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Tempo da criação: esperançar e agir

30/08/2024

Notícias

A capacidade do ser humano de ressignificar a existência é uma das suas importantes habilidades na luta pela sua manutenção diante das adversidades encontradas ao longo da vida.  Em seu tempo, à sua maneira, ele cria e recria no impulso de permanecer estável no mundo, pois como obra da Criação também precisa encontrar o sentido de sua permanência no meio ambiente.

Pensando no quanto é importante que repensemos a questão do poder humano, do seu significado e dos seus limites, pois um poder descontrolado gera monstros e volta-se contra nós mesmos, o Papa Francisco propôs em sua mensagem para o Dia Mundial de Oração pelo Cuidado da Criação, celebrado no dia 1º de setembro, uma reflexão sobre o papel nos filhos e filhas de Deus na luta pela vida diante da sede de poderosos.   A partir do tema “Espera e age com a criação”, fundamentado Carta de São Paulo aos Romanos 8,19-25, o Papa nos diz que “o Espírito vem em socorro de nossa fraqueza” (cf. Rm 8,26).

A data inspirada em São Francisco de Assis, foi instituída em 2015 pelo Pontífice e também é conhecida como Tempo da Criação. Até 4 de outubro, dia do santo protetor dos animais e padroeiro da ecologia, “a família cristã se une para esta celebração mundial de oração e ação para proteger nossa Casa Comum. É uma época especial em que celebramos Deus como Criador e reconhecemos a Criação como o ato divino contínuo que nos reúne em colaboração para amar e cuidar do dom de tudo aquilo que é criado. Como seguidores e seguidoras de Cristo em todo o mundo, compartilhamos um chamado comum para cuidar da Criação. Somos cocriaturas e parte de tudo o que Deus fez. Nosso bem-estar está interligado com o bem-estar da Terra”, conforme explica o Guia de Celebração “Esperança e Agir com a Criação”, criado para promover uma celebração ecumênica da data.

Em sua mensagem, além de mencionar a importância da unidade para os cuidados com a Casa Comum, Papa Francisco reforça que, apesar de todos os desafios diante da imposição dos interesses econômicos sobre a terra, a esperança presente no coração e na alma de todo cristão, reforça a sua comunhão com Deus “A existência do cristão é vida de fé, laboriosa na caridade e transbordante de esperança, enquanto aguarda o regresso do Senhor na sua glória”.

Semeadores de esperança

A Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil tem forte atuação nas ações de conscientização para a preservação do meio ambiente, fundamentada nos ensinamentos de São Francisco de Assis, que viveu profundamente o amor a Deus e a todas as Suas criaturas. No Cântico do Irmão Sol ou Louvores das Criaturas, o Santo Seráfico diz: “Louvado seja, meu Senhor, pela irmã nossa, a mãe terra (cf. Dn 3,74), que nos sustenta e governa e produz diversos frutos com coloridas flores e ervas (cf. SI 103,13-14)”.

Esse amor incessante está presente no carisma e na espiritualidade franciscana e os frades são os responsáveis por propagar a presença do Espírito e a força da fé, também por meio das ações concretas, que impactam grupos, comunidades e demais lugares onde a dor clama por socorro e a esperança pede para entrar.

Frei Marx Rodrigues dos Reis, Coordenador da Frente de Solidariedade para com os Empobrecidos e Animador do Serviço de JPIC  (Justiça, Paz e Integridade da Criação), é um desses semeadores de esperança por meio da vivência diária e da prática franciscana. Conforme nos diz Papa Francisco: “Esperar e agir com a criação significa, então, viver uma fé encarnada, que sabe entrar na carne sofredora e esperançosa das pessoas, partilhando a expectativa da ressurreição corporal a que os fiéis estão predestinados em Cristo Senhor”.

Segundo ele, diante do cenário da atualidade, que nos apresenta uma grande batalha pelo poder envolvendo o domínio e a exploração do meio ambiente, ainda somos muito resistentes ao diferente e às mudanças necessárias. “Fomos nos acomodando a pensar as coisas sobre um único paradigma, sobre uma única forma de pensar, de tal modo que não acreditamos mais na possibilidade do diferente acontecer”. Ele citou as novas possibilidades para geração de energia e para a transição nutricional. “É possível cuidarmos da terra sem desmatá-la”, salientou.

