Lá vai ela, a vida, lá vai ela passando, sem pedir nossa anuência, Ela nos carrega no seu bojo. Eu e a vida. A vida em mim. Passamos, como ela passa. Deixamos traços e marcas nas areias dos tempos que percorremos, ao longo das estações que nos metamorfoseiam. Lágrimas que vertemos, sorrisos que iluminaram nossos rostos, braços que nos seguraram, palavras carinhosas que foram sussurradas aos nossos ouvidos, dores e arrependimentos. Tudo faz parte de nossa vida.
Nas voltas e esquinas da caminhada andamos tentando colocar-nos à escuta de uma Voz que vinha lá de dentro de nós ou de alhures. Uma Voz que falava sem palavras. Andamos querendo ser do Mistério. Quisemos ou queremos que o Senhor possa marcar nossos dias, colorir nossos sonhos, dar-nos a mão para viver. Continuamos a buscá-lo sentando-nos num canto da sala, estirados na grama, folheando as páginas dos evangelhos. Queremos que ele, esse do Coração aberto, nos persiga. Ou que nunca deixemos de andar à sua procura.
Quem é esse Altíssimo e Bom Senhor? Deus em Jesus se tornou um recém-nascido deitado numa manjedoura, um pequerrucho de olhos fechados, chorando, pedindo o peito da mãe, incomodado por ter deixado o ninho quente onde estava antes. Um Deus que, aos poucos, abre os olhos, vê pessoas à sua volta, que aprende a sorrir, que se encanta com uma bola em seu berço. Um Deus tão pertinho. Deus num recém-nascido.
Fomos entendendo que Deus quis ser nosso companheiro de estrada e que em Jesus andou mostrando um pouco do seu Mistério. Não falou tanto de onipotência e de poder, mas de coisas mais simples, uma presença próxima. Querendo estar perto, sempre mais perto. Misturando sua vida com nossa vida. Colorindo nossos dias.
Aos poucos, seus gestos e suas falas, suas posturas e suas revoltas, seu olhar e seus gestos foram nos encantando. Em Jesus, Deus se tornou próximo de nós e foi dando viço à nossa vida e andamos e continuamos a contemplar um Deus que ama. Francisco de Assis se extasiava diante do Menino das Palhas: “Quero evocar a lembrança do Menino que nasceu em Belém e todos os incômodos que sofreu desde a sua infância; quero vê-lo tal qual era deitado numa manjedoura e dormindo sobre o feno entre um boi e um burro” (2Celano 84).
Um dia, bem mais tarde, elevado entre o céu e a terra, já tendo dado a vida , Jesus teve o lado, seu peito aberto. O Menino das Palhas, no alto a cruz, haveria de ter uma fenda no Coração. Uma ferida de amor.
Frei Almir Ribeiro Guimarães, OFM