Papa: “A Igreja não nasceu em laboratório”
20/06/2014
Na audiência geral desta quarta-feira, dia 18 de junho, o Papa Francisco propôs o início de um novo ciclo de catequeses que terá como tema a Igreja:
“A Igreja não é uma instituição com um fim em si própria ou uma ONG, nem muito menos se deve restringir ao clero e ao Vaticano… A Igreja é uma realidade mais ampla, que se abre a toda a humanidade e que não nasce num laboratório, improvisamente, do nada. É fundada em Jesus Cristo mas é um povo com uma história longa e uma preparação que tem início muito antes de Jesus”, disse.
O Papa Francisco concluiu a sua catequese pedindo a graça de permanecermos fieis a Jesus Cristo e à escuta da sua Palavra. No final da audiência o Papa Francisco lançou um apelo para o drama dos refugiados:
“Neste 20 de junho, ocorre o Dia Mundial do Refugiado, que a comunidade internacional dedica aos que são obrigados a deixar a sua própria terra para fugir dos conflitos e das perseguições. O número destes irmãos refugiados está crescendo e, nestes últimos dias, outros milhares de pessoas foram levadas a deixar as suas casas para se salvarem. Milhões de famílias refugiadas de tantos países e de todos os credos religiosos vivem nas suas histórias dramas e feridas que dificilmente poderão ser sanadas. Estejamos próximos delas, partilhando os seus medos e incertezas pelo seu futuro e aliviando concretamente os seus sofrimentos. O Senhor sustente as pessoas e as instituições que trabalham com generosidade para assegurar aos refugiados acolhimento e dignidade dando-lhes motivos de esperança.”
Recordando que Jesus, com Maria e José, também foi refugiado, o Papa Francisco invocou a proteção de Nossa Senhora.
O Papa Francisco a todos deu a sua bênção!
ÍNTEGRA DA CATEQUESE
Queridos irmãos e irmãs, bom dia. E parabéns a vocês porque vocês são bravos, com este tempo que não se sabe se vem água, se não vem… Bravos! Esperamos terminar a catequese sem água, que o Senhor tenha piedade de nós.
Hoje começo um ciclo de catequese sobre a Igreja. É um pouco como um filho que fala da própria mãe, da própria família. Falar da Igreja é falar da nossa mãe, da nossa família. A Igreja, na verdade, não é uma instituição com fim em si mesma ou uma associação privada, uma ONG, nem tão pouco se deve restringir o olhar ao clero e ao Vaticano… “A Igreja pensa…”. Mas a Igreja somos todos! “De quem você fala?”. “Não, dos padres…” Ah, os padres são parte da Igreja, mas a Igreja somos todos! Não restringi-la aos sacerdotes, aos bispos, ao Vaticano… Estes são partes da Igreja, mas a Igreja somos todos, todos família, todos da mãe. E a Igreja é uma realidade muito mais ampla, que se abre a toda a humanidade e que não nasce em um laboratório, a Igreja não nasceu em laboratório, não nasceu de improviso. Foi fundada por Jesus, mas é um povo com uma história longa e uma preparação que tem início muito antes do próprio Cristo.
1. Esta história, ou “pre-história”, da Igreja se encontra já nas páginas do Antigo Testamento. Ouvimos o Livro do Gênesis: Deus escolheu Abraão, nosso pai na fé, e lhe pede para partir, para deixar a sua pátria terrena e seguir rumo a uma outra terra, que Ele indicaria (cfr Gen 12, 1-9). E nesta vocação Deus não chama Abraão sozinho, como indivíduo, mas envolve desde o início a sua família, os seus parentes e todos aqueles que estão a serviço da sua casa. Uma vez em caminho, – sim, assim a Igreja começa a caminhar- , depois, Deus ainda ampliará o horizonte e transbordará Abraão da sua benção, prometendo-lhe uma descendência numerosa como as estrelas do céu e como a areia da praia. O primeiro dado importante é justamente esse: começando de Abraão, Deus forma um povo para que leve a sua benção a todas as famílias da terra. E dentro desse povo nasce Jesus. É Deus que faz esse povo, esta história, a Igreja em caminho, e ali nasce Jesus, neste povo.
