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Ministro Geral: “Educação genuinamente franciscana deve estar orientada à práxis”

30/11/2015

Notícias

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Moacir Beggo

Curitiba (PR) – O Definidor da Ordem dos Frades Menores para a América Latina, Frei Valmir Ramos, representou o Ministro Geral, Frei Michael Perry, no Congresso Franciscano que teve início nesta segunda-feira, 30 de novembro em Curitiba. Ele trouxe para Curitiba, a capital da educação franciscana até quinta-feira, uma mensagem de esperança mas também provocações para os educadores.

“Francisco de Assis rechaçava aprender por aprender. E certamente não tinha tempo para a religiosidade abstrata ou para as boas intenções que morriam na vinha da indiferença moral. Estava convencido de que sem ações concretas, nossas nobres ideias são simples fantasmas e nossos santos desejos são apenas ilusões”, escreveu o Ministro Geral. Segundo ele, a educação genuinamente franciscana deve estar orientada à práxis. Ou seja, mais do que intelecto e afeto, a educação franciscana é pautada por ações.

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Frei Valmir Ramos, Definidor Geral

Para isso, exorta longamente sobre a importância do trabalho, ou seja, “trabalhar para transformar o mundo”. Lembrando do ícone de Jesus sofredor, que disse a Francisco para “restaurar a minha que está em ruínas”, o Ministro Geral pediu aos educadores para “reconstruir a casa de Deus, a transformação do mundo de Deus, a remodelação da criação de Deus, de modo que possa refletir mais claramente a integridade, a justiça e a paz do plano e da proposta criativa de Deus”.

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Frei Cesare Vaiani, Secretário para Formação e Estudos

EDUCAÇÃO COM A LAUDATO SÍ

A palestra de Frei Cesare Viani também foi muito esperada neste primeiro dia.  Frei Cesare revelou que se sentia muito contente por falar da educação e ensino, já que dedicou mais de trinta anos ao ensino da Teologia antes de ser chamado para trabalhar na Cúria Geral. “Ensinar os jovens foi uma das mais belas experiências de minha vida”, disse.

As escolas, contudo, não estavam entre as principais preocupações de Francisco e de seu primeiro grupo. “Mas as escolas fizeram parte do desenvolvimento do carisma, que começa a ser compartilhado assim que chegam novos irmãos”, explicou. “No trabalho de evangelização, os franciscanos sempre buscaram estar próximos do povo. A educação era um dos serviços”, observou.

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Frei Beto, presidente da CFMB

Para se ter uma ideia, essa presença franciscana nas escolas é antiga, especialmente na América Latina, onde, segundo o frade, concentra mais da metade dos centros educativos. “Em levantamento de 2007, eram 160 escolas na América Latina de um total de 300”, ilustrou.

Na perspectiva franciscana da evangelização, nos dias de hoje, a educação não pode prescindir da ecologia integral, que indicou o Papa Francisco na Encíclica “Laudato Sí”, especialmente no último capítulo, intitulado “Educação e Espiritualidade ecológicas”.

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Frei Guido, presidente da Associação Bom Jesus

Segundo o frade, vale a pena refletir alguns pontos que ajudam a indicar caminhos:

“A educação ambiental deveria predispor-nos para dar este salto para o Mistério, do qual uma ética ecológica recebe o seu sentido mais profundo. Além disso, há educadores capazes de reordenar os itinerários pedagógicos de uma ética ecológica, de modo que ajudem efetivamente a crescer na solidariedade, na responsabilidade e no cuidado assente na compaixão.

Às vezes, porém, esta educação, chamada a criar uma «cidadania ecológica», limita-se a informar e não consegue fazer maturar hábitos. A existência de leis e normas não é suficiente, a longo prazo, para limitar os maus comportamentos, mesmo que haja um válido controle. Para a norma jurídica produzir efeitos importantes e duradouros, é preciso que a maior parte dos membros da sociedade a tenha acolhido, com base em motivações adequadas, e reaja com uma transformação pessoal”, citou.

