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Canção de Reconciliação: Carta para o VIII Centenário do Cântico das Criaturas (1225-2025)

01/09/2025

Nesta segunda-feira, 1º de setembro, a Ordem dos Frades Menores e a Família Franciscana publicaram o documento intitulado “Canto à Reconciliação”, por ocasião do VIII Centenário do Cântico das Criaturas (1225-2025).

O texto é assinado por Frei Massimo Fusarelli, Ministro Geral OFM; Frei Carlos Trovarelli, Ministro Geral da Ordem dos Frades Menores Conventuais; Frei Roberto Genuin, Ministro Geral da Ordem dos Frades Menores Capuchinhos; e Frei Amando Trujillo Cano, Ministro Geral da Terceira Ordem Regular.

Esta celebração integra a sequência dos centenários que compõem o único Centenário Franciscano, passando por Fonte Colombo, Greccio, La Verna, São Damião e, finalmente, Santa Maria dos Anjos.

De acordo com o texto publicado no site da Ordem, entre a dor e o amor de La Verna — onde Francisco recebeu os Estigmas — e o seu encontro com a “Irmã Morte”, encontramos este cântico de louvor e reconciliação, que resume a visão de Francisco sobre Deus e o mundo, sobre as criaturas e os seres humanos, sobre si mesmo e o Todo-Poderoso. O Cântico é uma síntese da visão franciscana da realidade, e juntos queremos entoá-lo novamente com alegria de espírito!

Em 2025, Ano Santo e Ano do Cântico das Criaturas, desejamos redescobrir, juntos, a profundidade desta oração que atravessou os séculos e que ainda hoje fala ao coração da humanidade e da Igreja. Composto gradualmente por Francisco entre 1225 e 1226, o Cântico não é apenas um texto poético, mas o testemunho de uma visão abrangente de Deus Criador, da criação, da fraternidade universal e da ecologia integral — temas que o Papa Francisco retomou com vigor em sua encíclica Laudato si’.

Acompanhe a carta abaixo

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Queridos irmãos e irmãs da Família Franciscana no mundo,

Que o Senhor lhes dê a sua paz!

Com esta carta, desejamos compartilhar com vocês a alegria pelo VIII Centenário do Cântico das Criaturas, uma data que não podemos deixar passar despercebida. Esta celebração se insere plenamente na sequência dos Centenários que compõem o único e grande Centenário Franciscano: de Fonte Colombo a Greccio, passando pelo Alverne, por São Damião e, por fim, por Santa Maria dos Anjos.

Entre a dor e o amor vividos no Alverne, onde Francisco recebeu os Estigmas, e o encontro com a “Irmã Morte”, encontramos este cântico de louvor e reconciliação que resume o olhar de Francisco sobre Deus e o mundo, sobre as criaturas e os seres humanos, sobre si mesmo e sobre o Altíssimo. O Cântico é uma síntese do modo como Francisco percebia a realidade, e queremos, juntos, continuar a cantá-lo com alegria de espírito!

Em 2025, Ano Santo e Ano do Cântico das Criaturas, desejamos redescobrir juntos a profundidade dessa oração que atravessou os séculos e que, ainda hoje, fala ao coração da humanidade e da Igreja.

Composto gradualmente por Francisco entre 1225 e 1226, o Cântico não é apenas um texto poético, mas o testemunho de uma visão completa de Deus Criador, da criação, da fraternidade universal e da ecologia integral, temas que o Papa Francisco retomou com força em sua encíclica Laudato si’.

Hino de Júbilo

Que louvor pode existir sem o canto? E qual canto pode existir sem um som que o acompanhe? “Louvado sejas, meu Senhor, com todas as tuas criaturas”.  O Cântico do Trovador de Deus é música, talvez até antes de ser palavra, pois Francisco desejava que, por meio do canto, se anunciassem o perdão e a paz aos poderes em conflito. Foi isso que aconteceu, posteriormente, com o movimento dos paceri, também conhecido como o movimento do Aleluia. O Cântico pertence ao gênero das laudas medievais e é, antes de tudo, um louvor. Não foi criado para ser lido em silêncio, mas para ser proclamado em canto.

