cunhados de heréticos, pois pensavam diferente do que fora estabelecido como verdadeiro. A história foi reescrita pelo grupo vitorioso, de modo que parecesse que assim já era desde os tempos apostólicos. O cristianismo vencedor das disputas teológicas foi aquele que firmou raízes no império romano e chegou até nós. Por isso, ele é também chamado de romano e católico, por ter sido anunciado a todo o mundo, com base nos ensinamentos dos apóstolos, sobretudo Pedro e Paulo. Nasce, assim, a cristandade, fundamentada no cristianismo apostólico.
Para se firmar como cristianismo hegemônico, ele estabeleceu, ao longo de séculos, dez ações, tais como:

1. provou ao império romano a sua antiguidade a partir do judaísmo, sendo a realização das promessas do Primeiro Testamento;

2. rompeu com o judaísmo como religião;

3. criou uma igreja e um bispo homem, eliminando o poder de direção institucional das mulheres;

4. colocou um bispo romano para todas as igrejas;

5. criou comunhão universal na fé apostólica com todas as igrejas, tornando-se católico;

6. estabeleceu um credo de fé apostólico;

7. eliminou os vários outros modos de conceber o cristianismo, sobretudo aqueles cognominados de apócrifos aberrantes, complementares ou alternativos;

8. utilizou tradições apócrifas complementares em seus dogmas de fé;

9. determinou a lista dos livros inspirados;

10. fundamentou, nos canônicos e na tradição apostólica, a fé em Jesus, humano, divino e trinitário.

Os cristianismos alternativos resistiram ao longo dos séculos. Rondam o nosso imaginário teologias de Tertuliano e Orígenes, dos ebionitas e marcionitas, dos montanistas e arianos. Muitas de nossas práticas e profissões de fé cristã católicas, ortodoxas, gregas ou evangélicas têm também seus fundamentos nas origens apócrifas do cristianismo. Mesmo que queiramos negar os cristianismos antigos, isso não é possível. Eles estão aí e permanecerão sempre no imaginário popular, na fé libertadora e conservadora, no ecumenismo e na ortodoxia. O que vale é uma leitura ecumênica, dialogal com eles.
Somos eternos devedores de uma fé sólida e eficaz aos nossos predecessores que construíram o cristianismo que hoje vivenciamos, mas é salutar e libertador conhecer outras formas de cristianismos, bem como entender a nossa fé a partir desses cristianismos antigos e perdidos. A nossa fé se torna mais adulta, libertadora e comprometida com os valores de fé, dos quais não podemos abrir mão. A questão não é fazer dos apócrifos uma literatura inspirada. Basta compreender que eles foram vozes alternativas abafadas e perseguidas pelo cristianismo que se tornou hegemônico, num misto de poder e heresias.

A descoberta dos apócrifos, sobretudo os gnósticos, é o grande achado da atualidade, que nos revela o outro lado da moeda na luta desenfreada pelo poder, nos primórdios do cristianismo. Poder? Que poder? Poder de direcionar a fé, de organizar uma instituição hierárquica capaz de salvaguardar a essência da fé em Jesus Cristo, em um só credo e em uma igreja universal. E foi por causa dessa organização institucional do cristianismo que ele sobreviveu e marcou a humanidade em antes e depois de Cristo. Pena que, para isso, os seres humanos daquele tempo tiveram que ser divididos em hereges e oficiais. Ninguém é tão oficial que não tenha nada de herege e ninguém é tão herege que não tenha nada de oficial.

(*) Frei Jacir de Freitas Faria, OFM é escritor, professor e exegeta

Download Premium WordPress Themes Free
Premium WordPress Themes Download
Download WordPress Themes Free
Free Download WordPress Themes
udemy course download free
download lenevo firmware
Download Best WordPress Themes Free Download
online free course