Segundo dia do Encontro sobre a Proteção dos Menores no Vaticano
22/02/2019
Foi aberto nesta manhã de sexta-feira na Sala Nova do Sínodo, no Vaticano, na presença do Papa, o segundo dia do Encontro sobre “A Proteção dos Menores na Igreja” (21-24 fevereiro). http://www.pbc2019.org/it/conferenza/programma
Na oração inicial de hoje, guiada por Dom Pierbattista Pizzaballa, administrador apostólico de Jerusalém dos Latinos, após o canto do hino “Veni, Creator Spiritus”, foi pronunciada em espanhol pela irmã Aurora Calvo Ruiz, superiora geral das Mercedárias da Caridade, uma passagem da Carta de São Paulo aos Romanos , onde o apóstolo convida a viver uma fé sincera, longe de qualquer falsidade e duplicidade: “O amor seja sincero. Detestai o mal, apegai-vos ao bem. Que o amor fraterno vos una uns aos outros, com terna afeição, rivalizando-vos em atenções recíprocas. Sede zelosos e diligentes, fervorosos de espírito, servindo sempre ao Senhor”.
Logo depois, a experiência de uma vítima de abuso foi lida em inglês: “Quando Jesus estava prestes a morrer, sua mãe estava com ele. Quando fui abusado por um sacerdote, a minha mãe Igreja me deixou sozinho. Quando eu precisei de alguém na Igreja para falar sobre meus abusos e minha solidão, todos se esconderam e eu me senti ainda mais sozinho, sem saber a quem recorrer.”
Como no dia de ontem, depois de ouvir o testemunho, seguiu-se um longo silêncio. Na oração final, Dom Pizzaballa rezou para “que ninguém jamais tivesse que temer a violência e a opressão” na Igreja, “mas sim encontrar nela toda segurança e ajuda”. Então concluiu com este pedido a Deus: “Impeça aqueles que exercem o ministério na Igreja de abusar dos outros para seus próprios fins, mas dê a eles a humildade de servir os outros desinteressadamente como discípulos de Jesus”.
No final da oração, o padre Federico Lombardi, moderador do Encontro, lembrou que hoje a Igreja celebra a Solenidade da Cátedra de São Pedro e “portanto – observou – toda a Igreja reza pelo Santo Padre, pelo seu serviço de ensinamento e guia” e acrescentou: “Fazemos os votos de todo o coração, junto com toda a Igreja”.
O padre Lombardi recordou em seguida o desejo do Papa Francisco de que todos os participantes no Encontro pudessem ter à sua disposição uma documentação oficial das Nações Unidas sobre os temas da luta contra a violência contra as crianças. Por esta razão, entre os documentos distribuídos aos presentes – sublinhou – há o mais recente relatório global das Nações Unidas sobre o combate à violência sobre crianças, intitulado “Toward a world free from violence. Global survey on violence against children” (Rumo a um mundo livre da violência. Pesquisa global sobre violência contra crianças), e o relatório Unicef 2017 “A familiar face”, isto é” um rosto familiar, para dizer que a violência contra as crianças, muitas vezes, vem de alguém que é familiar, próximo às crianças. E isso – disse o padre Lombardi – é resultado das investigações universais sobre o problema da violência contra crianças”.
Os documentos foram enviados pela Sra. Marta Maria de Morais dos Santos Pais, representante oficial do secretário geral da ONU para o combate à violência contra as crianças, que enviou um e-mail dizendo estar honrada em por poder contribuir com esse “importante Encontro” sobre a proteção das crianças na Igreja e enviou os seus melhores votos “de uma reflexão frutuosa e de bons resultados deste encontro”.
Bispos devem enfrentar colegialmente crise dos abusos
Prossegue na Sala Nova do Sínodo, no Vaticano, esta sexta-feira (22/02), em seu segundo dia de atividades, o Encontro sobre a proteção dos menores na Igreja, que se realizará até este domingo, 24 de fevereiro. Este segundo dia de trabalhos com os presidentes das Conferências episcopais do mundo inteiro trata sobretudo da “prestação de contas”, discutindo as soluções a serem adotas de acordo com o Direito Canônico para avaliar os casos em que os pastores falharam em sua responsabilidade e agiram com negligência.
O primeiro relator do dia foi o arcebispo de Bombay, na Índia, cardeal Oswald Gracias, cuja exposição teve como título Accountability (prestação de contas) numa Igreja Colegial e Sinodal. Já em sua introdução o purpurado indiano ressaltou que a experiência de abusos sexuais presente em algumas partes do mundo não é um fenômeno limitado e que a Igreja deve assumir uma ótica honesta, fazer discernimentos rigorosos e agir de modo decisivo para impedir que se verifiquem abusos no futuro, fazendo o possível para favorecer a recuperação das vítimas.
