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Papa: O mundo é cada dia mais cruel com os excluídos

02/07/2019

Papa Francisco

 

  Imagem: IOM

Cidade do Vaticano – Foi divulgada a videomensagem do Papa Francisco, nesta terça-feira (02/07), em preparação ao Dia Mundial do Migrante e do Refugiado 2019 que será celebrado no domingo, 29 de setembro próximo, sobre o tema “Não se trata apenas de migrantes”. A campanha de comunicação da seção Migrantes e Refugiados do Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral oferece, a cada mês, reflexões, aprofundamentos e subsídios para a promoção das atividades pastorais sobre o tema do Dia Mundial do Migrante e do Refugiado, abordando vários subtemas com textos e imagens diferentes.

Neste ano o tema “Não se trata apenas de migrantes” é desenvolvido no subtema “Trata-se de não excluir ninguém” em que o Papa Francisco quer lançar uma advertência ao mundo atual, muitas vezes “cruel com os excluídos”.

Os demais subtemas citados pelo Papa Francisco em sua mensagem em que ele explica os vários significados do tema são: “Trata-se também dos nossos medos”, “Trata-se da caridade”, “Trata-se da nossa humanidade”, “Trata-se de colocar os últimos em primeiro lugar”, “Trata-se da pessoa toda e de todas as pessoas” e “Trata-se de construir a cidade de Deus e do homem”.

As palavras do Papa na videomensagem são extraídas de um trecho de sua mensagem para o Dia Mundial do Migrante e do Refugiado, divulgada em 27 de maio passado.

«Livrai-vos de desprezar um só destes pequeninos, pois digo-vos que os seus anjos, no Céu, veem constantemente a face de meu Pai que está no Céu», inicia Francisco com a passagem do Evangelho de Mateus 18, 10.

“ Não se trata apenas de migrantes: trata-se de não excluir ninguém. O mundo atual é cada dia mais elitista e cada dia é mais cruel com os excluídos. Os países em desenvolvimento continuam sendo depauperados dos seus melhores recursos naturais e humanos em benefício de poucos mercados privilegiados. ”

“As guerras abatem-se apenas sobre algumas regiões do mundo, enquanto as armas para as fazer são produzidas e vendidas noutras regiões, que depois não querem ocupar-se dos refugiados causados por tais conflitos. Muitas vezes se fala de paz, mas se vendem armas. Podemos falar de hipocrisia nesta linguagem? Quem sofre as consequências são sempre os pequenos, os pobres, os mais vulneráveis, a quem se impede de sentar-se à mesa deixando-lhe as «migalhas» do banquete”, ressalta o Papa.

«A Igreja “em saída” (…) sabe tomar a iniciativa sem medo, ir ao encontro, procurar os afastados e chegar às encruzilhadas dos caminhos para convidar os excluídos», disse.

“ Aqueles que nós mesmos excluímos como sociedade. O desenvolvimento exclusivista torna os ricos mais ricos e os pobres mais pobres ”, acrescentou.

“Verdadeiro desenvolvimento é aquele que procura incluir todos os homens e mulheres do mundo, promovendo o seu crescimento integral, e se preocupa também com as gerações futuras. O verdadeiro desenvolvimento é inclusivo e fecundo, projetado para o futuro”, concluiu.

ÍNTEGRA DA MENSAGEM DO PAPA FRANCISCO

Tema: “Não se trata apenas de migrantes”
Queridos irmãos e irmãs!

A fé assegura-nos que o Reino de Deus já está, misteriosamente, presente sobre a terra (cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. past. Gaudium et spes, 39); contudo, mesmo em nossos dias, com pesar temos de constatar que se lhe deparam obstáculos e forças contrárias. Conflitos violentos, verdadeiras e próprias guerras não cessam de dilacerar a humanidade; sucedem-se injustiças e discriminações; tribula-se para superar os desequilíbrios econômicos e sociais, de ordem local ou global. E quem sofre as consequências de tudo isto são sobretudo os mais pobres e desfavorecidos.

As sociedades economicamente mais avançadas tendem, no seu seio, para um acentuado individualismo que, associado à mentalidade utilitarista e multiplicado pela rede mediática, gera a “globalização da indiferença”. Neste cenário, os migrantes, os refugiados, os desalojados e as vítimas do tráfico de seres humanos aparecem como os sujeitos emblemáticos da exclusão, porque, além dos incómodos inerentes à sua condição, acabam muitas vezes alvo de juízos negativos que os consideram como causa dos males sociais. A atitude para com eles constitui a campainha de alarme que avisa do declínio moral em que se incorre, se se continua a dar espaço à cultura do descarte. Com efeito, por este caminho, cada indivíduo que não quadre com os cânones do bem-estar físico, psíquico e social fica em risco de marginalização e exclusão.