Também o Jubileu começa com um som: o do shofar, o chifre de carneiro que, se íntegro e devidamente preparado, torna-se o yobel, a trombeta do jubileu. Que tipo de liturgia pode haver sem música? E que música pode existir sem a ajuda de um instrumento-, instrumento que somente a criação, obra das mãos de Deus, pode fornecer? Não se tratava de instrumentos mecânicos, mas de sopros e cordofones de arco, feitos com materiais animais e vegetais, que eram admitidos para expressar na liturgia a sublimidade do louvor a Deus, que é “o Bem, o Sumo Bem, Senhor Deus vivo e verdadeiro”. Como diz o Salmo “Desperta, cítara e harpa, eu vou despertar a aurora”. De fato, o ser humano não pode ser salvo sem a criação. Quando agimos contra a criação de Deus (opus Dei), fazemos mal a nós mesmos e à nossa aliança com o Criador. Segundo a tradição oriental, o ser humano que maltrata a natureza perde o sentido da beleza; quem não a cuida torna-se preguiçoso, e quem ignora sua alteridade natural cai na ignorância.

A espiritualidade do louvor acompanha Francisco de Assis desde a conversão até o encontro com a irmã morte, atravessando as dificuldades da existência humana, como aquelas descritas na parábola da “verdadeira e perfeita alegria”. “Louvado sejas, meu Senhor, por aqueles que… sustentam enfermidade e tribulação…”. Não pode haver reconciliação com os irmãos sem reconciliação com a terra, como exige o anúncio do Jubileu. É possível proclamar a libertação dos escravos sem eliminar a injustiça na posse da terra? Sim, libertação dos escravos, mas não sem o repouso da terra! “Grito da terra e grito dos pobres” Francisco não conhecia contraposição ou polarização. Na linguagem do Cântico, a diferença torna-se harmonia, e não antagonismo; complementariedade, e não dissonância. Até os gêneros gramaticais dos substantivos sinalizam o ritmo da reciprocidade: irmão Sol e irmã Lua, irmão Vento e irmã Água, irmão Fogo e irmã nossa mãe Terra. E não se trata apenas de uma peculiaridade estilística, mas de uma verdadeira visão teológica, amadurecida por Francisco ao longo do seu caminho evangélico. A irmandade cósmica que ele proclama não elimina as diferenças, mas as integra em uma ordem de respeito e reciprocidade, refletindo a ligação originária entre homem e mulher, entre céu e terra, entre luz e trevas. Assim, seu canto não apenas enumera as criaturas, mas as une em uma totalidade na qual até mesmo os contrastes mais radicais- dia e noite, frio e calorse reconciliam em uma unidade mais ampla. Nada está excluído dessa sinfonia, onde a diversidade do criado não é fragmentação, mas riqueza, e onde cada ser, em sua singularidade, é chamado a participar do comum louvor ao Criador: Louvado sejas, meu Senhor, pelo irmão Vento, … e pelo ar e pelas nuvens e pelo sereno e por todo tempo. Francisco aprendeu que unidade não é uniformidade, mas comunhão: uma interconexão de relações em que cada criatura existe não por si mesma, mas em relação com as demais, numa ordem de integração e reciprocidade que reflete a bondade divina.

Ao Altíssimo Bom Senhor

Tudo está conectado, tudo está em relação: tudo é trinitário. Deus é tudo, e tudo está em Deus. Como expressar o jubileu ao Altíssimo, onipotente e bom Senhor, que depois daquela noite de tormentos físicos e espirituais em São Damião, consolou novamente Francisco com a promessa da salvação eterna, mostrando-lhe uma visão semelhante a um maravilhoso jardim? Somente os sons, as cores, os sabores e os perfumes das criaturas permitem restituir plenamente o louvor ao Criador do universo. É apenas por meio da criação que recebemos linguagem e música para cantar a sua beleza: “Reconhece nas coisas belas aquele que é o mais Belo; todas as coisas boas lhe clamam: ‘Quem nos fez é o Melhor’”.

