Foto: Chuck Hantis
Frei Almir Guimarães
Continuamos nossa reflexão sobre o tema da pobreza que o Pai Francisco assumiu como ponto fundamental de seu seguimento de Cristo.
“Seu amor por mim
humilhou sua grandeza.
Ele se fez semelhante a mim
para que eu possa revestir-me dele.
Ao vê-lo não tive medo
porque ele é misericórdia para mim.
Assumiu a minha natureza
para que eu o compreenda,
assumiu o meu rosto
para que eu não me afaste dele.”
Texto judeu de um cristão do Séc.II
Para o Poverello, o despojamento das coisas e dos bens significa, paralelamente, ter apego profundo ao Senhor, que é rico para todos que o invocam (cf. Rm 10,12). Na medida em que mais e mais nos ligamos ao Senhor vivo, ressuscitado, presente perto de nós, na mesma medida nos distanciamos do que não seja Ele. O despojamento dos bens acontece quando o homem encontra o tesouro, a pérola preciosa capaz de satisfazer seus desejos. É a pobreza constitutiva da vocação do peregrino que vive o êxodo pascal rumo aos bens do Reino. Trata-se de dimensão essencial da itinerância franciscana.
Aos pobres, o Evangelho reserva a herança da glória. Por isso, a pobreza de Francisco é alegre. Acolhe um inestimável tesouro que permite relativizar todos os bens, sem desprezá-los. A alguém que havia manifestado o desejo de viver com ele, Francisco responde: “Se queres juntar-te aos pobres de Deus, distribui antes teus bens aos pobres” (2Cel 81).
Sabe ele que somente aquele que tiver um coração de pobre, livre de tudo e de si mesmo, pode conseguir as riquezas de Deus. Um coração que se apega a bens corre risco de viver um fechamento interior. O homem do Evangelho deseja ter sempre desimpedidas as portas do interior para poder receber o Senhor. Ele e seus irmãos almejam que o desejo de Deus não venha a se extinguir por apegos. A pobreza sociológica não é a primeira em seus escritos, mas aquela que se define como desapropriação, pobreza espiritual.
A desapropriação de si, o despojamento do ego, é a forma de pobreza que volta sempre de novo em seus escritos. De nada se apropriar. Nada atribuir a si. Isto não apenas no plano material, mas no nível de capacidades intelectuais, morais e em termos de apostolado. Nada temos de próprio, a não ser nossos vícios e pecados. Tudo nos é dado para servir à glória de Deus e ao bem dos outros. Somos seres que acolhemos riquezas que precisam ser distribuídas. Nada de acumulações estéreis e esterelizantes.
A desapropriação é o primeiro critério, para saber, se o homem é, na verdade, animado pelo Espírito: “Assim se pode conhecer se o servo de Deus tem o espírito do Senhor: se seu eu não se exaltar quando realizar por meio dele algum bem – mas antes se considerar o mais desprezível e se avaliar como menor que todos os outros homens” (Adm XII). Reencontramos eco de São Paulo para quem o pecado essencialmente do homem carnal, voltado sobre si mesmo, que reivindica autonomia absoluta, quando na verdade não pode gloriar-se de nada, tanto na ordem natural quanto no plano da salvação. Tudo é graça.
Francisco não tira os olhos do exemplo de Cristo. Não pode conceber Jesus, o Filho único, rico de outra coisa que de seu Pai, seu bem, sua riqueza, sua alegria. O Pai está sempre nas palavras, nos gestos, nas preocupações, na oração do Filho. A pobreza/desapropriação é a atitude evangélica fundamental, a atitude do Filho diante do Pai.
Frei Almir Guimarães
Inspirado em Michel Hubaut,OFM
Chemins d’intériorité avec Saint Fraçois d’Assise
Éditions Franciscaines, Paris, 2012, p. 189-195