“Filhinhos, não amemos com palavras nem com a língua, mas com obras e na verdade”. Isso disse João em sua primeira carta, no capítulo 3, 18. E qual seria o tempo propício para isso? Todo o tempo. Todo o tempo, em especial, neste Ano Santo da Misericórdia convocado pelo Papa Francisco, que veio nos lembrar que Deus tem sonhos de amor. Sonho do amor que é concreto, do amor que é serviço, e do amor que constrói moradas capazes de acolher todas as criaturas.

Em razão desse momento, o espírito soprou entre nós ares de misericórdia. Ares que não chegaram aos nossos corações como brisa, mas como uma ventania. Um vento forte que nos deixou duas escolhas: agarrar-se às cordas gastas do nosso coração e permanecer no lugar onde estávamos, ou segurar as cordas novas que nos foram dadas e deixar que elas nos conduzissem a um novo lugar, mas sem saber que lugar era esse. Um grupo de leigos da cidade de São Gonçalo, no Rio de Janeiro, com idades e ocupações diversas, mas com uma decisão em comum: vamos para esse novo lugar!

Por conta de nossa escolha, surgiu então o grupo Misericordiosos como o Pai, formado por alguns irmãos franciscanos da Ordem Terceira, da fraternidade de Nossa Senhora das Graças, em Porto Velho, São Gonçalo (RJ), com o objetivo de viver plenamente este ano jubilar, colocando em prática tanto as obras de misericórdia espiritual quanto as obras de misericórdia corporal. Isso seria feito por meio de um calendário montado pelo grupo em novembro de 2015, com diversas atividades pensadas para serem realizadas ao longo de todo esse ano de 2016. Como dito, não sabíamos para onde estaríamos sendo conduzidos, mas confiamos que seria um lugar de glória.

Iniciamos as atividades juntamente com as ações do Papa Francisco de apresentação e abertura do Ano da Misericórdia, e tentamos levar até as pessoas os propósitos e anseios do grupo para este tempo. Já em dezembro, realizamos como uma primeira experiência, uma Ceia de Natal na capela São Francisco de Assis, na comunidade da Coruja, em São Gonçalo. Estiveram presente muitas crianças e alguns pais, que se sentaram à mesa para cear conosco. O intuito inicial era também convidar os irmãos usuários de crack que ficam ao lado da capela para participarem, mas eles não se sentiram à vontade para entrar no local. Decidimos por entregar a comida em embalagens de quentinhas, para que eles pudessem levar. Nesse dia pudemos ter um primeiro contato com essas pessoas e viver um pouco da realidade que eles vivem diariamente. Em janeiro, iniciamos de maneira concreta as ações e começamos a tomar conhecimento do lugar ao qual o espírito nos conduzia.

Dia 1º de janeiro, convidamos todos para uma oração conjunta pela Paz Mundial, e assim fazemos sempre que há uma data especial e que achamos que devemos elevar nossas preces conjuntamente a Deus. Todos os terceiros domingos de cada mês, tomamos café da manhã com irmãos carentes que recebem cesta básica da Pastoral Social da paróquia Nossa Senhora das Graças. Ouvimos suas histórias, oferecemos um colo e recebemos muitas lições. Fazemos celebrações em memória dos mártires da caminhada, como a que realizamos em 12 de fevereiro pela irmã Dorothy Stang, e também participamos de ações que unem e aquecem o nosso propósito, como o culto ecumênico na Catedral Luterana de Petrópolis, no dia 6 de março, celebrado pelo pastor da comunidade juntamente com o Frei Ângelo José Luiz – OFM, da Paróquia do Sagrado Coração de Jesus, em favor da campanha da fraternidade. Separamos esse fim de semana em Petrópolis para um momento de espiritualidade e lazer do nosso grupo, e pudemos ter a presença do Frei Rafael Nascimento, OFM, quem nos ajudou e vem nos apoiando muito em todas as nossas atividades. Também temos a intenção de promover debates com temas que nos tragam reflexões importantes, como o primeiro que realizamos no dia 20 de fevereiro, com a irmã Moema Miranda, sobre Justiça Social. No dia 02 de abril, realizamos também na capela de São Francisco, a Páscoa das Crianças. Brincamos uns com os outros, pintamos uns aos outros, nos abraçamos, nos sentimos, nos amamos. A presença de Cristo em cada rosto era tamanha e todos aqueles momentos estarão para sempre vivos em nós.

Além dessas atividades, o grupo dos Misericordiosos assume duas causas como gestos concretos de nossas ações. A primeira delas é a promoção de oficinas para moradores de comunidades em situação de vulnerabilidade social. No dia 13 de fevereiro subimos até o morro da bandeira, em São Gonçalo, lugar onde conhecemos uma realidade muito dura de pobreza e violência, para apresentar a proposta aos moradores e ouvir o que eles gostariam de aprender ou até ensinar. Algumas sugestões nos foram dadas, como curso de cabeleireiro e de costura. Estamos agendando uma nova visita para dar continuidade nesse projeto, que será realizado com a ajuda de voluntários e visa promover um crescimento intelectual, cultural e principalmente pessoal de todos aqueles envolvidos.

O outro gesto concreto é o trabalho com os irmãos chagados pelo vício do crack. Fizemos nossa primeira visita até o local onde eles sobrevivem no dia 12 de março, e ali ficou claro onde é que o espírito está nos levando e vai nos levar até o resto dos dias. O lugar, comumente conhecido como “cracolândia”, fica ao lado da Capela São Francisco de Assis, na comunidade da Coruja, em São Gonçalo.  Era no meio do mato, no meio do lixo, no meio da dor, no meio do nada… Com pessoas que pareciam não ter mais nada, nem sequer a carne do corpo, e com a gente ali, parecendo também não poder fazer mais nada. Por graça, um homem surgiu e em voz alta, começou a dizer: “Nossos irmãos chegaram para nos dar atenção!”. Quem falava era um irmão usuário que já estava ali há alguns anos. Todos começaram a sair de seus barracos e a se sentar perto de nós. Tínhamos kits de higiene e também pães e suco, mas o que todos queriam era sentir que ainda viviam. Então com um violão, começamos a cantar a plenos pulmões e tudo foi ganhando um pouco mais de cor e forma e nós tivemos a certeza de estar em um lugar de glória.

Queremos convidar você a segurar as nossas mãos firmemente nessa corrente do bem. Temos uma página no Facebook intitulada “Misericordiosos como o Pai” e você pode curtir e acompanhar o nosso trabalho. Mesmo que não seja possível a sua presença física, pode ser com suas orações, pode ser com suas boas energias e preces, pode ser com o seu desejo de poder criar espaços que sejam abrigo para as chagas de todos nós, especialmente dos irmãos que mais sofrem. O sentimento da misericórdia, de maneira especial, consegue senti-las profundamente, e é por isso que queremos cultivá-lo e que deixamos que ele nos conduza.