Mais de 90 mortos em Lampedusa. “Vergonha”, afirma Francisco
03/10/2013
Cidade do Vaticano (RV) – Vergonha: assim o Papa definiu a tragédia ocorrida esta manhã na ilha de Lampedusa, que matou pelo menos 90 migrantes.
Não posso não recordar com grande dor as numerosas vítimas do enésimo trágico naufrágio ocorrido hoje no largo de Lampedusa. Vem-me a palavra “vergonha”. Rezemos a Deus por quem perdeu a vida e unamos os nossos esforços para que não se repitam tragédias semelhantes. Somente uma colaboração firme de todos pode ajudar a preveni-las.
Uma embarcação com 500 refugiados, entre eles 30 crianças, pegou fogo e naufragou. A polícia ainda está trabalhando para recuperar os mortos. Os migrantes eram eritreus e somalis.
As palavras do Pontífice foram pronunciadas ao final da audiência, no Vaticano, aos participantes do Congresso organizado para comemorar os 50 anos da Encíclica Pacem in terris, promulgada pelo Beato João XXIII em 11 de abril de 1963.
Segundo o Pontífice, as tragédias como as de Lampedusa ocorrem porque o mundo ainda é marcado pelo mesmo espírito que predominava quando a Encíclica foi publicada, no ápice da guerra fria:
No final de 1962, a humanidade se encontrou à beira de um conflito atômico mundial, e o Papa fez um dramático apelo de paz. O diálogo que então os blocos antagonistas empreenderam com muita dificuldade levou, durante o Pontificado de João Paulo II, à superação daquela fase. As sementes lançadas pelo Beato João XXIII deram frutos. Todavia, não obstante a queda de muros e barreiras, o mundo continua a necessitar de paz e o chamado da Pacem in terris permanece fortemente atual.
Como nos recorda a Encíclica, prosseguiu Francisco, o fundamento da construção da paz consiste na origem divina do homem e da sociedade. Todos, portanto, são chamados a construírem a paz através de dois caminhos: promover e praticar a justiça; e contribuir, cada um segundo suas possibilidades, ao desenvolvimento humano integral, segundo a lógica da solidariedade.
Olhando para a nossa realidade atual, me pergunto se compreendemos esta lição da Pacem in terris. Pergunto-me se as palavras justiça e solidariedade estão somente no dicionário ou todos trabalham para que se tornem realidade. A Encíclica do Beato João XXIII nos recorda claramente que se não trabalharmos por uma sociedade mais justa e solidária e se não superarmos egoísmos e individualismos, não poderão existir paz e harmonia verdadeiras.
A paz duradoura, continuou o Papa, depende do fato de que todos possam ter acesso aos meios essenciais de subsistência, como alimentação, moradia, saúde e educação. Garantir esses meios deve ser a prioridade de toda ação nacional e internacional. Em matérias políticas, econômicas e sociais, não é o dogma que indica as soluções práticas, mas o diálogo, a escuta, a paciência e respeito pelo outro. O apelo à paz de João XXIII, afirmou Francisco, tinha a finalidade de orientar o debate internacional segundo essas virtudes. E concluiu:
A Pacem in terris traça uma linha que vai da paz a ser construída no coração dos homens a uma revisão do nosso modelo de desenvolvimento e de ação em todos os níveis, para que o nosso mundo seja um mundo de paz. Passados 50 anos, pergunto-me se estamos dispostos a acolher este convite.
A via-sacra dos migrantes no Mediterrâneo
Com um tuíte, o Papa Francisco manifesta seu pesar pela morte de pelo menos 90 pessoas que tentavam desembarcar na Itália. “Rezemos a Deus pelas vítimas do trágico naufrágio no largo de Lampedusa.”
Uma embarcação com 500 refugiados pegou fogo e naufragou esta manhã. “O mar está repleto de cadáveres. Esta situação não pode continuar”, declarou a prefeita de Lampedusa, Giusi Nicolini.
O Papa Francisco manifestou inúmeras vezes sua preocupação pela situação de milhares de refugiados. Em julho, visitou essa mesma ilha onde, com frequência, se verificam tragédias como a desta manhã. Em setembro, o Pontífice conheceu de perto o Centro Astalli, estrutura romana que acolhe migrantes, administrada pelos jesuítas.
Após a tragédia desta manhã, o Presidente do Centro, Pe. Giovanni La Manna, divulgou um comunicado, em que escreve: “Chega de mortes no Mediterrâneo. Agora é a hora de medidas extraordinárias. Diante da enésima tragédia, a Comissão Europeia e os governos nacionais não podem permanecer inertes. O governo italiano deve pedir imediatamente à Comissão Europeia a ativação de canais humanitários seguros capazes de garantir às vítimas de guerras e conflitos em andamento a proteção internacional”.
Só esta semana, a costa italiana registrou outras duas tentativas de desembarque. Na segunda-feira, 13 pessoas morreram no naufrágio perto da cidade de Scicli.
Esta manhã, 117 migrantes sírios foram salvos nas proximidades de Siracusa, na Sicília.
Fonte: Rádio Vaticano