Por isso, a presença dos migrantes e refugiados – como a das pessoas vulneráveis em geral – constitui, hoje, um convite a recuperar algumas dimensões essenciais da nossa existência cristã e da nossa humanidade, que correm o risco de entorpecimento num teor de vida rico de comodidades. Aqui está a razão por que «não se trata apenas de migrantes», ou seja, quando nos interessamos por eles, interessamo-nos também por nós, por todos; cuidando deles, todos crescemos; escutando-os, damos voz também àquela parte de nós mesmos que talvez mantenhamos escondida por não ser bem vista hoje.

“Tranquilizai-vos! Sou Eu! Não temais!” (Mt 14, 27). Não se trata apenas de migrantes: trata-se também dos nossos medos. As maldades e torpezas do nosso tempo fazem aumentar “o nosso receio em relação aos “outros”, aos desconhecidos, aos marginalizados, aos forasteiros (…). E isto nota-se particularmente hoje, perante a chegada de migrantes e refugiados que batem à nossa porta em busca de proteção, segurança e um futuro melhor. É verdade que o receio é legítimo, inclusive porque falta a preparação para este encontro” (Homilia, Sacrofano, 15 de fevereiro de 2019). O problema não está no facto de ter dúvidas e receios. O problema surge quando estes condicionam de tal forma o nosso modo de pensar e agir, que nos tornam intolerantes, fechados, talvez até – sem disso nos apercebermos – racistas. E assim o medo priva-nos do desejo e da capacidade de encontrar o outro, a pessoa diferente de mim; priva-me duma ocasião de encontro com o Senhor (cf. Homilia na Missa do Dia Mundial do Migrante e do Refugiado, 14 de janeiro de 2018).

“Se amais os que vos amam, que recompensa haveis de ter? Não fazem já isso os publicanos?” (Mt 5, 46). Não se trata apenas de migrantes: trata-se da caridade. Através das obras de caridade, demonstramos a nossa fé (cf. Tg 2, 18). E a caridade mais excelsa é a que se realiza em benefício de quem não é capaz de retribuir, nem talvez de agradecer. “Em jogo está a fisionomia que queremos assumir como sociedade e o valor de cada vida. (…) O progresso dos nossos povos (…) depende sobretudo da capacidade de se deixar mover e comover por quem bate à porta e, com o seu olhar, desabona e exautora todos os falsos ídolos que hipotecam e escravizam a vida; ídolos que prometem uma felicidade ilusória e efémera, construída à margem da realidade e do sofrimento dos outros” (Discurso na Cáritas diocesana de Rabat, Marrocos, 30 de março de 2019).

“Mas um samaritano, que ia de viagem, chegou ao pé dele e, vendo-o, encheu-se de compaixão” (Lc 10, 33). Não se trata apenas de migrantes: trata-se da nossa humanidade. O que impele aquele samaritano – um estrangeiro, segundo os judeus – a deter-se é a compaixão, um sentimento que não se pode explicar só a nível racional. A compaixão toca as cordas mais sensíveis da nossa humanidade, provocando um impulso imperioso a “fazer-nos próximo” de quem vemos em dificuldade. Como nos ensina o próprio Jesus (cf. Mt 9, 35-36; 14, 13-14; 15, 32-37), ter compaixão significa reconhecer o sofrimento do outro e passar, imediatamente, à ação para aliviar, cuidar e salvar. Ter compaixão significa dar espaço à ternura, ao contrário do que tantas vezes nos pede a sociedade atual, ou seja, que a reprimamos. “Abrir-se aos outros não empobrece, mas enriquece, porque nos ajuda a ser mais humanos: a reconhecer-se parte ativa dum todo maior e a interpretar a vida como um dom para os outros; a ter como alvo não os próprios interesses, mas o bem da humanidade” (Discurso na Mesquita “Heydar Aliyev” de Baku, Azerbeijão, 2 de outubro de 2016).

“Livrai-vos de desprezar um só destes pequeninos, pois digo-vos que os seus anjos, no Céu, veem constantemente a face de meu Pai que está no Céu” (Mt 18, 10). Não se trata apenas de migrantes: trata-se de não excluir ninguém. O mundo atual vai-se tornando, dia após dia, mais elitista e cruel para com os excluídos. Os países em vias de desenvolvimento continuam a ser depauperados dos seus melhores recursos naturais e humanos em benefício de poucos mercados privilegiados. As guerras abatem-se apenas sobre algumas regiões do mundo, enquanto as armas para as fazer são produzidas e vendidas noutras regiões, que depois não querem ocupar-se dos refugiados causados por tais conflitos. Quem sofre as consequências são sempre os pequenos, os pobres, os mais vulneráveis, a quem se impede de sentar-se à mesa deixando-lhe as “migalhas” do banquete (cf. Lc 16, 19-21). “A Igreja ‘em saída’ (…) sabe tomar a iniciativa sem medo, ir ao encontro, procurar os afastados e chegar às encruzilhadas dos caminhos para convidar os excluídos» (Exort. ap. Evangelii gaudium, 24). O desenvolvimento exclusivista torna os ricos mais ricos e os pobres mais pobres. Verdadeiro desenvolvimento é aquele que procura incluir todos os homens e mulheres do mundo, promovendo o seu crescimento integral, e se preocupa também com as gerações futuras.

