Pe. Ademir Guedes Azevedo,cp
Muitas pessoas vivem sob os efeitos nefastos da depressão. São inúmeras as causas que, minuciosamente, desembocam nesta doença. Um dos terríveis fatores reside no ato de comparar a própria vida com a dos outros. No espaço virtual isso é cada vez mais aguçado. Tem-se a impressão que saímos como perdedores diante das inúmeras conquistas e da “bela vida” que os outros levam. Sabemos, contudo, que por trás das inúmeras postagens de um mundo perfeito, residem pessoas com o coração partido, com fracassos e desilusões. Personagens famosos, principalmente no mundo religioso, chegaram ao limite e pedem socorro porque a depressão, infelizmente, resolveu visitá-los. O golpe final da depressão é o suicídio.
Acrescente-se ao dado biológico da depressão, um outro fator devassador: se trata daquele desânimo que afeta a alma, a acídia. Na realidade, os padres do deserto já advertiam sobre essa doença espiritual. Seu sintoma principal é o desânimo ou a preguiça. Não se cultiva uma vida de interioridade, tudo parece não valer a pena. Diante do bem-estar do capitalismo, eu mesmo crio meu deus, abandono a dimensão do cuidado para com o próximo e não me interessa se o Evangelho me pede renúncias e o compromisso de carregar a cruz todos os dias. Na nova geração de consagrados, salvo raras exceções, a acídia espiritual se manifesta na perda do sentido da utopia. Tem-se dificuldade de sonhar e investir as energias na profecia que questiona o status quo e desestabiliza os nossos cômodos rituais.
Tal realidade suga a nossa paixão pelo Reino. Esta categoria nos adverte a não nos contentar com as nossas seguranças que, desesperadamente, criamos todos os dias. A realidade não é absoluta. Nela existimos, mas não nos eternizaremos aqui, precisamos caminhar e ir além. Quando me deixo guiar pela acídia espiritual, me dou conta que tudo é material, a transcendência vira coisa do passado. Veja-se, por exemplo, o caso de pessoas que prometeram a si mesmas serem fiéis a um propósito e, com o envolvimento numa série de situações, acabaram se perdendo e esquecendo do primeiro amor. Para sermos mais diretos: aquele jovem que prometeu amar até a morte aquela linda mulher que um dia foi a única paixão de sua vida, depois de certo tempo de convivência deixou apagar-se a chama do amor; aquele outro jovem que entrou na vida religiosa com o ardente desejo de dar a vida em prol dos irmãos, mas tomado pelo clericalismo deixou-se enganar por um estilo supérfluo que já não reflete a profundidade do Evangelho. Para sermos mais precisos, a acídia espiritual manipula a nossa subjetividade, ou seja, nos faz viver para nós mesmos, nos aprisiona dentro de nossas fantasias. Em outras palavras: o isolamento toma sempre o primeiro lugar seja na depressão que na acídia espiritual.
Contudo, existe em nós uma energia capaz de nos despertar deste sono da indiferença, trata-se do eros. Infelizmente, este foi sempre demonizado e associado ao pecado. Todavia, o cristianismo através do ágape purificou o eros do veneno do egoísmo que desejava apenas o prazer dos belos corpos. Com a cruz de Cristo, o eros transformou-se em energia de encontro, de desejo de estar com o outro para cuidar de suas feridas. Vejamos o caso de Jesus: não é uma blasfêmia dizer que foi o eros que o fez deixar a vida intratrinitária para encarnar-se e viver a plenitude de ser homem. Foi o eros, este desejo incontrolável pelo outro, que o fez encontrar-se com a ovelha perdida para carregá-la nos ombros, foi a energia erótica de Jesus que o moveu como bom samaritano para derramar sobre nossas feridas o óleo de sua misericórdia. O ágape, na verdade, é apenas o resultado do sadio desejo erótico que sentimos para com o próximo que está diante de nós.
Precisamos aflorar a nossa energia erótica e permiti-la que conquiste a sua devida cidadania. A depressão, infelizmente, tenta apagar o eros, mas este por sua vez, resgata a vida da amargura. A acídia espiritual não é capaz de desejar o outro para oferecer o ombro da compaixão. Como seria bom se nós nos inspirássemos na energia erótica do Cirineu que o motivou a carregar a cruz de Jesus.
Além destes personagens bíblicos que citei, gosto de contemplar a compaixão erótica de Madre Teresa e de Francisco de Assis. Sinto-me ressuscitado quando contemplo o incontrolável erotismo de Teresa de Calcutá que cuida das crianças abandonadas. Renovo-me quando imagino Francisco, ao ser tomado de erotismo, beija o leproso e chama a tudo e a todos por irmão. Só o eros pode nos resgatar da nossa indiferença. E você, já pensou que pode revolucionar com o poder de sua energia erótica? Use-a para a compaixão!
Pe. Ademir Guedes Azevedo é missionário passionista e mestrando em teologia fundamental na Pontifícia Universidade Gregoriana.