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Frei Fidêncio, Ministro Provincial da Imaculada

BOAS VINDAS

Depois da Celebração Eucarística, os participantes do Congresso Internacional de Educação Franciscana se dirigirem ao Teatro do Colégio Bom Jesus, onde teve início a solenidade de abertura. O Ministro Provincial, Frei Fidêncio Vanboemmel, em nome da Província, como anfitriã do evento, disse que era uma honra ter a presença do governo da Ordem dos Frades Menores neste evento, referindo-se a Frei Cesare Vaiani, secretário para a Formação e Estudos e a Frei Valmir Ramos, Definidor da Ordem Franciscana para a América Latina e representante do Ministro Geral, Frei Michael Perry.

Frei Fidêncio também agradeceu a Frei Carlos Alberto Breis Pereira, o Frei Beto, Ministro Provincial da Província de Santo Antônio e presidente da Conferência dos Frades Menores do Brasil (CFMB), e lembrou que os frades chegaram a Curitiba em 1898. Foram convidados pelo bispo da época para atuarem na pastoral com os imigrantes – majoritariamente formada por alemães, austríacos e suíços -, produzirem e editarem a revista “Estrela”, importante para a Igreja Católica na capital paranaense, e assumirem a Escola Alemã, formado por meninos, que depois se tornou o Colégio Bom Jesus.

Frei Guido Moacir Scheit, falando como presidente da Associação Franciscana Bom Jesus, deu as boas vindas a todos e falou da importância do papel dos educadores na formação do ser humano num tempo “de descontrole total para a dignidade da vida”.

Frei Beto destacou a importância deste Congresso, o primeiro que se realiza no Brasil, 430 anos depois da primeira escola franciscana fundada em Olinda. “Que este primeiro Congresso seja para todos nós aqui presentes, educadores, um tempo de reafirmarmos aquelas convicções que nos animam e que nos sustentam, que nos movem e comovem”, animou.

Também fez parte da mesa na manhã deste primeiro dia do encontro, Flávio Arns, Secretário Especial de Assuntos Estratégicos do Estado do Paraná. “Prefiro ser reconhecido como ex-aluno do Bom Jesus, ex-professor do Colégio Bom Jesus e colaborador e voluntário da Escola que atende crianças com deficiência na Aldeia Franciscana nos últimos 32 anos”, disse o ex-vice-governador do Paraná. Segundo ele, é importante este encontro para refletir e definir qual é a marca franciscana na educação.

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Flávio Arns, do governo Estadual do Paraná

ÍNTEGRA DA MENSAGEM DO MINISTRO GERAL

Prezados irmãos e irmãs,
Que o dom da paz de Deus esteja com vocês!

Às vezes a educação franciscana é caracterizada como um casamento do intelecto e do afeto, uma união de cabeça e coração. Com certeza, cabeça e coração são os “órgãos vitais” de qualquer investimento acadêmico que pediria o manto de São Francisco. Mas, nesta formulação clara não se está esquecendo algo de essencialmente franciscano? Para São Francisco não era suficiente fazer reflexões profundas ou inclusive sentir uma grande compaixão. Ele insistia que essas reflexões profundas e esses sentimentos compassivos tinham que expressar-se com ações. Francisco tinha uma inclinação decidida a favor dos feitos. Rechaçava aprender por aprender. E certamente não tinha tempo para a religiosidade abstrata ou para as boas intenções que morriam na vinha da indiferença moral. Estava convencido de que sem ações concretas, nossas nobres ideias são simples fantasmas e nossos santos desejos são apenas ilusões. Ele era fã de ressaltar que “uma pessoa é tão estudada somente quanto suas ações o demonstram; e um religioso é bom pregador somente quanto suas obras o demonstram”. Além disso, insistia que se, e somente se, os discípulos de Cristo “o fazem nascer através de uma atividade santa”, é que a Palavra de Deus se converterá de novo carne em nossa carne e fará uma diferença real em nosso mundo. Assim, uma educação genuinamente franciscana deve estar orientada à práxis: trabalhar, fazer bons trabalhos e trabalhar para transformar o mundo. Algumas ideias sobre cada um desses aspectos:

Trabalhar. No Testamento que ditou já em seu leito de morte e no qual revisou os elementos essenciais de sua viagem espiritual, São Francisco escreveu: “Trabalhei com minhas mãos e ainda quero trabalhar; e sinceramente desejo que todos os meus irmãos se dediquem a um trabalho honesto”.

