Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Clara de Assis, um clamor de paz

11/08/2025

Santa Clara de Assis, admirada e conhecida como fiel discípula de São Francisco que, por sua vez, a iniciou no seguimento do caminho do Filho de Deus, foi a grande mulher orante, contemplativa e intercessora, recolhida com as suas Irmãs Pobres no estreito convento do Mosteiro de São Damião de Assis. Ela escolheu viver uma vida “segundo a perfeição do santo Evangelho” (RSC VI 3) e abraçou a santíssima vida de pobreza, morando à beira da estrada, fora da segurança dos muros de Assis. Clara jamais se isolou das aflições e dores dos homens e das mulheres do seu tempo: sejam as pessoas que habitavam na segurança fortificada da cidade de Assis, como as que, como ela, viviam do “lado de fora” a sorte dos pobres, leprosos, marginalizados e de todos que depositavam sua única e última confiança na providência de Deus.

Mesmo vivendo no recolhimento de um pequeno campo, distante do ruído do mundo, em diferentes momentos Clara viveu as contrariedades da vida que muitas vezes causaram insegurança, apreensão e medo, consequências das tensões políticas e religiosas da época. Basta citar as aspirações de Frederico II, o imperador do Sacro Império Romano-Germânico que, de um lado, alimentava a ambição de consolidar seu domínio sobre a Itália, incluindo os territórios controlados pelo papado. E, do outro lado, estava o Papa Gregório IX que via nas ações de Frederico II uma afronta à sua autoridade, especialmente no que dizia respeito aos territórios da Igreja e à interferência imperial nos assuntos eclesiásticos. Paralelamente a estes conflitos, houve o ataque de um grupo de “sarracenos” que, além de assombrar a cidade de Assis, ameaçou a integridade daquelas mulheres pobres e indefesas, tão vulneráveis e expostas que habitavam no Mosteiro de São Damião.

Irmã Francisca, uma das testemunhas no Processo da Canonização de Santa Clara, assim narrou: “Respondeu que uma vez, tendo os sarracenos entrado no claustro do mosteiro, a senhora pediu que a carregassem até a porta do refeitório e pusessem diante dela uma caixinha onde estava o santo Sacramento do Corpo de Nosso Senhor Jesus Cristo. Prostrou-se por terra em oração e orou com lágrimas, dizendo estas palavras entre outras: “Senhor, guardai Vós estas vossas servas, porque eu não as posso guardar. Então a testemunha ouviu uma voz de maravilhosa suavidade que dizia: “Eu te defenderei para sempre”. Então a senhora orou também pela cidade, dizendo: “Senhor, que vos apraza defender também a esta vossa cidade”. A mesma voz soou: “A cidade sofrerá muitos perigos, mas será defendida”. Então a senhora se voltou para as Irmãs e lhes disse: “Não fiquem com medo, porque eu sou a sua garantia de que não vão passar nenhum mal, nem agora nem no futuro, enquanto se dispuserem a obedecer aos mandamentos de Deus”. Os sarracenos foram embora sem fazer mal ou causar prejuízo” (PC 9, 2).

Este testemunho da Irmã Francisca faz eco nas palavras das outras irmãs que, individualmente, deram o seu depoimento no Processo de Canonização de Santa Clara: Irmã Benvinda (PC 2, 20), Irmã Filipa (PC 3,18), Irmãs Inês (PC 10, 9), Irmã Beatriz (PC 12,8), e o senhor Messer Rainério que assim testemunhou: “E firmemente creem todos os cidadãos que, pelas orações e méritos da predita senhora Santa Clara, o mosteiro foi defendido e a cidade foi libertada de seus inimigos” (PC 18,6).

As perguntas que aqui faço são: A atitude de Santa Clara diante do ataque e ameaça violenta da tropa de Vital de Aversa e dos sarracenos tem algo a nos dizer nos dias atuais? De onde Clara tirou todas as energias para transmitir serenidade às Irmãs e invocar a proteção divina sobre o mosteiro e a sua cidade de Assis?  Clara também abraçou a “legação da paz” (1Cel 24) abraçada por Frei Bernardo e primeiros companheiros de São Francisco: o que significa esta missão de paz?

Sem dúvida, a ressonância dos dois episódios medievais não difere daquilo que hoje o mundo vivencia, certamente com maior sutilidade e agressividade. Vejamos:

1. Podemos afirmar que a ganância e a sede pelo poder que cega o homem, o desejo insaciável pela riqueza ou status, o egoísmo predatório que fere a vida e a natureza, a prepotência e a autorreferencialidade, etc., entra em crise quando se depara com uma realidade oposta, isto é, a absoluta e santa pobreza vivida em São Damião. Nada de valores materiais, apenas nobres mulheres revestidas com a armadura da santa pobreza que afasta e envergonha toda a avareza humana: “O Senhor libertou dos inimigos o mosteiro e as Irmãs. E os sarracenos que já tinham entrado foram embora” (PC 2,20). Se confirma aqui uma das admoestações de São Francisco: “Onde há pobreza com alegria, aí não há nem ganância nem avareza” (Adm XXVII,3).