2. Um segundo elemento: não é Abraão a constituir em torno de si um povo, mas é Deus a dar a vida a este povo. Geralmente era o homem que se dirigia à divindade, procurando preencher a lacuna e invocando apoio e proteção. O povo rezava aos deuses, às divindades. Nesse caso, em vez disso, se assiste a algo sem precedentes: é o próprio Deus a tomar a iniciativa. Escutemos isso: é o próprio Deus que bate à porta de Abraão e lhe diz: segue adiante, distante da sua terra, comece a caminhar e eu farei de ti um grande povo. E este é o início da Igreja e neste povo nasce Jesus. Deus toma a iniciativa e dirige a sua palavra ao homem, criando um vínculo e uma relação nova com ele. “Mas, padre, como é isto? Deus nos fala?”. “Sim”. “E nós podemos falar com Deus?”. “Sim”. “Mas nós podemos ter uma conversa com Deus?”. “Sim”. Isto se chama oração, mas é Deus que fez isso desde o início. Assim, Deus forma um povo com todos aqueles que escutam a sua Palavra e que se colocam em caminho, confiando Nele. Esta é a única condição: confiar em Deus. Se você confia em Deus, escuta-O e se coloca em caminho, isto é fazer Igreja. O amor de Deus precede tudo. Deus sempre é primeiro, chega antes de nós, Ele nos precede. O profeta Isaías, ou Jeremias, não me lembro bem, dizia que Deus é como a flor da amendoeira, porque é a primeira árvore que floresce na primavera. Para dizer que Deus sempre floresce antes de nós. Quando nós chegamos, Ele nos espera, Ele nos chama, Ele nos faz caminhar. Sempre está antecipado em relação a nós. E isto se chama amor, porque Deus nos espera sempre. “Mas, padre, eu não acredito nisto, porque se o senhor soubesse, padre, a minha vida tem sido tão ruim, como posso pensar que Deus me espera?”. “Deus te espera. E se você foi um grande pecador, te espera mais ainda e te espera com tanto amor, porque Ele é o primeiro. Esta é a beleza da Igreja, que nos leva a este Deus que nos espera!”. Precede Abraão, precede também Adão.
3. Abraão e os seus escutam o chamado de Deus e se colocam em caminho, não obstante não saibam bem quem seja este Deus e onde quer conduzi-los. É verdade, porque Abraão se coloca em caminho confiando neste Deus que lhes falou, mas não tinha um livro de teologia para estudar o que era este Deus. Confia, confia no amor. Deus lhe faz sentir o amor e ele confia. Isto, porém, não significa que este povo esteja sempre convencido e fiel. Antes, desde o início há resistências, o olhar para si mesmo e para seus próprios interesses e a tentação de negociar com Deus e resolver as coisas do próprio modo. E estas são as traições e os pecados que marcam o caminho do povo ao longo de toda a história da salvação, que é a história da fidelidade de Deus e da infidelidade do povo. Deus, porém, não se cansa, Deus tem paciência, tem tanta paciência, e no tempo continua a educar e a formar o seu povo, como um pai com o próprio filho. Deus caminha conosco. Diz o profeta Oseias: “Eu caminhei contigo e te ensinei a caminhar como um pai ensina o seu filho a caminhar”. Bela esta imagem de Deus! E assim é conosco: ensina-nos a caminhar. E é a mesma atitude que mantém em relação à Igreja. Também nós, de fato, mesmo no nosso propósito de seguir o Senhor Jesus, fazemos a experiência a cada dia do egoísmo e da dureza do nosso coração. Quando, porém, nos reconhecemos pecadores, Deus nos enche da sua misericórdia e do seu amor. E nos perdoa, nos perdoa sempre. E é justamente isso que nos faz crescer como povo de Deus, como Igreja: não é a nossa bravura, não são os nossos méritos – não somos pouca coisa, não é isso – mas é a experiência cotidiana de quanto o Senhor nos quer bem e cuida de nós. É isto que nos faz sentir realmente seus, nas suas mãos, e nos faz crescer na comunhão com Ele e entre nós. Ser Igreja é sentir-se nas mãos de Deus, que é Pai e nos ama, nos acaricia, nos espera, nos faz sentir a sua ternura. E isto é muito belo!
Queridos amigos, este é o projeto de Deus; quando chamou Abraão, Deus pensava isto: formar um povo abençoado pelo seu amor e que leve a sua benção a todos os povos da terra. Este projeto não muda, está sempre em ação. Em Cristo teve o seu cumprimento e ainda hoje Deus continua a realizá-lo na Igreja. Peçamos, então, a graça de permanecer fiéis ao seguimento do Senhor Jesus e na escuta da sua Palavra, prontos a partir a cada dia, como Abraão, rumo à terra de Deus e do homem, a nossa verdadeira pátria e assim nos tornarmos benção, sinal do amor de Deus para todos os seus filhos. Eu gosto de pensar que um sinônimo, um outro nome que nós cristãos podemos ter seria este: somos homens e mulheres, somos povo que bendiz. O cristão, com a sua vida, deve bendizer sempre, bendizer Deus e bendizer todos. Nós cristãos somos povo que bendiz, que sabe bendizer. Esta é uma bela vocação!
Papa Francisco
Praça São Pedro – Vaticano
Quarta-feira, 18 de junho de 2014
Fonte: Rádio Vaticano