Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Precisamos acreditar que as flores vencem os canhões

26/02/2018

 

                                                                                              Imagem: Acervo Província

Helio Gouvêa*

Quantas mudanças estão acontecendo tão rapidamente em nossa sociedade, quantos conflitos estão sendo gerados mundo afora, quanta violência gratuita estamos consumindo e produzindo cotidianamente. Às vezes, desejo fortemente que o mundo pare para desembarcar dele. Mas questiono a mim mesmo: Será que realmente levo a sério o que disse no dia da minha profissão, quando renovei o meu Batismo e quando me consagrei a serviço do Reino, comprometendo-me a viver como secular por todo o tempo de minha vida, o Evangelho de Jesus Cristo, observando a sua Regra e buscando, com a ajuda dos irmãos, com a intercessão da Virgem e de São Francisco, conseguir a perfeição da caridade cristã? (cf Ritual da Profissão na OFS).

Pensando na profissão que realizamos como franciscanos seculares e acreditando que onde cresceu o pecado, a graça cresceu muito mais (Rm5,20), creio ser este o momento oportuno para sairmos de nossos “conventos” e olhando todo mundo, que Deus viu que era bom, novamente dizer que é este nosso claustro. (cf Al 29,25 – Sacrum Commercium).

Para nos refletirmos ainda mais sobre nossa postura diante de tudo que está acontecendo em nosso “claustro”, estamos em pleno Ano do Laicato que contém em seu tema parte da fórmula de nossa profissão: Cristãos leigos e leigas, sujeitos na ‘Igreja em saída’, a serviço do Reino, e em seu lema: Sal da Terra e Luz do Mundo (Mt 5,13-14); e, para nos empurrar de vez em atitudes concretas e coerentes (Regra OFS 15), vivemos a Campanha da Fraternidade, cujo tema é “Fraternidade e superação da violência”; e o lema, “Em Cristo somos todos irmãos” (Mt 23,8). Quanta provocação para passarmos do “Evangelho à vida e da vida ao Evangelho” (Regra da OFS 4) “na construção de um mundo mais fraterno e evangélico para a realização do Reino de Deus” (Regra da OFS 14) percebendo que “assim como o Pai vê em cada ser humano os traços do seu Filho, Primogênito entre muitos irmãos, os franciscanos seculares acolham todos os homens com espírito humilde e benevolente, como um dom do Senhor e imagem de Cristo”. (Regra da OFS 13).

A este chamamento para mudarmos o mundo me preocupa estarmos por muitas vezes inertes ou anestesiados, seja por falta de vontade, por medo ou ainda por acreditar que, ao realizamos ações concretas e coerentes com o Evangelho e com nossa Regra, estamos fazendo politicagem ou ainda confundindo a Doutrina de nossa Igreja. Esse pensamento, sim, traduz o que Francisco diz na Carta aos Fiéis, prólogo de nossa Regra, quando pensamos “mundanamente” e deixamos de “observar o Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo, segundo o exemplo de São Francisco de Assis, que fez do Cristo o inspirador e o centro da sua vida com Deus e com os homens” (Regra da OFS 4).

A palavra “violência”, conforme o dicionário franciscano, não aparece em nossas Fontes de tão preocupados que os primeiros frades estão empenhados em manifestar a paz, porém, com outros nomes, aparece o perfil de uma realidade social bastante violenta, marcada por injustiças, perseguições e inimizades. Francisco parece não ter ignorado que a injustiça fosse um dado comum nas relações sociais nos inícios do século XII. Quando abençoou Assis e disse: “Senhor, penso que outrora esta cidade deu abrigo e morada a gente malvada e iníqua… Mas agora vejo que, pela tua infinita misericórdia, no tempo por ti escolhido, manifestaste a esta cidade a riqueza do teu amor; ela se transformou em morada daqueles que te devem conhecer e dar glória ao teu nome, e espalhar em todo o povo cristão teu nome e o perfume de uma vida pura, de boa doutrina e da boa reputação” (LP 99). Não sabemos o que de fato trouxe essa reputação a Assis, mas o que pôs fim a esse clima social foi a presença franciscana. (cf verbetes violência e injustiça).