Francisco está convencido de que o trabalho é uma graça. É um presente dado por Deus. Agora, algumas pessoas a duras penas acreditam assim: aqueles que ficam aterrorizados com o barulho do despertador pela manhã; aqueles que contam os dias, as horas e os minutos antes de suas próximas férias; aqueles que vivem para o fim de semana e esperam impacientes a data mais próxima possível para poder sacar todos os seus benefícios. Para estes infelizes trabalhadores, o trabalho é uma maldição. No entanto, São Francisco tinha uma perspectiva diferente. Ele falava da “graça do trabalho”. Ele escreveu em sua Regra de Vida que escreveu para seus frades: “os frades a quem o Senhor deu a graça de trabalhar, trabalhem fiel e devotamente, de modo que, afastando o ócio … não extingam o espírito da santa oração e devoção, ao qual as outras coisas temporais devem servir”.

Para Francisco, o trabalho era um dom, uma bênção, um caminho à santidade, uma maneira prática e concreta de demonstrar o amor por Deus e pelo próximo. Não era apenas um “trabalho de Igreja”, ou as profissões dedicadas a ajudar que Francisco considerava uma atividade cheia da graça. Ele estava convencido de que qualquer classe de trabalho honesto pode ser uma bênção para a vida espiritual de uma pessoa e um benefício para seus irmãos e irmãs. Qualquer bom trabalho humano, quando se realiza em espírito de oração e devoção, pode tornar-se trabalho de Deus, nossa única maneira de unirmo-nos a Deus na tarefa contínua da criação, como o Santo João Paulo II nos recorda na encíclica sobre a dignidade do trabalho humano, Laborem Exercens (14 de setembro de 1981).

Eu creio que os educadores franciscanos precisam evitar a superficialidade do conto de fadas de que a educação é um fim em si mesma e que toda fala sobre preparar os seus estudantes para um trabalho no mercado, de um modo ou outro, está abaixo de sua profissão e de sua dignidade profissional. No entanto, o que pode ser mais digno que afirmar a dignidade do trabalho e a dignidade do trabalhador, de todos os trabalhadores, não apenas aqueles que trabalham de colarinho branco e mantêm posições prestigiadas na sociedade? O que pode ser mais digno que expor e dispor a homens e mulheres jovens à “graça do trabalho”? Ajudar os seus estudantes a prepararem-se para o trabalho de suas vidas, a adquirir uma ética do trabalho sólida, a sentirem-se orgulhosos dos trabalhos de suas mãos e a respeitar o trabalho dos outros,
– seja o trabalho de quem limpa a casa ou que constrói a casa, de um camponês ou de um operário, de um gari ou de um cirurgião – na verdade qualquer um deles é trabalho muito “franciscano”.

Fazer bons trabalhos. No mesmo capítulo da Regra franciscana que se refere ao trabalho, Francisco também diz: “Deixemos que todos os irmãos sempre se esforcem por fazer bons trabalhos”. Nesse sentido, como em todos os demais, ele estabelece um alto parâmetro aos seus confrades com o seu próprio exemplo. As mãos que reconstruíram as capelas destruídas ao longo da estrada aos arredores de Assis foram as mesmas mãos que tocaram o intocável na sociedade medieval: os leprosos. Francisco serviu àqueles a quem a enfermidade desfigurava e colocava à margem da sociedade. Trocou os curativos das feridas dos leprosos e pediu esmolas para o sustento deles. Abraçou seus corpos debilitados e defendeu a dignidade humana muitas vezes descartada.