“Quem quiser ser grande entre vós, faça-se vosso servo; e quem quiser ser o primeiro entre vós, faça-se o servo de todos” (Mc 10, 43-44). Não se trata apenas de migrantes: trata-se de colocar os últimos em primeiro lugar. Jesus Cristo pede-nos para não cedermos à lógica do mundo, que justifica a prevaricação sobre os outros para meu proveito pessoal ou do meu grupo: primeiro eu, e depois os outros! Ao contrário, o verdadeiro lema do cristão é “primeiro os últimos”. “Um espírito individualista é terreno fértil para medrar aquele sentido de indiferença para com o próximo, que leva a tratá-lo como mero objeto de comércio, que impele a ignorar a humanidade dos outros e acaba por tornar as pessoas medrosas e cínicas. Porventura não são estes os sentimentos que muitas vezes nos assaltam à vista dos pobres, dos marginalizados, dos últimos da sociedade? E são tantos os últimos na nossa sociedade! Dentre eles, penso sobretudo nos migrantes, com o peso de dificuldades e tribulações que enfrentam diariamente à procura – por vezes, desesperada – dum lugar onde viver em paz e com dignidade” (Discurso ao Corpo Diplomático, 11 de janeiro de 2016). Na lógica do Evangelho, os últimos vêm em primeiro lugar, e nós devemos colocar-nos ao seu serviço.

“Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10, 10). Não se trata apenas de migrantes: trata-se da pessoa toda e de todas as pessoas. Nesta afirmação de Jesus, encontramos o cerne da sua missão: procurar que todos recebam o dom da vida em plenitude, segundo a vontade do Pai. Em cada atividade política, em cada programa, em cada ação pastoral, no centro devemos colocar sempre a pessoa com as suas múltiplas dimensões, incluindo a espiritual. E isto vale para todas as pessoas, entre as quais se deve reconhecer a igualdade fundamental. Por conseguinte, “o desenvolvimento não se reduz a um simples crescimento econômico. Para ser autêntico, deve ser integral, quer dizer, promover todos os homens e o homem todo” (São Paulo VI, Enc. Populorum progressio, 14).

“Portanto, já não sois estrangeiros nem imigrantes, mas sois concidadãos dos santos e membros da casa de Deus” (Ef 2, 19). Não se trata apenas de migrantes: trata-se de construir a cidade de Deus e do homem. Na nossa época, designada também a era das migrações, muitas são as pessoas inocentes que caem vítimas da “grande ilusão” dum desenvolvimento tecnológico e consumista sem limites (cf. Enc. Laudato si’, 34). E, assim, partem em viagem para um «paraíso» que, inexoravelmente, atraiçoa as suas expetativas. A sua presença, por vezes incômoda, contribui para desmentir os mitos dum progresso reservado a poucos, mas construído sobre a exploração de muitos. “Trata-se então de vermos, nós em primeiro lugar, e de ajudarmos os outros a verem no migrante e no refugiado não só um problema a enfrentar, mas um irmão e uma irmã a serem acolhidos, respeitados e amados; trata-se duma oportunidade que a Providência nos oferece de contribuir para a construção duma sociedade mais justa, duma democracia mais completa, dum país mais inclusivo, dum mundo mais fraterno e duma comunidade cristã mais aberta, de acordo com o Evangelho” (Mensagem para o Dia Mundial do Migrante e do Refugiado de 2014).

Queridos irmãos e irmãs, a resposta ao desafio colocado pelas migrações contemporâneas pode-se resumir em quatro verbos: acolher, proteger, promover e integrar. Mas estes verbos não valem apenas para os migrantes e os refugiados; exprimem a missão da Igreja a favor de todos os habitantes das periferias existenciais, que devem ser acolhidos, protegidos, promovidos e integrados. Se pusermos em prática estes verbos, contribuímos para construir a cidade de Deus e do homem, promovemos o desenvolvimento humano integral de todas as pessoas e ajudamos também a comunidade mundial a ficar mais próxima de alcançar os objetivos de desenvolvimento sustentável que se propôs e que, caso contrário, dificilmente serão atingíveis.

Por conseguinte, não está em jogo apenas a causa dos migrantes; não é só deles que se trata, mas de todos nós, do presente e do futuro da família humana. Os migrantes, especialmente os mais vulneráveis, ajudam-nos a ler os “sinais dos tempos”. Através deles, o Senhor chama-nos a uma conversão, a libertar-nos dos exclusivismos, da indiferença e da cultura do descarte. Através deles, o Senhor convida-nos a reapropriarmo-nos da nossa vida cristã na sua totalidade e contribuir, cada qual segundo a própria vocação, para a construção dum mundo cada vez mais condizente com o projeto de Deus.

Estes são os meus votos que acompanho com a oração, invocando, por intercessão da Virgem Maria, Nossa Senhora da Estrada, abundantes bênçãos sobre todos os migrantes e refugiados do mundo e sobre aqueles que se fazem seus companheiros de viagem.

Vaticano, 27 de maio de 2019.

Papa Francisco