Papa ensina: “Crucifixo e Evangelho. A liturgia doméstica será essa.”
08/04/2020
Cidade do Vaticano – Nessas semanas de apreensão por causa da pandemia que está fazendo o mundo sofrer, entre as muitas perguntas que nos fazemos, também pode haver perguntas sobre Deus: o que Ele faz diante de nossa dor? Onde está quando tudo dá errado? Por que não resolve os problemas rapidamente?”
Com essas palavras, o Papa Francisco iniciou sua catequese na Audiência Geral, desta quarta-feira (08/04), realizada na Biblioteca do Palácio Apostólico, devido à pandemia do Covid-19.
Segundo o Pontífice, “a narração da Paixão de Jesus, que nos acompanha nestes dias santos, nos ajuda”, pois nela se concentram muitas perguntas. “O povo, depois de acolher Jesus triunfante em Jerusalém, se perguntava se ele finalmente libertaria o povo de seus inimigos. Esperavam um Messias poderoso e triunfante com a espada. Em vez disso, chega um homem manso e humilde de coração, que convida à conversão e à misericórdia”. Aquela mesma multidão, que antes gritava “Hosana ao Filho de Davi!”, agora grita: “Crucifica-o!” Aqueles que o seguiram, confusos e assustados, o abandonam. Pensaram: se o destino de Jesus é esse, o Messias não é Ele, porque Deus é forte e invencível”.
Crucifixo e Evangelho: grande liturgia doméstica
O Papa então disse que se continuamos a leitura da Paixão do Senhor, “encontramos um fato surpreendente. Quando Jesus morre, o centurião romano, que era um pagão, que o viu sofrer na cruz, o ouviu perdoar a todos e tocou com as mãos o seu amor sem medida, confessa: «De fato, esse homem era mesmo Filho de Deus!» Diz o contrário dos outros. Diz que Deus está ali realmente”.
“Perguntemo-nos hoje: qual é a verdadeira face de Deus? Geralmente, projetamos Nele o que somos, na máxima potência: o nosso sucesso, o nosso senso de justiça e também a nossa indignação. Porém, o Evangelho nos diz que Deus não é assim. É diferente e não podemos conhecê-lo com as nossas próprias forças. Foi por isso que ele se fez próximo, veio ao nosso encontro e se revelou completamente na Páscoa. Onde? Na cruz. Nela aprendemos os traços do rosto de Deus. Porque a cruz é a cátedra de Deus”, disse Francisco, acrescentando:
Nos fará bem olhar o crucifixo em silêncio e ver quem é o nosso Senhor: é Aquele que não aponta o dedo contra ninguém, mas abre os braços para todos; que não nos esmaga com a sua glória, mas se despe por nós; que não nos ama em palavras, mas nos dá a vida em silêncio; que não nos obriga, mas nos liberta; que não nos trata como estranhos, mas assume os nossos males, os nossos pecados. Para nos libertar dos preconceitos sobre Deus, olhemos o crucifixo e depois abramos o Evangelho.
A seguir, o Papa disse:
Nestes dias, todos em quarentena e em casa, fechados, tomemos essas duas coisas em mãos: o crucifixo, vamos olhá-lo, e abramos o Evangelho. Isso será para nós, digamos assim, como uma grande liturgia doméstica, pois não podemos ir à igreja nesses dias. Crucifixo e Evangelho.
Deus é onipotente no amor
O Evangelho nos diz que “quando as pessoas vão a Jesus para fazê-lo rei, por exemplo, depois da multiplicação dos pães, Ele sai. Quando os espíritos maus querem revelar a sua majestade divina, Ele os silencia. Por quê? Porque Jesus não quer ser mal entendido, ele não quer que as pessoas confundam o Deus verdadeiro, que é o amor humilde, com um deus falso, um deus mundano que dá espetáculo e se impõe à força. Deus é onipotente no amor, e não de outra maneira. É sua natureza. Ele é assim. Ele é amor”.