“Meu Deus e meu tudo! ”- Francisco repetira isso durante toda a noite na casa de Bernardo de Quintavalle. Era o grito de Jesus na cruz, unido à esperança de São Paulo: “para que Deus seja tudo em todos”. E também no Monte Alverne, como nos conta frei Leão, Francisco voltou a contemplar o abismo do amor de Deus: “Quem és tu, dulcíssimo Deus meu, e quem sou eu, vilíssimo verme e teu inútil servo? ”. Ali mesmo, no Monte Alverne, já sem hesitação, exclama: “Vós sois tudo, nossa riqueza em suficiência”.

Deus é tudo, e tudo está em Deus. Francisco não cessa de afirmar a infinita magnificência e bondade de Deus: “Vós, Senhor, […] sois o sumo e eterno Bem, do qual procede todo o bem, sem o qual não há nenhum bem”. Como poderia ele, assíduo leitor da Escritura, não reconhecer na própria criação o dedo de Deus, o livro que narra a Sua beleza? Como escreve Tomás de Celano, seu primeiro biógrafo:

Quem seria capaz de narrar a doçura que fruía ao contemplar nas criaturas a sabedoria, o poder e a bondade do Criador? Na verdade, a partir desta consideração, enchia-se muitas vezes de admirável e inefável alegria, quando olhava o sol, quando via a lua, quando contemplava as estrelas e o firmamento.

Tomás de Celano, com convicção, continua a lapidar sua narrativa sobre a origem e o princípio inspirador do Cântico, inclusive ao escrever o Memorial no desejo da Alma:

Toda aquela bondade fontal, que há de ser tudo em todos, já se manifestava a este santo como tudo em todos.

Com a ajuda das criaturas

“Altíssimo, onipotente, bom Senhor…”: não poderiam existir títulos mais sublimes para expressar a plenitude cósmica do Deus de Francisco!

Mas é justamente ao contemplar a incomensurável grandeza do Pai de todas as coisas que Francisco descobre o abismo do próprio nada. A visão da sublimidade do Altíssimo desperta nele a consciência da própria indignidade, o que o leva a invocar a ajuda das criaturas. A bondade excessiva desse Deus -o único verdadeiro digno de louvor- faz com que Francisco se sinta até mesmo incapaz de pronunciar o seu nome:

“Teus são o louvor, a glória e a honra e toda bênção. Somente a ti, ó Altíssimo, eles convêm, e homem algum é digno de mencionar-te”.

No louvor elevado a Deus pelos vinte e quatro anciãos do Apocalipse, Francisco identificava o ápice do seu itinerário espiritual: um caminho que vai do “conhecimento” de Deus- “todo bem, sumo bem, todo o bem”- ao “reconhecimento” da sua doçura, força e beleza, até chegar à “restituição” de tudo, por meio do louvor:

“E restituamos todos os bens ao Senhor Deus altíssimo e sumo e reconheçamos que todos os bens são dele e por tudo demos graças a ele, de quem procedem todos os bens”.

Se na Regra é Cristo quem socorrerá a humanidade- que “não é digna de proferir o vosso nome”- no Cântico, são as criaturas que emprestam suas vozes ao gênero humano. Essa é uma das grandes intuições de Francisco, retomada pelo Papa Francisco na Laudato si’, quando aponta o Santo do Cântico como modelo de ecologia integral:

“Acho que Francisco é o exemplo por excelência do cuidado pelo que é frágil e por uma ecologia integral, vivida com alegria e autenticidade […]. Era um místico e um peregrino que vivia com simplicidade e numa maravilhosa harmonia com Deus, com os outros, com a natureza e consigo mesmo”.

Pegadas da Palavra Feita Carne

É somente por meio das criaturas que o ser humano, indigno, encontra auxílio para restituir a Deus um louvor “como Lhe é agradável”.

Como recorda Francisco em suas Admoestações, as criaturas “servem, reconhecem e obedecem ao seu Criador melhor do que tu”. Essa não é uma invenção poética de Francisco, mas fruto de sua leitura atenta das Escrituras. Na liturgia, antes de tudo, as criaturas aparecem como um livro sonoro que proclama “a glória” do seu Criador: “Os céus narram a glória de Deus, o firmamento anuncia a obra de suas mãos”.

