Pe. Ademir Guedes Azevedo, cp.Precisamos refletir sobre o que implica ser cristão no mundo de hoje. Houve um tempo no qual era impossível pensar a vida sem a religião. O ritmo do ano, as datas marcantes, o ciclo da natureza, o modo de vestir, enfim, tudo era fortemente ligado à dimensão religiosa. No entanto, com o advento da modernidade, as conquistas científicas, o avanço da economia, as descobertas de novos mundos, o fascínio da tecnologia, tudo mudou. A religião sofreu grande abalo e o sujeito desenvolveu a capacidade de pensar por si mesmo, tornou-se autônomo. A religião, depois da modernidade, é apenas uma alternativa dentre tantas outras formas de vida. Isso não quer dizer que o homem deixou de ser religioso. Pelo contrário, ele continua com uma grande busca pelo transcendente. No coração do homem pós-moderno, Deus não está morto. O que está em jogo é a falta de pertença à comunidade eclesial. Com os escândalos de alguns irmãos do clero e com a retomada de antigos discursos doutrinais descontextualizados e manipulados, tem-se cada vez mais assistido a um esvaziamento das comunidades. A vida paroquial, em algumas partes do mundo, é frequentada somente nos momentos de funerais e de outras festas anuais, como Páscoa e Natal. Diante disso, o cristão de hoje deve procurar viver a fé a partir do testemunho, o qual não se pauta sobre formalismos, mas em atitudes. Pensando a isso, vale a pena refletir sobre iniciativas concretas que podem iluminar a nossa missão no mundo de hoje, a saber: a acolhida, o encontro, o diálogo e a inserção nas realidades de fronteiras. Vamos debater sobre cada uma, considerando que as mesmas nos remetem ao cristianismo desde as suas origens.
A acolhida. Não tem a ver apenas com a formação de uma boa equipe de leigos que se põe nas entradas das nossas Igrejas. A acolhida é vista na ótica da compaixão e inclusão. Para ser autêntica, deve ser experimentada em saída. Precisa ser espontânea e constituir a missão do cristão. A acolhida sempre empresta mais o ombro do que os ouvidos. Não é uma escuta passiva. Escutar significa envolver-se com a vida do outro ao ponto de nutrir uma relação de solidariedade. Esta, por sua vez, não se baseia naquele velho lema “uma mão lava a outra”. A acolhida é desinteressada porque não é uma ação de proselitismo. Acolher significa abrir-se ao mistério da vida do outro e entender a sua história. É uma questão de desejar que o outro viva. Trata-se de uma ponte que nos põe em contato com o drama do mundo e os seus desafios.
O encontro. Infelizmente, é uma atitude quase esquecida. A preferência é mais pela via do mundo virtual. Encontrar-se hoje virou coisa do passado. O encontro verdadeiro, porém, exige a conversa e o olhar. Precisa colocar-se de frente ao outro, não ao seu lado. O encontro pessoal estabelece o nível qualitativo de nossas relações. Muitos jovens hoje perdem a paciência de conversar e não conseguem estar presente plenamente no momento com o outro. Fazem tudo ao mesmo tempo e, no final, sentem-se ansiosos, quase em estado de pânico porque não se preenchem interiormente. O encontro face a face gera raízes com o outro, nutrindo empatia e compaixão. Faz-nos sentir responsáveis com a vida e nos questiona sobre a nossa humanidade. É tão sério isso que, uma idosa de cama, na virada de ano novo, sentiu-se tão sozinha por seus netos e filhos, ocupados com o celular e todo o aparato tecnológico, que desesperada por não ter nenhum que lhe desse atenção, liga para os policiais civis para virem a sua casa naquela noite, só para ter alguém que pudesse escutar o seu “feliz ano novo”. Toda a família estava em sua casa, mas ninguém deu-se conta da presença daquela idosa. A vida grita por encontro e ai de nós se o recursarmos.
Diálogo e inserção nas realidades de fronteiras. Recusar os verdadeiros encontros é sinal que não somos capazes de dialogar. Quando a vida nos põe grandes desafios, a melhor coisa é refletir juntos e buscar soluções, a partir da colegialidade. Se o ser humano se esquece que a sua racionalidade desenvolve-se progressivamente à medida que é capaz de vencer situações difíceis, então torna-se um ser meramente material, condenado a comer o pão duro da realidade. O diálogo nutre a utopia e nos faz caminhar com esperança. O mundo não é para ser contemplado, mas sim transformado para o melhor a partir de nossa capacidade de encontrar soluções dos desafios. A mais bela forma de diálogo é aquela que conduz rumo à fronteira, como lugar da novidade e da compaixão. Na fronteira não sabemos o que nos espera. Por isso, está relacionada com a fé. Fé que que confia e se abandona, que nos põe em marcha. Para interpelar-se pelo desafio da fronteira, a vocação de Abraão é um ótimo incentivo. Deus o convida a ir para a fronteira, a sair e a acreditar. Abraão deve movimentar-se e não ter medo de viver em procura pela nova terra. Quem habita a fronteira aprende a vencer o medo do outro e se torna mais humano, ou seja, mais parecido com Deus, pois ele também, por meio de sua encarnação, habitou a fronteira da nossa humanidade.
Não podemos negar que hoje vivemos imersos em desafios e cada vez mais a vida cristã, à luz do Evangelho, deve inventar-se e não fechar-se em guetos. Retomar a proposta do cristianismo através da acolhida, do encontro, do diálogo e da inserção nas fronteiras, pode dar um novo colorido à nossa vida e nos acordar do sono da indiferença. Vamos, levanta-te! Juntos somos mais fortes…
Pe. Ademir Guedes Azevedo é missionário passionista e mestrando em teologia fundamental na Pontifícia Universidade Gregoriana.