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Papa: ONU impotente na guerra na Ucrânia, prevalece a lógica dos poderosos

06/04/2022

Papa Francisco

                                                                                                                          Imagem: Vatican Media

A recente viagem apostólica do Papa Francisco a Malta foi o tema da catequese do Pontífice na Audiência Geral desta quarta-feira (06/04), realizada na Sala Paulo VI.

A viagem apostólica do Papa a Malta estava planejada para se realizar em 2020, mas foi adiada por causa da pandemia da Covid-19. Segundo o Papa, “poucas pessoas sabem que Malta, embora sendo uma ilha no meio do Mediterrâneo, recebeu o Evangelho muito cedo, porque o Apóstolo Paulo naufragou perto do seu litoral e milagrosamente salvou-se a si mesmo e a todos os que estavam no barco, mais de duzentas e setenta pessoas. Os Atos dos Apóstolos relatam que os malteses acolheram todos «com rara humanidade».”

Escolhi precisamente estas palavras: com rara humanidade, como lema da minha Viagem, pois indicam o caminho a seguir não só para enfrentar o fenômeno dos migrantes, mas em geral para que o mundo se torne mais fraterno, mais habitável, e se salve de um “naufrágio” que ameaça a todos nós que estamos, como aprendemos, no mesmo barco, todos. Malta é um lugar-chave neste horizonte”.

Primeiramente, Malta é um lugar-chave “geograficamente, devido à sua posição no centro do mar entre a Europa e a África, mas que também banha a Ásia. Malta é uma espécie de “rosa dos ventos”, onde povos e culturas se encontram; é um ponto privilegiado a partir do qual se pode observar a área mediterrânea numa perspectiva de 360°. Hoje, fala-se frequentemente de “geopolítica”, mas infelizmente a lógica dominante é a das estratégias dos Estados mais poderosos para afirmar os seus interesses alargando a própria área de influência econômica, ideológica e militar. Estamos vendo isso com a guerra”, disse o Papa, acrescentando:

Malta representa, neste quadro, o direito e a força dos “pequenos”, das pequenas nações, mas ricas em história e civilização, que deveriam levar a cabo outra lógica: a do respeito, mas também a lógica da liberdade, da convivência das diferenças, oposta à colonização dos mais poderosos. Estamos vendo isso agora e não somente de uma parte, mas também da outra. Depois da Segunda Guerra Mundial, foram feitas tentativas para lançar as bases de uma nova história de paz, mas infelizmente, não aprendemos, a velha história de grandes potências concorrentes continuou. E, na atual guerra na Ucrânia, estamos vendo a impotência da Organização das Nações Unidas.

O segundo aspecto é que “Malta é um lugar-chave no que diz respeito ao fenômeno das migrações”. “No Centro de acolhimento João XXIII, encontrei-me com muitos migrantes que chegaram à ilha após terríveis viagens”, frisou o Papa, convidando a “ouvir os seus testemunhos, porque esta é a única forma de fugir da visão distorcida que frequentemente circula nos meios de comunicação e reconhecer os seus rostos, histórias, feridas, sonhos e esperanças desses migrantes”.

Cada migrante é único, não é um número, é uma pessoa, é único como cada um de nós. Cada migrante é uma pessoa com a própria dignidade, raízes e cultura. Cada um deles é portador de uma riqueza infinitamente maior do que os problemas que pode acarretar. Não nos esqueçamos de que a Europa foi formada pela migração.

Obviamente, “o acolhimento deve ser organizado, deve ser planejado juntos, no âmbito internacional”, frisou o Papa, pois “o fenômeno migratório não pode ser reduzido a uma emergência, é um sinal dos nossos tempos. Deve ser lido e interpretado como tal. Pode tornar-se um sinal de conflito ou um sinal de paz”.

A seguir, Francisco disse que o Centro de acolhimento de migrantes João XXIII, em Malta, é um “laboratório de paz”, e que “Malta no seu conjunto é um laboratório de paz! Toda nação com o seu comportamento é um laboratório de paz” e “pode cumprir esta missão se for buscar às suas raízes a seiva da fraternidade, da compaixão e da solidariedade. O povo maltês recebeu estes valores junto com o Evangelho, e graças ao Evangelho eles serão capazes de os manter vivos”.

O terceiro aspecto é que “Malta é um lugar-chave também do ponto de vista da evangelização. De Malta e Gozo, as duas dioceses do país, muitos sacerdotes e religiosos, bem como fiéis leigos, partiram, dando testemunho cristão em todo o mundo. Como se a passagem de São Paulo tivesse deixado a missão no DNA dos malteses! Por isso, a minha visita foi, primeiramente, um ato de gratidão, gratidão a Deus e ao seu santo povo fiel que está em Malta e Gozo”.