Muito se discutiu entre os estudiosos sobre o valor daquele “cum” (com) na expressão “Louvado sejas, meu Senhor, cum todas as criaturas”. Seria esse cum um complemento de companhia (“sejas louvado, Senhor, e contigo sejam louvadas também as criaturas”) ou um complemento de meio (“sejas louvado, Senhor, por meio de todas as criaturas”)?

A afirmação da indignidade do ser humano no início do Cântico parece favorecer esta segunda interpretação. Não encontrando em si mesmo uma voz digna de louvor, Francisco acolhe o apelo do Salmista:

“Que todas as tuas obras te louvem, Senhor”. Nos Escritos de Francisco, encontramos sempre, junto ao “com as tuas criaturas”, também o “pelas tuas criaturas”: por meio das quais Ele nos ilumina e sustenta. Afinal, não é a carne o ponto central da salvação?

No olhar poético

Que as criaturas não sejam fruto de um demiurgo maligno- como sustentava a heresia dos cátaros, contemporânea de Francisco-, mas sim fruto da beleza do Altíssimo, bom Senhor, torna- se evidente na estrofe dedicada à “mãe terra”. Ao ler atentamente o texto do Gênesis:

“A terra produza vegetação… plantas… A terra produza seres viventes, animais domésticos, animais selvagens… Deus formou o homem do pó da terra”.

Francisco reconhece a dimensão materna da terra, vendo-a como “co-geradora” de todas as demais criaturas, inclusive do próprio ser humano. A terra não só co-genera apenas no início do mundo, mas continua exercendo seu papel materno ao longo da história, nutrindo e governando cada ser vivente. A mãe terra governa porque nutre, realiza um serviço político porque veste o avental do serviço, à semelhança daquele que Jesus usou no lava-pés.

“…e produz diversos frutos com coloridas flores e ervas”. Que a erva não seja apenas alimento, reduzida a uma função utilitarista, mas também criatura digna de admiração- junto com as flores coloridas- é uma intuição que nasce da genialidade poética de Francisco.

Também Tomás de Celano se maravilha com isso:

Quanta alegria julgas que a beleza das flores lhe trazia à mente, quando ele via a delicadeza da forma e sentia o suave perfume delas? E quando encontrava grande quantidade de flores, de tal modo lhes pregava e as convidava ao louvor do Senhor, como se elas fossem dotadas de razão”.

Na escada da criação

Ao final, chegamos a nós: os seres humanos. A entrada em cena do homen e da mulher parece provocar um “salto”, um sobresalto, uma elevação repentina no Cântico. É como se Francisco tivesse prepara- do, até aqui, o terreno para a novidade- ou a diferença- representada por este último motivo de louvor. A ecologia franciscana, para ser verdadeiramente integral, não pode deixar “de fora” o ser humano. Mas a verdadeira pergunta é: qual ser humano?Até este ponto, o ser humano- expulso do jardim e emudecido, sem palavras para louvar o seu Deus- teve que apoiar-se em toda a criação, quase pedindo a ela mediação. Agora, está pronto para entrar em cena, tendo encontrado outras palavras. Quais palavras? Mesmo que o Cântico não possua uma composição unitária no tempo e no lugar, ele expressa uma coerente unidade de pensamento.

Os elementos naturais descritos até agora são louvados por aquilo que são por natureza, por aquilo que realizam em favor do ser humano. Reconhecer isso e louvar a Deus por esse dom já é um passo adiante. Mas Francisco não louva o ser humano do mesmo modo. Ele não o louva por suas características inatas, mas por algo que não é espontâneo: a capacidade de habitar o mistério da vida, mesmo que a partir das margens. Não foi o próprio Francisco quem compôs o Cântico justamente a partir de sua “margem” existencial? Francisco louva apenas “este homem”, e não todos os homens em geral. Ele louva o ser humano capaz de estar conscientemente também nas situações de conflito, na brecha, na ferida, na contradição, na aparente derrota. Francisco sabe bem que o contrário do amor não é o ódio, mas a posse, que, por sua vez, pode facilmente se transformar em ódio. Ele sabe que abraçar é diferente de reter: e Francisco não deseja mais possuir nada, nem a si mesmo, nem os próprios limites, nem as próprias fragilidades, nem os seus medos, nem o mal que os outros lhe fazem.