E agora, meus irmãos e irmãs, o que porá fim a esse clima de violência e injustiça que estamos vivendo em todo mundo? Seria nossa presença mais uma vez restauradora da Paz e do Bem?

Quando vejo cristãos de diversas denominações apoiarem violências ou ainda pessoas violentas como forma de resolver nossos problemas, fico realmente confuso, mas, quando tal cristão é franciscano, não compreendo mesmo, pois ele acaba fugindo duas vezes de seus chamados vocacionais, o de Cristo Jesus e do nosso seráfico pai Francisco. E como agora irá saudar a todos com Paz e Bem?

Percebo nossa fragilidade e sei que somos vacilantes, mas como disse nossa mãe Clara: “não perca de vista seu ponto de partida, conserve o que você tem, faça o que está fazendo e não o deixe, mas em rápida corrida, com passo ligeiro e pé seguro, de modo que seus passos nem recolham a poeira, confiante e alegre avence pelo caminho da bem-aventurança”. (2CtIn11-13).

Mais do que nunca, por força de nossa vocação, precisamos nos comprometer com um mundo mais justo e fraterno, e, nesse ponto, a Doutrina Social da Igreja (DSI) nos lembra que “A Igreja, de fato, é, “em Cristo, ‘sacramento’, ou seja, sinal e instrumento de paz no mundo e para o mundo”. A promoção da verdadeira paz é uma expressão da fé cristã no amor que Deus nutre por cada ser humano. Da fé libertadora no amor de Deus, derivam uma nova visão do mundo e um novo modo de aproximar-se do outro, seja esse outro um indivíduo ou um povo inteiro: é uma fé que muda e renova a vida, inspirada pela paz que Cristo deixou aos seus discípulos (cf Jo14,27)… uma verdadeira paz só é possível através do perdão e da reconciliação. (Compendio da DSI cap. 1, 516-518).

Na carta Encíclica Pacem in Terris, de João XXIII, que nos lembra que, como seres humanos, temos direito à existência e a um digno padrão de vida; direito aos valores morais e culturais, com direito à liberdade na pesquisa da verdade, na difusão do pensamento, na liberdade de prestar culto a Deus de acordo com os retos ditames da sua própria consciência e de professar a religião privada e publicamente; direito à liberdade de escolher o estado de vida; direito ao trabalho e a justa remuneração; direito a reunir-se em associação; direito de migração e imigração; e o direito de caráter político que é o de participar da vida pública. É claro que também há deveres e o correto uso deles para que as relações humanas sejam mais harmoniosas possíveis, com tudo isso, ainda existem entre nós, seres humanos, pessoas que não permitem direitos a outras pessoas, ou se incomodam com os direitos delas, por serem diferentes dos seus. Esse desejo de ser exclusivo fere gravemente a paz e gera violência desmedida e seria um bom começo para nós, franciscanos e franciscanas, como exercício prático de superação da violência e como portadores da Paz e do Bem, exercer e difundir o respeito à dignidade do outro.

Acredito que, com esse incentivo à vivencia da Campanha da Fraternidade, proponho uma reflexão aos irmãos e irmãs seculares e também à grande Família Franciscana sobre nossa forma de estar e agir no mundo, com a certeza de que precisamos ser portadores da Paz e do Bem onde estivermos e que nunca deverá sair palavras de nossa boca e gestos de nossas mãos que firam ao menores e preferidos de Deus, pois tudo que hoje sofremos é fruto deste egoísmo milenar da espécie humana que não soube partilhar. Cabe a nós, irmãos e irmãs da penitência, sair da preocupação de nossa sobrevivência, olhar para o mundo e acreditar que o amor ainda vence o ódio, que o perdão ainda vence a ofensa, que a união ainda vence a discórdia, que a fé ainda vence a dúvida, que a verdade ainda vence o erro, que a esperança ainda vence o desespero, que a alegria ainda vence a tristeza, que a luz ainda vence as trevas, que a partilha do pão ainda vence a divisão e que as flores ainda vencem os canhões.

Fraternalmente, e à exemplo do Seráfico Pai, “comecemos, irmãos, a servir ao Senhor nosso Deus, porque até agora pouco resultado obtivemos” (LM XIV 1,3)


*Coordenador Nacional JPIC

 

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