 

2. A mulher, tão estigmatizada na Idade Média por ser considerada inferior física e intelectualmente ao homem e, quando não, vista como figura do maligno e das desgraças do homem, na audácia de Santa Clara de Assis recupera a nobreza de um livramento de todos os preconceitos, particularmente os atuais atos de violência e discriminação na questão de gênero, com o objetivo de causar danos físicos, psicológicos, sexuais, morais ou patrimoniais à grandeza da alma feminina. Clara de Assis, sem dúvida, é a grande mulher aliada às pessoas que combatem todas as formas de misoginia e prepotência machista. Clara, mesmo descrevendo a sua comunidade feminina como um grupo “frágil e fisicamente sem forças” (TestC 27), diante da ferocidade dos sarracenos, busca no Senhor uma força sobrenatural de resistência: “E foi tanta a força dessa oração que os inimigos sarracenos foram embora sem fazer mal algum, como se tivessem sido expulsos, tanto que não tocaram em ninguém da casa” (PC 3,18).

3. A formação de Clara, orientada pela compreensão do casamento na nobreza e da consequente responsabilidade que deveria assumir para ser mulher forte e determinada, também se mostrou evidente nessa encruzilhada entre a fragilidade física e a coragem para não dar espaço ao fracasso ou à derrota diante das ameaças e ataques dos homens impiedosos e rudes. Aliás, experiência já vivida no seu processo de conversão e na fuga da sua irmã Catarina (Irmã Inês). Clara, mãe-pastora das Irmãs, assume sua responsabilidade no cuidado daquele pequeno rebanho (cf. PC VI,2) e de ser, ao mesmo tempo, “auxiliar do próprio Deus, sustentáculo dos membros vacilantes de seu corpo inefável” (3CtIn 8) da sua própria cidade natal: “Pois Deus por suas orações defendeu o mosteiro dos sarracenos e a cidade de Assis do assédio dos inimigos” (PC 12,8).

4. Santa Clara, invocada como padroeira e intercessora da cidade de Assis, também fez ecoar seu clamor pelo bem da paz aos seus concidadãos diante das ameaças de Vital de Aversa, descrito pela Legenda de Santa Clara como “homem cobiçoso de glória e intrépido nas batalhas, moveu contra Assis o exército imperial, que comandava. Despiu a terra de suas árvores, assolou todos os arredores e acabou pondo cerco à cidade […] Quando Clara, a serva de Cristo, soube disso, suspirou veementemente, chamou as Irmãs e disse: Filhas queridas, recebemos todos os dias muitos bens da cidade. Seria muita ingratidão se, na hora em que precisa, não a socorrêssemos como podemos. Mandou trazer cinza, disse às irmãs que descobrissem a cabeça. E, primeiro, espalhou cinza sobre a cabeça nua. Colocou-a depois também sobre as cabeças delas. Então disse: Vão suplicar a nosso Senhor com todo o coração a libertação da cidade” […]. Na manhã seguinte, Deus misericordioso deu a saída para o perigo: o exército debandou, e o soberbo, contra os planos, foi embora e nunca mais oprimiu aquelas terras” (LSC 23).

Mais uma vez a prepotência dos destruidores da vida e da natureza, os promotores da desgraça alheia, são vencidos por um ritual penitencial de cinzas e orações, semelhante às preces e penitência dos ninivitas (Jn 3,5). Prece que chegou aos céus e tocou profundamente os habitantes de Assis que passaram a ver em Clara e suas Irmãs as restauradoras da paz e da esperança por dias melhores. Assim, também para os nossos dias, Santa Clara nos provoca a buscar no Senhor a verdadeira paz para promovermos a paz no mundo.

Concluindo, podemos afirmar que Santa Clara de Assis, ao lado de São Francisco, é a mais nobre inspiração feminina de um mundo que busca a paz. Ela nos ensina a cultivar a paz interior em Deus e com Deus e, assim integrada, provoca-nos a buscar uma verdadeira justiça social da qual as mulheres exercem o seu protagonismo, a busca harmônica de direitos e deveres entre os filhos e filhas de Deus, buscando tornar o mundo mais justo, sustentável e inclusivo, focado na “economia de Francisco e Clara”, para o bem-estar da nossa Mãe-Terra que nos sustenta e governa.

São Paulo, na festa de Santa Clara de 2025.


Frei Fidêncio Vanboemmel, OFM.

O TEXTO TAMBÉM ESTÁ DISPONÍVEL NO ESPECIAL SANTA CLARA

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