Os últimos degraus

O Cântico é, antes de tudo, cristológico: ele nos fala algo de Cristo e, por consequência, da antropologia franciscana, nos revela aquilo que o ser humano é chamado a ser, à imagem de Cristo. Se Jesus perdoou da cruz, é pela força desse mesmo perdão (“pelo Teu amor”) que o ser humano se torna verdadeiramente tal: porque, antes de tudo, é capaz de perdoar, mesmo em meio ao mal. Ele sabe responder de forma alternativa ao mal recebido, rompendo assim o ciclo.

É livre, porque possui a possibilidade de não aumentar o mal que já existe no mundo. A grandeza do ser humano, também ela à imagem de Cristo, está ainda na capacidade de acolher e dar sentido à enfermidade e à fragilidade- não vistas apenas como acidentes de percurso. Como diz um leproso em um episódio narrado nos Fioretti: “E que paz posso ter eu de Deus que me tirou a paz e todos os bens e me fez todo podre e asqueroso?”. A isso Francisco responde, depois de exortar os frades a cuidar do irmão enfermo: “E peço ao irmão enfermo que por tudo renda graças ao Criador; e que, da maneira como o Senhor o quer, assim deseje estar, são ou enfermo”.

Por fim, chegamos à acolhida da morte- de toda morte, inclusive aquela cotidiana- o rochedo onde se despedaça todo sonho nosso de onipotência, e a chamamos de “irmã”. Isso significa reconciliar-se com ela, quase como que perdoá-la. Desde que cheguemos a esse encontro vivos, plenamente e evangelicamente vivos. É uma ques- tão de vida, não de morte: encontrar a morte significa confrontar-se com o sentido profundo da vida. Somente depois de haver passado pelo perdão, pela acolhida da fragilidade humana e pela reconci- liação com a morte, aquele ser humano que, no início, não era se- quer digno de mencionar o nome do Senhor, pode finalmente ousar louvá-lo em plena voz, em coro com toda a criação! Porque esse é Francisco, e com ele, toda pessoa livre, pacificada, conforme a Cristo. Servir (preferir o último lugar, estar submetido a todos31, fazê-lo “com grande humildade”, seguir os passos de Cristo que “a cada dia se humilha”32 e, com todos, louvar, bendizer e agradecer) é isso que cada homem e cada mulher deveriam saber fazer de melhor, para continuar verdadeiramente humanos. Tanto é assim que o humilde Francisco prevê no Cântico a possibilidade de um “ai” solitário, reservado justamente àqueles seres humanos que não desejaram sê-lo.

Se pensarmos bem…

O Cântico não foi escrito de uma só vez, mas no ritmo da própria vida de Francisco:

No outono de 1225, hospedado em São Damião e já quase cego, ele compõe as estrofes dedicadas às criaturas.

Em julho de 1226, durante sua permanência na residência do bispo de Assis, acrescenta a estrofe sobre o perdão e a paz.

E, já no fim de 1226, próximo da morte, inclui a estrofe dedicada à Irmã Morte.

O Cântico não é apenas fruto de uma reflexão interior, mas nasce de uma alma profundamente missionária. Nos versos sobre o per- dão e a paz, transparece o desejo de que os frades “fossem com ele por todo o mundo pregando e cantando os louvores do Senhor”33. A escolha da língua vernácula, em lugar do latim, mostra a intenção clara de que sua mensagem pudesse atingir todos os corações, sem barreiras culturais ou sociais. O Cântico é, em sua essência, um doce convite à conversão, não como um imperativo moral, mas como uma abertura à experiência de Deus presente no criado. Para entrar nessa lógica de louvor, Francisco oferece duas chaves essenciais: a pureza de coração e a pobreza de espírito.

