Incontáveis vezes já participamos de celebrações da Semana Santa em que os últimos acontecimentos da vida terrena de Jesus são vivamente colocados diante de nossos olhos e sua força questiona a qualidade de nossa vida de discípulos. Impossível fazer o elenco de pessoas que se deixaram tocar pelo amor de Deus que transparece cristalinamente nos momentos finais da vida de Jesus. Tomamos como exemplo o encontro de Francisco de Assis com o Crucificado.
O Senhor misteriosamente foi trabalhando o Pobrezinho. Ele vai sendo apresentado ao Evangelho, moldado pelo Evangelho, quer dizer pela pessoa viva de Jesus. Um rapaz meio igual a muitos outros rapazes. Tendo sido batizado e circulado nos ambientes cristãos sem mais, percebe que algo começa a remexer dentro dele, essa insatisfação interior misteriosa meio depressiva. Depois aquele beijo no leproso e esse Crucifixo de São Damião.
O Evangelho deixou de ser uma leitura que adormecia as pessoas na missa e passou a ser um fogo que queima. Diante do Crucifixo ele tem a certeza do amor. Ele é objeto desse amor. Aquele ser dilacerado, desfeito, impotente penetrava no mais íntimo como que a lhe dizer: “Vem, vamos juntos, eu estou a entregar todo o meu querer, meu caro Francesco. Vamos juntos”.
Francisco entra na atmosfera do amor. Tem a certeza de que é querido. Frei David de Azevedo nos ajuda a compreender essa “loucura” do amor de Francisco. Tudo se baseia na consciência de nossa indigência e na certeza do olhar que nos ama: “A pobreza é o salto ontológico do homem que vive a angústia de ser salvo, para o homem que vive a felicidade de ser amado. O Amor não é amado. O Amor não é amado. Este grito de Francisco é o grito da descoberta. Eureka! Viver a descoberta de ser amado; e isto na raiz da própria existência. Sentir o “ser criatura” não como condição humilhante, mas como um beijo de amor. Eu existo porque sou um beijo enternecido do Criador” (Fr. David Azevedo, S. Francisco fé e vida, Ed.Franciscana, Braga, p. 48).
SENTIR-SE CRIATURA COMO UM BEIJO DE AMOR
Frei Almir Guimarães