O frade argumentou que uma das nossas grandes fraquezas nos dias atuais é a comunicação não responsável. “Boa parte dos movimentos liberais conservadores utiliza os meios de comunicação para influenciar a juventude e demais pessoas que não têm condições de verificar uma informação. Se somos levados a acreditar em coisas que são inverdades nossa consciência adoece”, destacou.

De acordo com Frei Marx, o poder que gera danos à nossa Casa Comum pode ser combatido pela juventude que acredita no movimento da Igreja e se orienta pelas palavras do Papa Francisco que, segundo ele, é uma voz profética da atualidade.

Outro olhar do frade para o enfrentamento das causas da degradação ambiental volta-se para as comunidades indígenas e tradicionais. “A situação das comunidades tradicionais que cuidam do meio ambiente, assim como das entidades e instituições que lutam pelas questões ambientais, nos levam a crer que necessitamos de uma mudança urgente”.

Conforme é apresentado no site do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, do governo federal, os povos e comunidades tradicionais conservam a biodiversidade graças à sua relação com a natureza. Protagonizam, cada vez mais, práticas econômicas racionais, por meio de sistemas produtivos baseados na sociobioeconomia. Desse modo, contribuem para um novo ciclo de desenvolvimento, sustentável e promissor para o Brasil.

Segundo o coordenador JPIC, quando o Papa Francisco fala em “repensar a questão do poder humano”, a Igreja tem papel fundamental nesse processo. “O Papa Francisco deseja que não sejamos dominadores, mas que possamos fertilizar, cuidar e amparar a vida. Por isso, ele pede que façamos um movimento contrário ao dos dominadores, sugerindo que reforcemos a nossa esperança”.

Nesse sentido, o frade explicou que a Igreja no Brasil tem importante presença na história de resistência e luta das minorias, embora muito atacada por movimentos conservadores. “Nós, franciscanos, temos uma herança dessa luta por muitas vezes liderada pela Igreja. Historicamente, estamos do lado daqueles que mais sofrem. Os franciscanos fizeram os seus caminhos, percorrendo o Evangelho entre as vielas e periferias. Fizeram o seu canto em louvor a Deus no cuidado ao próximo. E é esse o lugar que pode fazer a transformação”.

Frei Marx afirmou que precisamos esperançar. Vivemos em um processo de degradação ambiental tão profundo, que devemos ter consciência de que as consequências virão sobre nós e precisamos aceitar. Não tem como frear essa mudança climática. Não tem como reverter essa situação. Mas é possível amenizar, é preciso diminuir e refletir. É possível pensar formas de convivência melhores? É possível readequar nossa forma de vida? É possível pensar como é que os mais vulneráveis vão poder passar por esse processo? Posso afirmar que é possível. As mudanças e a esperança cabem a nós”, reforçou.

Ele ainda argumentou que nessa caminhada São Francisco de Assis pode ajudar em muitas coisas. “Primeiro quero recordar o Cântico das Criaturas, que faz parte das celebrações dos 800 anos franciscanos. Há, aqui, dois pontos bem importantes que eu gostaria de ressaltar. O primeiro é que o Santo Seráfico muda a relação que nós temos com a natureza. Ele nos faz olhar para todas as formas da Criação como algo divino e especial. Esse cuidado, essa relação, talvez seja a grande herança de São Francisco de Assis”.

O frade ainda explicou que devemos olhar para o mundo com olhar sacro das coisas, pois é preciso dar valor e dignidade a todas as formas de vida. “Uma segunda questão muito importante que precisamos trazer é justamente o que São Francisco de Assis faz: trilhar o caminho do encontro. Ele vai encontrar o sultão para acabar com a guerra das Cruzadas”.

Fazendo uma analogia, o frade diz que na atualidade existe uma cruzada empreendida por aqueles que querem impor seus interesses, ainda que morram tudo e todos. “São Francisco de Assis nos coloca para fazer esse confronto interno e em comunidade, indo a outro lugar muito importante que é o de promover o encontro com os vulneráveis.  Em sua história, ele foi às periferias, por isso, precisamos voltar nesses espaços ao encontro do lamento, do sofrimento dos irmãos, levando a esperança de um mundo transformador”, concluiu.

Acesse a mensagem do Papa Francisco para o Dia Mundial de Oração pelo Cuidado da Criação

Acesse o Guia de celebração: Esperançar e Agir com a Criação


Texto: Adriana Rabelo