Uma autêntica visão teológica

O Cântico encarna uma dinâmica litúrgica marcada por um duplo movimento: uma descida, na qual o olhar se abre para reconhecer a presença divina em cada criatura; e um retorno, no qual tudo o que existe é novamente oferecido ao Criador. É a mesma experiência cristã de Francisco que orienta esse olhar em direção à história da salvação, compreendida em um ritmo circular, que une e reconcilia. Francisco se faz voz de um cântico de descentralização, pois quem louva se despoja de si mesmo para reconhecer que o bem não é uma posse, mas dom recebido e partilhado.

O Cântico é expressão de uma visão redimida do mundo, que Fran- cisco amadureceu ao longo do seu caminho de fé. Ele canta a partir de uma profunda pacificação interior: reconciliado consigo mesmo, com os outros, com a criação e com o mistério da morte. Essa fraternidade universal nasce da certeza de que tudo o que Deus criou é bom. Seu olhar- longe de ser ofuscado pelo sofrimento que o afligia na época da composição- se abre à experiência pascal: na escuridão, o cego canta à luz; na enfermidade, o enfermo exalta a beleza da terra; na iminência da morte, o moribundo proclama a bem-aventurança eterna: “Louvado sejas, meu Senhor, pela irmã nossa morte corporal”.

No Cântico, Francisco manifesta uma visão na qual princípio e fim da criação se entrelaçam em um mesmo louvor, como um eco da justiça originária e uma antecipação da plenitude do Reino de Deus. Este hino, percebido com o olhar puro de quem aprendeu a ver o mundo com os olhos da fé, não apenas recorda a harmonia primor- dial- na qual tudo o que foi criado era bom- mas proclama também o cumprimento definitivo do desígnio divino, quando cada reali- dade, transfigurada pela graça, retomará a sua unidade em Deus. Assim, Francisco canta o passado e o futuro do sonho divino, em um hino que é memória e profecia, certeza e esperança, celebração e desejo. Seu louvor não é mero reconhecimento da beleza criada, mas uma confissão de fé Naquele que é bom com todos, e cuja ternura alcança todas as suas criaturas35, sustentando o cosmos com seu amor e conduzindo-o à sua última plenitude.

Queridos irmãos e irmãs da Família Franciscana,

Convidamos todos a celebrar com alegria o VIII Centenário do Cântico das Criaturas, no contexto do Ano Jubilar de 2025. Façamos nosso o olhar límpido e profético do Pobrezinho de Assis, capaz de reconhecer em cada criatura um vestígio do Criador e de nos chamar a uma fraternidade universal que abraça o cosmos por inteiro.

Num tempo em que as feridas da terra e o grito dos pobres se fazem ouvir com força, a voz de Francisco nos convida a redescobrir a beleza de sermos peregrinos e forasteiros neste mundo: custódios e não donos da criação, irmãos e irmãs de cada ser vivente. O seu canto nos impulsiona a tornar-nos artesãos da paz e do perdão, a viver a vulnerabilidade não como limite, mas como abertura ao outro, a integrar a morte no grande mistério da vida.

Com Francisco, aprendemos a acolher toda realidade- da mais luminosa à mais obscura- dentro de uma experiência de louvor e de restituição. O Cântico nos ensina que não existem vidas desprovidas de sentido, nem criaturas sem voz, nem situações fora do alcance da compaixão divina. Tudo é abraçado pela ternura do Pai, e tudo pode tornar-se ocasião de louvor.

Que esta celebração centenária nos ajude a recuperar o olhar puro de Francisco, capaz de ver além das aparências e de reconhecer a dignidade e a beleza de cada ser.

Possamos, assim, tornar-se como ele: cantores da reconciliação e da esperança para o nosso tempo, despertando nos corações a capacidade de maravilhar-se, agradecer e cuidar da casa comum.

Com gratidão e esperança, vos abençoamos no Senhor.

Fr. Massimo Fusarelli, OFM

Fr. Carlos Trovarelli, OFMConv

Fr. Roberto Genuin, OFMCap

Fr. Amando Trujillo Cano, TOR

Assis, 1º de setembro de 2025

CLIQUE E ACESSE O DOCUMENTO OFICIAL


Fonte: https://ofm.org/canto-alla-riconciliazione.html

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