Francisco disse que podemos objetar:
O que eu faço com um Deus tão fraco? Preferiria um deus forte e poderoso!”. Mas o poder deste mundo passa, enquanto o amor permanece. Somente o amor protege a vida que temos, porque abraça as nossas fragilidades e as transforma. É o amor de Deus que curou o nosso pecado na Páscoa com seu perdão, que fez da morte uma passagem da vida, que transformou o nosso medo em confiança, a nossa angústia em esperança. A Páscoa nos diz que Deus pode transformar tudo para o bem. Que com ele podemos realmente confiar que tudo ficará bem. É por isso que na manhã de Páscoa nos é dito: “Não tenha medo!”. As perguntas angustiantes sobre o mal não desaparecem repentinamente, mas encontram no Ressuscitado o fundamento sólido que não nos deixa naufragar.
Francisco concluiu sua catequese, dizendo que “Jesus mudou a história, tornando-se próximo de nós e fez dela, embora ainda marcada pelo mal, uma história de salvação”. Convidou a todos a abrir o coração na oração: “Não se esqueçam: Crucifixo e Evangelho. A liturgia doméstica será essa” e desejou a todos uma boa Semana Santa e uma Feliz Páscoa.
MISSA EM SANTA MARTA
Deus converta os Judas de hoje, mafiosos e agiotas que exploram necessitados
O Papa Francisco presidiu a Missa na Casa Santa Marta, no Vaticano, manhã desta quarta-feira (08/04) da Semana Santa. Ao introduzir a celebração, rezou pela conversão daqueles que neste momento exploram quem se encontra necessitado:
Rezemos, hoje, por aqueles que neste tempo de pandemia fazem comércio com os necessitados. Aproveitam-se da necessidade dos outros e os vendem: os mafiosos, os agiotas e tantos outros. Que o Senhor toque o coração deles e os converta.
Na homilia, Francisco comentou o Evangelho de Mateus (Mt 26,14-25), que nos fala da traição de Judas. Também hoje – disse o Papa – existem Judas, pessoas que traem, inclusive seus entes queridos, vendendo-os, para interesses próprios. Também hoje existem pessoas que querem servir a Deus e ao dinheiro, exploradores escondidos, aparentemente impecáveis, mas fazem comércio com as pessoas: vendem o próximo. Judas deixou discípulos, discípulos do diabo. Judas era apegado ao dinheiro: quem demasiadamente ama o dinheiro, trai. Mas é traído pelo diabo, que é um mau pagador e deixa no desespero. E caba por enforcar-se. O Papa pensou nos muitos Judas institucionalizados que hoje exploram as pessoas e também nos pequenos Judas que estão em nós: cada um de nós tem a possibilidade de trair, por amor ao dinheiro ou aos bens. A seguir, o texto da homilia transcrita pelo Vatican News:
Quarta-feira Santa é também chamada “quarta-feira da traição”, o dia no qual na Igreja se ressalta a traição de Judas. Judas vende o Mestre.
Quando pensamos no fato de vender pessoas, vem em mente o comércio feito com os escravos da África para levá-los para a América – uma coisa antiga –, depois o comércio, por exemplo, das jovens yazidis vendidas ao Isis: mas é coisa distante, é uma coisa… Também hoje pessoas são vendidas. Todos os dias. Existem Judas que vendem os irmãos e as irmãs, explorando-os no trabalho, não pagando o justo, não reconhecendo os deveres… Aliás, muitas vezes vendem o que têm de mais precioso. Penso que por comodidade, um homem é capaz de distanciar os pais e não mais vê-los, colocá-los numa casa de repouso e não ir visitá-los… vende. Há um ditado popular que, falando de pessoas assim, diz que “este é capaz de vender a própria mãe”: e a vendem. E então ficam tranquilos, foram distanciados: “Cuidem vocês deles…”
Hoje, o comércio humano é como nos primeiros tempos: se faz. E isso porquê? Jesus disse o porquê. Ele deu ao dinheiro uma senhoria. Jesus disse: “Não podeis servir a Deus e ao dinheiro”, dois senhores. É a única coisa que Jesus coloca à altura e cada um de nós deve escolher: ou serve a Deus, e será livre na adoração e no serviço, ou serve ao dinheiro, e será escravo do dinheiro. Essa é a opção e muita gente quer servir a Deus e ao dinheiro. E isso não se pode fazer. Acabam fazendo finta de servir a Deus para servir ao dinheiro. São os exploradores escondidos que socialmente são impecáveis, mas por debaixo dos panos comercializam, inclusive com as pessoas: não importa. A exploração humana é vender o próximo.
