Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Nosso mundo corre risco de explosão e de implosão

20/03/2021

                                                           Imagem ilustrativa: Canva (www.canva.com/pt_br/modelos)

  Leonardo Boff

O sonho do Papa Francisco formulado na Fratelli tutti de uma fraternidade sem fronteiras e de uma amizade social (n.6), fundamentos para uma nova ordem mundial, se funda na consciência de que estamos numa emergência planetária. As ameaças à vida e a  insustentabilidade da Terra levaram-no a dizer: “Estamos no mesmo barco; ou nos salvamos todos ou ninguém se salva” (n.32).

Para isso devemos forçosamente mudar: fazer a transição de paradigmas, quer dizer, passar do paradigma dominante que criou a modernidade, do ser humano senhor e dono (dominus) da natureza não se entendendo parte dela e por isso podendo explorá-la como bem entender  para  o paradigma do irmão e da irmã (frater) pelo qual o ser humano se sente parte da natureza, irmão de todos os seres e com a missão de guardar e cuidar dela.

Em razão disso propõe como base de sustentação de sua proposta as virtudes ausentes ou vividas apenas subjetivamente no paradigma do “senhor e dono”: o amor universal, a amizade social, o cuidado para com tudo o que existe e vive, a solidariedade sem fronteiras, a ternura e gentileza em todas as relações entre os humanos e com a natureza. Ela universaliza tais virtudes que antes eram privatizadas. Portanto, sua alternativa se alimenta daquilo que é essencial e o melhor do ser humano, aquilo que de fato nos faz humanos.

O Papa se dá conta do inusitado da proposta, reconhecendo: “parece uma utopia ingênua, mas não podemos renunciar a este sublime objetivo” (n.190). Realmente há vozes de cientistas e sábios que nos advertem dos riscos que corremos. Elenco alguns para dar concreção e caráter de urgência  à proposta do Papa, quase no limite do desespero, não obstante a sua fé inabalável e sua enraizada esperança no “Deus, apaixonado amante da vida”(Sab 11,26; Laudato Si’ n.77 e 89)

Em razão do arrojado de sua proposta recorre também àquilo sem o qual a vida não teria futuro: a virtude e o princípio esperança. “Precisamos alimentar a esperança que nos fala de uma realidade enraizada no profundo do ser humano, independentemente das circunstâncias concretas e dos condicionamentos históricos em que vive”(n.55).

A esperança possui uma base objetiva: o caráter virtual da realidade. O dado objetivo não é todo o real. Pertence também ao real, o potencial e o utópico, aquilo que ainda não é mas pode ser. O dado atual nos diz que estamos nos comportando como o Satã da Terra, como  lobos uns para com os outros, reféns da cultura do capital, da competição ilimitada e do consumismo desenfreado.

Mas esse dado não é tudo, nem somos condenados a perpetuá-lo. Dentro de nós há também o potencial e  o utópico viável, o de sermos os cuidadores da vida, irmãos e irmãs uns dos outros e com todos os demais seres da natureza. Tal proposta vem enfaticamente pregada pela Fratelli tutti.

Esse potencial  pertence à nossa realidade. E se está potencialmente lá, pode ser ativado, pode ser feito projeto pessoal e político e pode inspirar práticas que darão um sentido salvador  à história. A esperança nos salvará do desespero e da destruição. Vale sempre esperar contra toda a esperança.

Entretanto, conscientizamo-nos dos graves riscos que pesam sobre nosso destino, como nos assinalam os melhores nomes das várias ciências da vida e da Terra. Demos apenas alguns exemplos:

O geneticista francês Albert Jacquard nos diz “que estamos fabricando uma Terra na qual ninguém de nós gostaria de viver. Devemos nos apressar porque a contagem regressiva já começou” (Le compte à rebous a-t-il commencée?(2009)

Norberto Bobbio, notável jurista e filósofo, embora melancólico por temperamento, acreditava nas virtualidades de duas grandes revoluções do Ocidente: a dos direitos humanos e a da democracia. Ambas serviriam de base para a sua proposta por um pacifismo jurídico e político, capaz de equacionar o problema da violência como lógica do antagonismo entre os Estados. Mas os eventos do terrorismo globalizado, abalaram as convicções do velho e respeitado mestre. Numa de suas últimas entrevistas declarou:

“Não saberia dizer como será o Terceiro Milênio. Minhas certezas caem e somente um enorme ponto de interrogação agita a minha cabeça: será o milênio da guerra de extermínio ou o da concórdia entre os seres humanos? Não tenho condições de responder a esta indagação”.

No final de sua vida, o grande historiador Arnold Toynbee (+1975), depois de escrever dez tomos sobre as grandes civilizações históricas, deixou consignada esta opinião sombria em seu ensaio autobiográfico Experiências de 1969:

“Vivi para ver o fim da história humana tornar-se uma possibilidade intra-histórica capaz de ser traduzida em fato não por um ato de Deus mas do homem”.

Severas são as advertências de Martin Rees, astrônomo real do Reino Unido. À base de muitos conhecimentos a que tem acesso afirma em seu livro “A Hora Final: alerta de um cientista” (2005): “A humanidade está em maior perigo do que já esteve em qualquer outra época de sua história… a nossa chance de sobreviver até o fim deste século não passa de 50%” (203.205)

Cabe  citar  ainda, por sua grande autoridade, a advertência de um dos maiores historiadores do século XX Eric Hobsbawn em se conhecido livro-síntese “Era dos Extremos” (1994). Concluindo suas reflexões pondera:

O futuro não pode ser a continuação do passado… Nosso mundo corre o risco de explosão e implosão… Não sabemos para onde estamos indo. Contudo uma coisa é clara. Se a humanidade quer ter um futuro que vale a pena, não pode ser pelo prolongamento do passado ou do presente. Se tentarmos construir o terceiro milênio sobre esta base, vamos fracassar. E o preço do fracasso ou seja, a alternativa para a mudança da sociedade é a escuridão”(p.562).

A pandemia do Covid-19 nos deixa uma grave advertência: se continuarmos agredindo a natureza e a Terra, algo ainda  pior nos poderá  acontecer: outros vírus mais letais que o da Covid-19 poderão nos assaltar.

Esta situação suscita uma indagação humanística e filosófica: dá para se ter esperança ainda no ser humano no sentido de ver e sentir o outro como irmão e irmã?  Pode ele melhorar sob o ponto de vista das relações sociais, da moralidade e da humanidade?  Ou somos condenados a viver a nossa tragédia histórica até o fim, até a nossa autodestruição? O Papa Francisco em suas encíclicas ecológicas não exclui semelhante tragédia (Cf. Laudato Si’ n.161).

Seguramente não há nenhuma resposta cabal para interrogações desta radicalidade. Mas se no pós-pandemia não iniciarmos transformação substanciais na forma de produzir, distribuir, consumir e e nos relacionar com a natureza então, sim, podemos ser surpreendidos com a destruição de grande parte da humanidade, senão de toda ela. A Mãe Terra, entre dores por perder filhos e filhas queridos mas rebeldes, continuará sua trajetória ao redor do Sol, mas sem nós.


Leonardo Boff, ecoteólogo, filósofo escreveuO doloroso parto da Mãe Terra: uma sociedade de fraternidade sem fronteiras e de amor e amizade social” a sair em breve pela Vozes.

Download WordPress Themes Free
Download Premium WordPress Themes Free
Download WordPress Themes Free
Download Best WordPress Themes Free Download
free online course
download lenevo firmware
Download Premium WordPress Themes Free
free online course