Os primeiros frades franciscanos saíram das muralhas protetoras de Assis foram para perto das colônias de leprosos onde Francisco e seus irmãos estavam em casa, entre aqueles que não tinham teto (cf. Michael Cusato, OFM, “Wall-to-Wall Ministry: Franciscan Ministry in the Cities of Thirteenth-Century Italy,” True Followers of Justice: Identity, Insertion and Itinerancy among the Early Franciscans. Spirit and Life, 10, St. Bonaventure, NY: Franciscan Institute Publications, 2000, pp. 31-61) e onde Francisco escreveu estas palavras desafiadoras aos seus seguidores de todos os tempos e lugares: “Deixemos que todos os irmãos… se alegrem quando vivem entre as pessoas consideradas de pouco valor e que são olhadas com desprezo, entre os pobres e os desvalidos, os doentes e os leprosos, e os miseráveis à beira do caminho”.

Como mencionei antes, tal experiência de estar e viver com os pobres, os marginalizados e os excluídos da sociedade pode ser profundamente transformadora. Com certeza o foi para Francisco de Assis. Essa experiência pode mudar nossos valores. Ela pode mudar nossas metas e prioridades na vida. Ela muda nossa perspectiva sobre as estruturas econômicas e sociais que nos dão forma ou nos deformam. Ela pode mudar o entendimento que temos de nós mesmos, do nosso mundo e do nosso Deus. Este é o porquê as atividades de serviço-aprendizagem precisam ser um componente essencial de uma educação genuinamente franciscana, de modo que “os pobres e desvalidos, os doentes e os leprosos, e os miseráveis à beira do caminho” possam ensinar a seus estudantes as lições mais importantes da vida.

Finalmente, trabalhar para transformar o mundo. Muitos de vocês estão familiarizados com um incidente dos primeiros dias da conversão de São Francisco a uma vida conforme o Evangelho. Sem a certeza da direção da própria vida que estava tomando e deixando-se guiar por Deus, Francisco rezou diante do crucifixo que pendia na igreja de São Damião, uma pequena capela, em ruínas, à beira do caminho, bem próximo das muralhas de Assis. Quando observava o ícone de Jesus sofredor, Francisco escutou uma voz que lhe dizia: “Francisco restaura e minha casa que, como vês, está em ruínas”. Com sua tendência a favor da ação mais que da mera intenção, Francisco tomou as palavras ao pé da letra. Ele arrumou um martelo de carpinteiro, uma colher de pedreiro e começou a reconstruir o santuário em ruínas.

Com o tempo, claro, Francisco começou a entender que o projeto de construção ao qual Deus o estava chamando era cada vez mais importante e maior que a renovação de uma igreja. Alguns estudiosos franciscanos de hoje argumentam que o projeto de construção concebido pelo homem na cruz foi cada vez mais importante e maior que a renovação e a reforma da Igreja, descrita no credo como “uma só Igreja, santa, católica e apostólica”.

A “casa de Deus” é mais que um templo e mais que a comunidade dos crentes cristãos. É nada menos que o mundo, a criação boa de Deus. Isto é o que “caiu em ruínas”. Isto é o que precisa ser reconstruído. Isto é o que requer toda sabedoria e conhecimento, toda destreza e todos os talentos, toda energia e entusiasmo, toda paixão e compaixão de seus estudantes. Por último, isto é para o que vocês os preparam: aplicar o que aprenderam sob os cuidados de vocês para reconstruir a casa de Deus, a transformação do mundo de Deus, a remodelação da criação de Deus, de modo que possa refletir mais claramente a integridade, a justiça e a paz do plano e da proposta criativa de Deus…

Muito obrigado, e que vocês e seus estudantes sejam abençoados com os dons da “paz e todo bem”.

Frei Michael Antony Perry, OFM
Ministro Geral