Judas foi embora, mas deixou discípulos, que não são seus discípulos, mas do diabo. Não sabemos como foi a vida de Judas. Um jovem normal, talvez, e também com inquietações, porque o Senhor o chamou para ser discípulo. Ele jamais conseguiu sê-lo: não tinha boca de discípulo e coração de discípulo, como lemos na primeira Leitura. Era fraco no discipulado, mas Jesus o amava… Depois o Evangelho nos faz entender que ele gostava do dinheiro: na casa de Lázaro, quando Maria unge os pés de Jesus com aquele perfume tão caro, ele faz a reflexão e João ressalta: “Mas não disse isso porque amava os pobres, (mas) porque era ladrão”. O amor ao dinheiro o tinha levado para fora das regras, a roubar, e do roubar a trair é um passo, muito pequeno. Quem demasiadamente ama o dinheiro trai para ter mais ainda, sempre: é uma regra, é um dado de fato. O Judas garoto, talvez bom, com boas intenções, acaba traidor a ponto de ir ao mercado vender: “O que me dareis se vos entregar Jesus?” A meu ver, este homem estava fora de si.
Uma coisa que chama a minha atenção é que Jesus jamais lhe diz “traidor”; diz que será traído, mas não diz a ele “traidor”. Jamais o diz: “Va embora, vá embora, traidor”. Jamais! Aliás, lhe diz: “Amigo”, e o beija. O mistério de Judas… Como é o mistério de Judas? Não sei… Padre Primo Mazzolari o explicou melhor do que eu… Sim, me consola contemplar aquele capitel de Vezelay: como Judas acabou? Não sei. Jesus ameaça veementemente, aqui; grande ameaça: “Ai daquele que trair o Filho do Homem! Seria melhor que nunca tivesse nascido!” Mas isso significa que Judas está no Inferno? Não sei. Eu olho o capitel. E ouço a palavra de Jesus: “Amigo”.
Mas isso nos faz pensar em outra coisa, que é mais real, mais que hoje: o diabo entrou em Judas, foi o diabo a levá-lo a este ponto. E como acabou a história? O diabo é um mau pagador: não é um pagador confiável. Promete-lhe tudo, lhe mostra tudo e depois o deixa sozinho em seu desespero a enforcar-se.
O coração de Judas, inquieto, atormentado pela ganância e atormentado pelo amor a Jesus, um amor que não conseguiu fazer-se amor, atormentado com essa névoa, volta aos sumos sacerdotes pedindo perdão, pedindo salvação. “O que temos a ver com isso?” O problema é seu…”: o diabo fala assim e nos deixa no desespero.
Pensemos nos muitos Judas institucionalizados neste mundo, que exploram as pessoas. E pensemos também no pequeno Judas que cada um de nós tem dentro de si na hora de escolher: entre lealdade ou interesse. Cada um de nós tem a capacidade de trair, de vender, de escolher o próprio interesse. Cada um de nós tem a possibilidade de deixar-se atrair pelo amor ao dinheiro ou aos bens ou ao bem-estar futuro. “Judas, onde estás?” Mas, a pergunta, a faço a cada um de nós: “Tu, Judas, o pequeno Judas que tenho dentro: onde estás?”
O Santo Padre terminou a celebração com a adoração e a bênção eucarística, convidando a fazer a Comunhão espiritual. A seguir, a oração recitada pelo Papa:
Aos vossos pés, ó meu Jesus, me prostro e vos ofereço o arrependimento do meu coração contrito que mergulha no seu nada na Vossa santa presença. Eu vos adoro no Sacramento do vosso amor, a Eucaristia. Desejo receber-vos na pobre morada que meu coração vos oferece; à espera da felicidade da comunhão sacramental, quero possuir-vos em Espírito. Vinde a mim, ó meu Jesus, que eu venha a vós. Que o vosso amor possa inflamar todo o meu ser, para a vida e para a morte. Creio em vós, espero em vós. Amo-vos. Assim seja.
Antes de deixar a Capela dedicada ao Espírito Santo foi entoada uma antiga antífona mariana Ave Regina Caelorum (“Ave Rainha dos Céus”):
Ave, Rainha do céu; ave, dos anjos Senhora; ave, raiz, ave, porta; da luz do mundo és aurora. Exulta, ó Virgem gloriosa, as outras seguem-te após; nós te saudamos: adeus! E pede a Cristo por nós!
Fonte: Vatican News