Esforço do Papa e da Igreja para enfrentar a crise
O cardeal Gracias observou que a importância e o alcance universal deste desafio levaram o Papa Francisco a convocar este encontro, ressaltando o esforço do Pontífice e da Igreja para enfrentar essa crise. Com a ajuda de Deus, disse, será possível modelar e definir o modo em que a Igreja inteira, a nível regional, nacional, diocesano local e até mesmo paroquial, assumirá a tarefa de enfrentar os abusos sexuais internamente. “Portanto, a sinodalidade pode ser verdadeiramente vivida incorporando todas as decisões e as medidas derivantes de cada um destes diferentes níveis, tendo bases vinculadoras”.
O arcebispo de Bombay acrescentou que isso inclui o envolvimento dos leigos, homens e mulheres. Enquadrando tudo isso numa perspectiva pessoal, prosseguiu: “Nenhum bispo deveria dizer a si mesmo: ‘enfrento este problema e os desafios sozinho’. Porque pertencemos ao colégio dos bispos, em união com o Santo Padre, partilhamos accountability (a prestação de contas) e responsabilidade. A colegialidade é um contexto essencial para enfrentar as feridas de abuso infligidas às vítimas e à Igreja em geral. Nós bispos precisamos voltar mais vezes ao ensinamento do Concílio Vaticano II para encontrar-nos na mais ampla missão e ministério da Igreja.”
O purpurado indiano disse ver a esse propósito uma ampla margem de ulteriores progressos no âmbito dessa colegialidade. Talvez se possa progredir, conseguindo esclarecer alguns pontos, entre os quais, destacou que não se pode ignorar que na Igreja tivemos dificuldades em enfrentar a questão do abuso de modo justo; estreitamente ligado a este ponto se encontra a vontade de admitir pessoalmente os erros e pedir ajuda. O cardeal Gracias se disse convencido de que não existem alternativas reais à colegialidade e à sinodalidade, resumindo o desafio enfrentado juntos.
O desafio dos abusos sexuais na Igreja
O abuso sexual de menores e adultos na Igreja revela uma complexa rede de fatores interligados entre os quais: psicopatologia, decisões morais pecaminosas, ambientes sociais que permitem o abuso, respostas institucionais e pastorais muitas vezes inadequadas ou claramente danosas ou falta de respostas. O abuso perpetrado por clérigos, acrescentou (bispos, sacerdotes, diáconos) e por outros que servem na Igreja (por exemplo professores, catequistas, treinadores) se traduz em danos incalculáveis quer diretos, quer indiretos.
Justiça
Embora o abuso sexual seja muitas coisas, entre as quais violação e traição da confiança, em sua raiz é um ato de grave injustiça. As vítimas falam de seu sentimento de terem sido injustamente violadas. “Uma obrigação fundamental que diz respeito a todos nós, individualmente e colegialmente, é dar justiça àqueles que foram violados.”
Recuperação
Além de defender a justiça, observou o cardeal, uma Igreja colegial representa a recuperação. “Certamente, essa recuperação deve alcançar as vítimas dos abusos. Deve também estender-se às pessoas atingidas, incluídas as comunidades cuja confiança foi traída ou duramente colocada à prova.
“A primeira mensagem, dirigida em particular às vítimas, é uma solidariedade respeitosa e o reconhecimento honesto de sua dor e de seu sofrimento. Embora isso pareça óbvio, nem sempre isso se verificou. Ignorar ou minimizar aquilo que as vítimas experimentaram exaspera a dor delas e retarda sua recuperação. No seio de uma Igreja colegial podemos unir-nos na consideração e na compaixão para alcançar a compreensão.”
Peregrinação
Tomando a imagem de povo peregrino de Deus, o purpurado ressaltou que esta condição significa que somos uma comunidade continuamente chamada ao arrependimento e ao discernimento. “Devemos arrepender-nos e fazê-lo colegialmente, porque falimos ao longo do caminho. Devemos buscar o perdão”, enfatizou. “Há muito a ser feito. Com os desdobramentos da crise dos abusos, sabemos que não existe uma solução fácil ou rápida. Estamos sintonizados para seguir adiante, passo a passo e juntos. Isso requer discernimento.”
Para assumir essa colegialidade, a fim de enfrentar a questão da prestação de contas e responsabilidade, o cardeal indiano propôs em sua conclusão reivindicar a nossa identidade no colégio apostólico unido ao Sucessor de Pedro, e fazê-lo com humildade e franqueza; invocar coragem e audácia, porque o percurso não está traçado com grande precisão e exatidão; abraçar o caminho do discernimento prático, porque queremos realizar aquilo que Deus quer de nós nas circunstâncias concretas da nossa vida; e ser dispostos a pagar o preço de seguir a vontade de Deus em circunstâncias incertas e dolorosas.