Contudo, o Papa recordou que em Malta “também sopra o vento do secularismo e a pseudocultura globalizada do consumismo, do neocapitalismo e do relativismo”. “Também lá, portanto, é tempo de nova evangelização”, frisou ele, recordando a visita à Gruta de São Paulo, ao Santuário Nacional Mariano de Ta’ Pinu, na ilha de Gozo. “Lá senti palpitar o coração do povo maltês, que tem tanta confiança na sua Santa Mãe. Maria traz-nos sempre de volta ao essencial, a Cristo crucificado e ressuscitado por nós, ao seu amor misericordioso. Maria ajuda-nos a reavivar a chama da fé, atraindo o fogo do Espírito Santo, que anima o jubiloso anúncio do Evangelho de geração em geração, pois a alegria da Igreja é evangelizar!”, disse ainda o Papa, recordando as palavras de São Paulo VI: a vocação da Igreja é evangelizar. A alegria da Igreja é evangelizar. É a definição mais bonita da Igreja”.

Fonte: Vatican News (texto de Mariangela Jaguraba)


Em Bucha crueldade cada vez mais horrível, acabem com a guerra

Um “massacre” diante do qual sobe um grito aos céus: “Acabem com esta guerra, calem-se as armas, parem de semear morte e a destruição”. Francisco falou em tom sério na Sala Paulo VI. Diante de seus olhos estão as imagens de mais de 70 corpos de civis espalhados pelas ruas, de mãos atadas atrás das costas, em Bucha, uma cidade ucraniana a poucos quilômetros de Kiev, cujas fotos foram divulgadas pelas autoridades locais juntamente com relatos de valas comuns. O mundo ficou indignado com estas terríveis fotografias, que estão sendo investigadas como “crimes de guerra”.

Um “massacre” é como Francisco definiu no final da audiência geral. “As recentes notícias sobre a guerra na Ucrânia, ao invés de trazer alívio e esperança, atestam novas atrocidades, como o massacre de Bucha”, afirma o Pontífice.

Crueldades cada vez mais horrendas, perpetradas também contra civis, mulheres e crianças indefesas. São vítimas cujo sangue inocente clama ao céu e implora: “Acabem com esta guerra! Silenciem as armas! Parem de semear a morte e a destruição”.

O Papa pede aos fiéis que rezem por isso e, de cabeça baixa, fica em silêncio por alguns momentos. Depois levanta-se e mostra a todos uma bandeira em dois tons de verde, com uma cruz desenhada e escritas em ucraniano ao redor: “Ontem, direto de Bucha, me trouxeram esta bandeira. Esta bandeira vem da guerra, da cidade martirizada de Bucha”, disse.

Algumas crianças ucranianas sobem ao palco, acompanhadas por seus pais. A mais nova está no colo de sua mãe, e o maior leva um desenho. “Saudemo-los e rezemos junto com eles”, exorta o Papa Francisco. E comenta:

“Estas crianças tiveram que fugir e chegar a uma terra estranha: este é um dos frutos da guerra. Não os esqueçamos, e não esqueçamos o povo ucraniano”.

Francisco dobra a bandeira, a beija e abençoa. Em seguida, entrega alguns ovos de Páscoa às crianças. Carícias, mãos na cabeça, uma bicada na bochecha da menor: gestos de ternura para os que ainda estão sentindo o choque do barulho das bombas e da fuga de suas próprias casas.

“É difícil ser desenraizado da própria terra por causa de uma guerra”.

Um comentário que o Pontífice pronunciou de improviso ao sentar-se. Já na coletiva de imprensa no voo de retorno de Malta, o Papa Francisco tinha comentado o massacre em Bucha, notícia da qual um repórter o havia informado. “A guerra é sempre uma crueldade, uma coisa desumana e vai contra o espírito humano – não digo espírito cristão – contra o espírito humano. É o espírito de Caim”, disse o Papa. “É o espírito de Caim, o espírito ‘Caimista’”.

Com seu olhar sempre voltado para a Ucrânia, Francisco agradeceu aos fiéis poloneses – os presentes no Salão Paulo VI e os ligados através da mídia – pelo espírito de acolhida demonstrado aos refugiados ucranianos. Quase três milhões, de acordo com as últimas estimativas. “Vocês demonstraram uma extraordinária e exemplar generosidade para com nossos irmãos e irmãs ucranianos, para os quais abriram seus corações e as portas de suas casas”, disse o Papa. “Muito obrigado, muito obrigado pelo que vocês fazem aos ucranianos”, acrescentou ele. Por fim, uma bênção: “Que o Senhor abençoe sua pátria por sua solidariedade e lhes mostre o Seu Rosto”.


Fonte: Vatican News (texto de Salvatore Cernuzio)